domingo, 3 de fevereiro de 2013

VOO 2688 – 31 Jan. 1974 - Míssil abate avião; eu "estava" lá.





Fernando Moreira
Ex-Furril/Mil
Transm./Infantaria
Vila Real



Vitor Manuel Fernandes Castro Gil
Pil.Av
FALECIDO a 05 / Jan. / 1979
Na BA-5 – Monte Real


31 Jan. 1974 - Míssil abate avião; eu "estava" lá.

No início de 1974, a zona Leste da Guiné, Gabú, e particularmente a área sob o controlo do Batalhão com sede em Piche, começou a sentir o forte assédio do PAIGC que se havia iniciado a Norte (em Guidage) e a Sul (em Guilege). Para poder cortar as rotas de comunicação e pressionar directamente o aquartelamento de Piche, a estratégia do PAIGC passava pela tomada da nossa guarnição de Canquelifá, mais a norte.





No dia 31 de Janeiro, após aquele destacamento ter sido flagelado com mais de 50 foguetões de 122 mm em apenas duas horas (houve abrigos que não resistiram e ficaram destruídos), foi decidida uma acção de apoio aéreo. Da Base de Bissalanca, em Bissau, levantou uma parelha de aviões Fiat G-91R/4 pilotados pelos Tenente-Coronel Vasquez e Tenente Gil (na foto).



A missão, designada de "apoio de fogo", tinha como objectivo aliviar a pressão sobre a guarnição e, como tal, impunha-se auxílio logístico às aeronaves.  Essa tarefa foi atribuída ao Comando do Batalhão, em Piche. Por volta das quatro da tarde, numa frequência rádio previamente determinada, estabeleceu-se o contacto. O Alferes de Transmissões encarregava-se das comunicações com o avião n.º 1 da parelha, enquanto a mim me cabia o n.º 2 pilotado pelo Tenente Castro Gil.





Fomos fornecendo coordenadas para ataque ao solo e outras informações solicitadas pelos pilotos. Entre elas destacava-se o "feedback" dos nossos colegas em Canquelifá que, por outra via rádio, nos davam conta daquilo que observavam da ofensiva aérea. Tudo indicava que a operação estava a decorrer com sucesso. Subitamente, quando fornecia ao "meu" piloto uma coordenada a norte de Canquelifá, ele deixou de falar e, acto contínuo, ouvi um barulho parecido a uma pequena explosão. E perdi o contacto. A seguir entra no meu rádio o comandante da esquadrilha e diz: "…o n.º 2 está em perda, foi atingido… está a cair… ejectou-se…". Depois ouvi-o comunicar com a base solicitando a mudança de frequência pelo que cessou aí a nossa ligação rádio.


 FIAT 5419 – Este era pilotado pelo
Ten./Cor. Pil.Av. José Fernando de Almeida Brito
Data: 28/03/1973 † morto (Comandante do Grupo Operacional 1201)





Já de noite, soubemos que o avião tinha sido atingido por um míssil terra-ar SAM-7 (conhecido por Strela), durante a recuperação de um "passe de bombas", eventualmente feito sem a necessária aceleração, entrando assim no "envelope do míssil". O piloto ejectou-se (a explosão que ouvi pela rádio terá ficado a dever-se a essa acção de evasão), conseguindo dirigir-se para Norte e passando a noite para lá da fronteira com o Senegal. Ao amanhecer iniciou uma caminhada para sul, a fim de tentar encontrar a estrada Canquelifá – Piche, contornando as linhas inimigas. Esta decisão, inteligente, ter-lhe-á valido não ser capturado pelo PAIGC.



