segunda-feira, 29 de novembro de 2021

VOO 3604 - BEM FORA DO SEU AMBIENTE...


 


Giselda Pessoa

ENF./PARA

Lisboa



NO FIM DO MUNDO


Na preparação de uma conversa sobre as enfermeiras paraquedistas em que fui convidada a participar, lembrei-me de imediato de um episódio que vivi na Guiné, que ficou inesquecível na minha memória.

A camaradagem e a solidariedade sempre orientaram a minha vida e, sendo algo característico da vida militar, parecem ter tido ainda mais relevo no território da Guiné. Se é habitual haver um grande companheirismo entre os paraquedistas, tive a oportunidade de ver exemplos desse companheirismo junto de outros grupos na Força Aérea, fossem pilotos ou mecânicos da BA12. 





Também nas minhas deambulações pela Guiné (em 26 meses de comissão(*) tive a possibilidade de chegar aos sítios mais invulgares, em que afinal muitos tiveram que viver) pude testemunhar as manifestações de camaradagem e solidariedade que sempre mostraram ter para com os tripulantes dos DO-27 e AL-III que por ali passavam e particularmente para com a enfermeira que os acompanhava.

Este episódio que acima referi, sendo algo que me tocou profundamente, narro-o aqui




No decorrer de uma evacuação que tinha como objectivo um aquartelamento no nordeste da Guiné, o helicóptero aterrou na placa, onde embarcou o evacuado. No decorrer dessa operação, aproximou-se do AL-III um Furriel daquela unidade, o qual se me dirigiu com um pedido fora do vulgar. 


Explicou-me que com ele estava naquele quartel a sua mulher, sendo ela a única branca que ali vivia; e que, não vendo nenhuma branca há já muitos meses, certamente apreciaria falar comigo por uns momentos. Avisei-o do facto de transportarmos um ferido e do pouco combustível de que dispúnhamos não permitir prolongar a nossa estadia ali. Mesmo assim, ele montou a sua motoreta e foi buscar a mulher, para a levar junto de nós.




A espera prolongou-se por mais tempo do que aquele de que dispúnhamos, o que levou o piloto a decidir-se por descolar, com grande pena minha. Já no ar, tive a possibilidade de ver aproximar-se da placa a motoreta com o Furriel, trazendo a mulher à boleia. Ali chegados, apenas teve ela tempo para nos acenar enquanto o AL-III rodava em direcção a Bissau. 

 

Senti naquele momento um desgosto enorme por não ter podido proporcionar àquela mulher um momento de carinho e de solidariedade, de que ela tanto necessitaria; e imagino a sua frustação quando não lhe foi possível partilhar de uns momentos de proximidade com alguém que lhe recordaria outras companhias e outros ambientes deixados há muito para trás.

                                                         

Giselda Pessoa


 (*) As comissões das enfermeiras paraquedistas variavam entre seis meses e um ano, o que provocava uma constante rotação do nosso pessoal. Vá-se lá saber

sábado, 27 de novembro de 2021

VOO 3603 – A famosa equipa de Basquetebol dos Especialistas da B.A.12

 



Alfredo Santos

EABT

Lisboa

 

 

Boa tarde companheiros

 

Por sugestão do nosso Amigo Mário Aguiar, aqui publico uma “reportagem fotográfica” de um dos momentos bons que vivemos na Guiné.

 












 

É sobre a famosa equipa de Basquetebol dos Especialistas da B.A.12, que espalhou a sua magia em 1972/1973 e as não menos famosas:  a sua grande falange de apoio e a sua celebre equipa de Comunicação Social.

 

Saudações de um Zé Especialista

 

Alfredo Santos - “Velho” - EABT

 



quinta-feira, 25 de novembro de 2021

VOO 3602 – É UMA INJUSTIÇA!...


 

Miguel Pessoa

Cor.Pil.Av.

Lisboa






É UMA INJUSTIÇA!...




 

Talvez se recordem de haver, há muitos anos atrás, uma série de desenhos animados com o Calimero, um patinho preto que usava uma casca de ovo à laia de chapéu, e que passava o tempo a lastimar-se de tudo o que lhe acontecia: “É uma injustiça! É uma injustiça!”.

Foi um pouco assim com uma decisão das chefias que me fez sentir que não tinha sido tratado em plano de igualdade com outros meus camaradas.

Mas vamos começar pelo princípio: Iniciei a minha comissão na Guiné em Novembro de 1972 e, apenas quatro meses depois de lá ter chegado, fui recambiado para Lisboa para recuperar das mazelas sofridas na ejecção de um avião Fiat G-91 atingido por um míssil.

Naquele tempo a medicina aeronáutica ainda estava um pouco incipiente e o Hospital da Força Aérea ainda não existia. Assim, a minha recuperação passou pelo Serviço de Ortopedia do Hospital Militar (do Exército), que tratou razoavelmente da recuperação da minha perna partida. O mesmo não posso dizer de outros dois aspectos importantes que foram descurados: A recuperação da minha coluna, que tinha sofrido uma compressão de vértebras de 2 centímetros (perdi 2 cms de altura, que não recuperei…) e o apoio psicológico para ultrapassar o stress da situação vivida, agravado pela necessidade de me adaptar à ideia de voltar a operar no mesmo teatro de operações.



O "corpo do delito" - O Fiat G-91 5413 abatido em 25 de Março de 1973 na zona do Guileje
(Desenho do Paulo Moreno, créditos reservados)


O facto é que esses dois aspectos acabaram por ficar à minha conta no meu regresso á Guiné quatro meses depois – e se no primeiro caso pouco pude fazer para além de ver a coluna a piorar com o tempo, já a readaptação à actividade aérea foi ultrapassada com grande esforço da minha parte, sem nenhum acompanhamento profissional e dependendo unicamente de mim e da possível solidariedade dos outros camaradas.

No ano de 1973 acabei por não gozar férias, para compensar o tempo perdido na minha recuperação; e em 1974 as únicas férias que gozei na comissão acabaram por coincidir com o período revolucionário pós-25 de Abril… Tinha chegado a Lisboa em 22 de Abril de 1974…

Calculam o meu espanto quando, no regresso à Guiné, fui informado de que os meus três camaradas que se tinham igualmente ejectado, tinham “passado” pela Guiné para fazerem o desquite e encerrarem a sua comissão de serviço. Parece que a argumentação terá sido a dificuldade de adaptação dos pilotos à actividade aérea depois dos traumas psicológicos sofridos…

Naturalmente perguntei: “Então e eu?!...”. - “Ah, pois. Parece que consideraram que tu podias continuar, que já tinhas passado a parte difícil…” (Na altura eu já tinha feito cerca de mais 9 meses de comissão, fazendo das tripas coração e readaptando-me como possível às rotinas do dia-a-dia).

A irritação acabou por me passar. A actividade aérea passou a ser mais reduzida na fase final da minha comissão (depois do 25 de Abril), não passei por situações de grande risco e, chegado o termo da minha comissão, em meados de Agosto de 1974, pude regressar à metrópole com a satisfação do dever cumprido… e sem dever nada a ninguém…

Mas ainda hoje penso quais foram os critérios para um tratamento diferente entre pessoas que tinham passado pelo mesmo, e sem me ter sido transmitida uma palavra sequer sobre o assunto…

Miguel Pessoa