Joaquim Mexia Alves
Alf.Op.Especiais (Exército) Guiné
Monte Real - Leiria
Alf.Op.Especiais (Exército) Guiné
Monte Real - Leiria
Caros camarigos
Tenho lido com atenção todos os textos sobre a “Retirada do Guilege” e sobretudo este último do José Dinis, levou-me a pensar na dificuldade de analisarmos “friamente” o facto em discussão.
Com efeito a “Retirada do Guilege” tem um rosto, e esse rosto tem um nome que é o Coutinho e Lima.
Mas esse rosto é de todos nós conhecido, e está presente na nossa mente, nas nossas vidas quando pensamos no assunto.
Almoçámos com ele, falámos com ele, confraternizámos com ele, e sendo uma pessoa sem dúvida simpática e afável, sabendo nós que tem a sua família que preza como nós a nossa, é-nos muito difícil analisar uma decisão que tomou sem pesarmos nas nossas consciências o mal ou o bem que podemos fazer a essa pessoa que conhecemos.
Por isso mesmo, embora reconheça como muito difícil a tarefa, para analisarmos verdadeiramente a “Retirada do Guilege”, segundo a minha perspectiva, temos de nos “afastar” desse “rosto” e analisarmos os factos, as suas consequências e a decisão tomada.
O exercício que vou tentar fazer é com certeza, muito incompleto, provavelmente errado, talvez não totalmente isento, (mas quem o é verdadeiramente), mas decidi fazê-lo, mais como pensamento para mim, mas que coloco à disposição de todos.
Em primeiro lugar parece-me que não podemos analisar uma situação destas de guerra, com o pensamento nas vidas humanas que se poupam ou se perdem.
Quer queiramos quer não, na guerra perdem-se vidas humanas e por isso mesmo a guerra deveria ser inadmissível entre seres que se dizem inteligentes, e aquela que travámos toda a gente o sabe, foi em certa medida uma guerra inútil e em muitas facetas injusta.
Porque se nos servimos das vidas humanas poupadas, temos desde logo que pôr em causa tantas decisões tomadas ao longo da guerra, mormente a resistência em Guidage ou Gadamael.
Mas aí está, tendo como finalidade da guerra a vitória sobre o “inimigo”, a verdade é que em Guidage e Gadamael ganhámos e em Guilege perdemos, mesmo tendo em conta a hipótese avançada pelo Mário Fitas da retirada estratégica, porque pelo que percebemos ela nunca esteve no horizonte da decisão tomada.
Ao falarmos em Guidage e Gadamael, temos de nos perguntar quais eram as suas guarnições em termos de unidades militares quando começaram essas duas batalhas específicas e quanto tempo demoraram a chegar os reforços, ou seja, quanto tempo se aguentaram com a “prata da casa”.
É que ao lermos o desenrolar dos acontecimentos em Guilege tudo se resolve muito depressa com a decisão da retirada.
Mas vamos a outros factores, que vou enunciar, tentando não fazer julgamento dos mesmos.
Logicamente não serão os únicos, mas são os que me ocorrem.
Por aquilo que nos é dado a conhecer, cito o post 3737, «Desde 6 de Maio que os GC do Guileje não efectuavam qualquer saída do quartel (excepção à tentativa de coluna a 18Maio), o que os deixou sem uma segurança avançada e sem saber o que se passava para além do arame farpado.», não mais a tropa voltou a sair para a mata, nem para reconhecimentos rápidos da envolvente do quartel.
Ora uma das primeiras coisas que é ensinada aos comandantes das unidades em quadricula, é a importância de manter patrulhamentos constantes à volta dos quartéis, não só para controlar o inimigo, mas para defender exteriormente a unidade afastando o s possíveis ataques ou “golpes de mão”.
Quando não procedemos como nos é ensinado, acabamos por dar ao inimigo a liberdade territorial que lhe permite aproximar-se do quartel, flagelá-lo e até tentar um possível “golpe de mão”.
Há exemplos na Guiné como sabemos.
Pequenas unidades, como Pel Caç Nat, estacionados em destacamentos, por vezes extremamente isolados, e em zonas de guerra, não deixavam de sair duas a três vezes por semana para garantirem essa segurança, apesar de tudo efémera.
Estas saídas não dependem da vontade dos subordinados, logicamente, mas dos comandantes respectivos, em último lugar do primeiro comandante do aquartelamento.
Outro facto, tal como é relatado.
«"Guilege (sic) pretendia que se bombardeasse todas as matas em redor do aquartelamento. Ao ser-lhe perguntado por que razão não utilizava a artilharia, reportou que procedia desse modo a fim de não referenciar a posição do quartel!"» Post 3752
Para que serve a artilharia se não é utilizada?
Se o quartel está cercado, então a sua posição é perfeitamente conhecida, portanto não tem razão de ser este argumento.
Outra razão haveria, com certeza, mas que não conhecemos.
Sabemos bem como muitos comandantes se “batiam” para terem às vezes apenas e tão só uns morteiros 81 nos seus aquartelamentos, quanto mais obuses 14.
No Xime, cito porque conheço, os ataques eram sempre respondidos com a artilharia e não foi por causa disso que o quartel estava mais ou menos referenciado.
Julgo que a utilização dos obuses 14 poderiam ter sido um forte efeito dissuasor.
