Giselda Pessoa
ENF./PARA
Lisboa
FARTOTE DE LEGUMES
Quando deambulava pelos aquartelamentos
espalhados pela Guiné, nas minhas missões, tive oportunidade de verificar as
condições difíceis em que viviam muitos dos nossos militares, nomeadamente no
que dizia respeito à alimentação.
Na verdade, devido às dificuldades de
abastecimento de géneros, mais visíveis nos aquartelamentos mais isolados, a
alimentação falhava com bastante frequência, quer na quantidade quer na
qualidade.
Essa situação era agravada nos locais que
não dispunham de pista ou que, por acção do inimigo, tinham visíveis
dificuldades no reabastecimento por via aérea ou mesmo por via terrestre.
Assim, o "prato do dia" em
muitos sítios era sistematicamente repetido, geralmente com base no arroz ou
massas e enlatados e algum produto produzido localmente, mas muitas vezes com
visível falta de frescos para acompanhar a refeição.
Tive a oportunidade de verificar isso
pessoalmente em diversos locais onde, por força do apoio a operações,
permanecia durante todo o dia, juntamente com as tripulações de alerta às
evacuações.
Lembro-me que, em determinada altura, devido ao sistema de rotação com as
minhas colegas, dia sim dia não "abancava" no aquartelamento de Cufar
onde, sistematicamente, ao almoço nos era servido esparguete com ovo estrelado,
salsichas e mortadela (das enlatadas). Poder-se-ia dizer que não era tão mau
como isso, mas não se pode considerar adequada uma alimentação que, por ser
repetitiva, se tornava enjoativa, acrescida da falta de frescos para equilibrar
a ementa.
Outra situação particular vivi-a num
aquartelamento no norte da Guiné que apenas dispunha de um heliporto
improvisado; após a nossa aterragem, logo pela manhã, muito amavelmente
perguntaram-nos se queriamos beber alguma coisa. Para evitar penalizá-los
pedi-lhes um simples copo de água. Disseram-me que água não tinham no momento,
que tinham que a ir buscar longe. Só se fosse whisky ou Martini...
Pelo contrário, outro local em que muitas
vezes permanecíamos, no sul, dispunha de bastante água, não costumando ali
faltar os frescos. No decorrer de uma operação em que ali parámos um par de
horas, numa visita às hortas que ali havia tive a oportunidade de gabar ao seu
responsável a qualidade dos legumes ali produzidos.
No momento em que nos preparávamos para
descolar tive a surpresa de ver o tal responsável pelas hortas dirigir-se-me,
trazendo-me simpaticamente dois sacos volumosos, um com alfaces, outro com
couves. Embora com os meus protestos, pois eles precisariam mais daqueles
frescos do que eu, acabei por embarcar o material que tão generosamente nos
tinha sido oferecido.
O nosso destino era Guileje, onde tive
igualmente a oportunidade de passar bastantes dias de alerta. Pela experiência
anterior, sabia das limitações de Guileje no que dizia respeito à água e aos
frescos, pelo que, lá chegados, foi com satisfação que ofereci os sacos com os
legumes que tinha trazido comigo. E o facto é que de imediato alguém tratou de
dar destino àquele "petisco" caído do céu. E ao almoço, que
partilharam com a tripulação, foi possível distribuir, por um dia, um
"rancho melhorado" a quem, devido às carências existentes, há já uns
tempos que não metia o dente nuns legumes tão frescos e tão apetitosos.
Giselda
Pessoa
Nota: A foto 1 foi cedida pelo Gil
Moutinho, na foto (os nossos agradecimentos). As fotos 2, 3 e 4 aqui
reproduzidas destinam-se essencialmente a enquadrar o texto, não estando
directamente relacionadas com os eventos descritos. Reproduzidas de
"Luís Graça & Camaradas da Guiné", com a devida
vénia.