Entretanto, estavam já na zona os meios de busca e salvamento: várias aeronaves (nunca vi tantas!), os Pára-quedistas e o famoso grupo do Marcelino da Mata transportados em helicópteros. O Ten. Gil avistou os aviões que o procuravam e, sem hipóteses de os contactar, continuou a caminhar.
Cansado e cheio de sede, resolveu entrar numa "tabanca" onde pediu água. Felizmente para ele foi recebido de um modo amistoso e deram-lhe água e laranjas, o que o levou a oferecer 1000 pesos a quem o levasse a um quartel da zona. À vista de tal quantia, foi o próprio "homem grande" da tabanca que, pegando na sua bicicleta, o transportou ao posto da tropa mais próximo, Dunane, situado na estrada para Piche. Como em Dunane os militares eram todos africanos, o piloto pediu que o levassem até um quartel com militares brancos o que fez o "homem grande" pedalar rijo até Piche.
Em Piche, cerca das 18 horas, uma multidão aguardava o Tenente Castro Gil. Toda a gente o queria ver e cumprimentar. Eu ainda consegui dar-lhe um aperto de mão e identificar-me como o seu ajuda rádio durante a operação e no momento do impacto do míssil. Ele retorquiu: "Eh pá… não houve hipóteses” (de escapar)! Depois de descansar, se alimentar e pagar a dívida ao "homem grande", partiu num "Dakota" que o esperava na nossa pista de aviação. Consta que em Bissalanca outra recepção grandiosa aconteceu.

O avião (Fiat G-91 – identificação "5437", na foto) do Tenente Gil foi o último a ser abatido por um míssil terra-ar Strela antes da independência. Durante a guerra colonial, na Guiné, foram abatidos 7 aviões Fiat G-91 de que resultou 1 piloto morto e 6 ejecções com êxito e posterior resgate.

Por ironia do destino, o Tenente Victor Manuel Castro Gil que em 31-1-1974 resistiu, como vimos, a um míssil e a uma ejecção em zona de guerra, veio a falecer em Monte Real, a 5 de Janeiro de 1979, com 28 anos, aos comandos de um T-33 durante a fase de aterragem.

(Referências: José Manuel Pinto Ferreira, em “Luís Graça & Camaradas da Guiné”;
 Arnaldo Sousa, em “Especialistas da Base Aérea 12, Guiné”)

Autoria: Fernando Moreira,
Ex-Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria – Guiné-Bissau (Piche: Maio de 1973 a Junho 



Comando. Este trabalho escrito do Fernando Moreira, que reportamos de muito bom trabalho, como são todos os relatados na primeira pessoa, lemos o mesmo no FB, e de imediato o contactamos a solicitar a respectiva autorização para publicação no nosso Blog. Depois da respectiva autorização demos saída a este voo. 
Só acrescentamos algumas fotos para melhor situar o acontecimento.

Voo 761 ABATE DO FIAT G 91 5437

4 comentários:

  1. Também eu estive lá Vicente Braz,bem assim como Arnaldo Sousa,adelino Sousa Motinha e Matias Grilo.pessoalmente ainda conservo no corpo uma leve recordaçãodepois de ter caído,aquando da recepção da Ten.Gil.ao qual dediquei os seguintes versos pintados a pressa num lençol.
    Já temos na linha da frente
    Piloto sem ter rival
    vá treinando sr.tenente
    Para a volta a Portuga

    De canquelifá até pitche
    Teve pinta de atleta
    Ainda o havemos de ver na pista
    aterrar de bicicleta.

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    1. Estou a dá-la com os olhos marejados de lágrimas. Tenho em meu poder fotos de todos esses acontecimentos, e dois filhos que ele me deixou.

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  2. Foi um evento que me marcou muito e que, felizmente, acabou bem. Mas fiquei chocado quando soube da morte (estúpida) do "meu" querido piloto naquele dia de 31 de Janeiro de 1974.
    Correcção/adição à última linha do meu texto:
    Autoria: Fernando Moreira, Ex-Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria – Guiné-Bissau (Piche: Maio de 1973 a Junho 1974; Bissau, CHERET: Junho a Setembro de 1974).
    Serei fiel seguidor deste blogue. Parabéns a todos e um grande abraço.
    Fernando Moreira

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  3. Felicitações ao Camarada Fernando Moreira, pelo modo como relata e documenta um acontecimento da Guerra.
    Um depoimento a destacar e a louvar, em contraponto com "as coisas soltas" e menos esclarecedoras que nos vão aparecendo na Blogosfera.

    Um grande abraço, do
    Santos Oliveira

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