Outro ainda:
«A meu ver por falha do QG Bissau que até essa data, e ao contrário do que se passava em Guidaje, não autorizava a FAP a ir ao estrangeiro, e igualmente por falha do Guileje, que já não era capaz de indicar de onde tinham partido os ataques, limitando-se a afirmar “bombardeiem todas as matas à volta do quartel”.» Post 3737
Não há dúvidas que existe uma falha do QG em Bissau, porque com certeza um bombardeamento da artilharia do PAIGC estacionada além fronteira aliviaria em muito a situação do Guilege.
No entanto e também a resposta dada, (que não pode ser assacada a quem a transmitiu, mas a quem a ordenou), aos pilotos dos aviões por parte do Guilege revela um desconhecimento da situação e uma certa desorientação.
Sem referências específicas, os pilotos limitaram-se a largar bombas na mata.
De qualquer modo e como nos refere o piloto, «Tendo sido lançadas 16 bombas deste tipo nas matas entre o Guileje e a fronteira, a haver tropa do PAIGC nessa área, os efeitos teriam sido devastadores.» Post 3752, os homens do PAIGC teriam de ter sofrido fortes baixas e portanto saído das imediações do quartel.
Isto leva-nos a tentar perceber como é possível com um quartel cercado, pronto a ser invadido, executar uma retirada de cerca de 600 pessoas sem haver sequer um tiro ou qualquer outro problema, até com fotografias tiradas durante a retirada.
E aqui podemos pensar que o PAIGC não o quis fazer para não provocar um “banho de sangue”.
Mas então não tem sentido não terem entrado de imediato no quartel que já sabiam vazio!
O subterfúgio do gerador ligado, só tem sentido se o inimigo estivesse longe e então não estaria a cercar o quartel.
Mas também não se percebe como é que o PAIGC iria perder a oportunidade de desbaratar uma unidade inteira que retirava com população, pelo que a sua resposta a uma emboscada seria sempre muito discutível e algo desorganizada.
Ao PAIGC, envolvido numa frente de propaganda estrangeira da qual retirava grossos dividendos políticos, seria “ouro sobre azul” mostrar uma unidade ocupada e a maior parte dos seus ocupantes, Forças Armadas Portuguesas, presos ou abatidos.
Como se compreende que, segundo relatam, o PAIGC, que cercava o quartel e portanto teria de ter conhecimento do que se passava, continuar a bombardear o quartel e só o ocupar passados três dias?
Eu pessoalmente não vejo em nenhuma das descrições feitas algo que sustente que o quartel estava irremediavelmente perdido e que portanto devia ser abandonado, mas posso estar redondamente enganado.
Repito o que disse ao princípio, ou seja, que se analisarmos a “Retirada do Guilege” pelas vidas poupadas, temos de chegar à conclusão que a maior parte das decisões tomadas durante a guerra estavam erradas.
A verdade é que a guerra, esta como qualquer outra, estava errada e por isso mesmo se perdiam e perdem vidas humanas, o que nada justifica.
Se para além disso pensarmos nas vidas que estavam no Guilege e nós conhecemos, mais difícil se torna a analisar a questão do ponto de vista militar.
As decisões são tomadas face a muitos outros factores, e para esta concorreram forçosamente outras decisões de outros centros de comando.
Tenho a minha opinião, mas não a expresso agora.
De qualquer modo, repito o que disse no inicio, este exercício que fiz, muito incompleto, provavelmente errado, talvez não totalmente isento, (mas quem o é verdadeiramente), não pretende julgar ninguém, (quem sou eu para o fazer), mas ajudar a pensarmos juntos numa história o mais correcta possível do que se passou no Guilege.
Porque camarigos, mesmo que se chegue à conclusão que em termos militares a retirada foi um erro, há sempre um factor de peso para a considerar uma coisa boa, que são, agora sim, as vidas poupadas.
Ao Coutinho Lima e aos homens que com ele viveram este drama da guerra da Guiné, a minha homenagem e a minha camaradagem .
E a todos o meu forte e sempre abraço camarigo.
Joaquim Mexia Alves´
Tenho lido com atenção todos os textos sobre a “Retirada do Guilege” e sobretudo este último do José Dinis, levou-me a pensar na dificuldade de analisarmos “friamente” o facto em discussão.
Com efeito a “Retirada do Guilege” tem um rosto, e esse rosto tem um nome que é o Coutinho e Lima.
Mas esse rosto é de todos nós conhecido, e está presente na nossa mente, nas nossas vidas quando pensamos no assunto.
Almoçámos com ele, falámos com ele, confraternizámos com ele, e sendo uma pessoa sem dúvida simpática e afável, sabendo nós que tem a sua família que preza como nós a nossa, é-nos muito difícil analisar uma decisão que tomou sem pesarmos nas nossas consciências o mal ou o bem que podemos fazer a essa pessoa que conhecemos.
Por isso mesmo, embora reconheça como muito difícil a tarefa, para analisarmos verdadeiramente a “Retirada do Guilege”, segundo a minha perspectiva, temos de nos “afastar” desse “rosto” e analisarmos os factos, as suas consequências e a decisão tomada.
O exercício que vou tentar fazer é com certeza, muito incompleto, provavelmente errado, talvez não totalmente isento, (mas quem o é verdadeiramente), mas decidi fazê-lo, mais como pensamento para mim, mas que coloco à disposição de todos.
Em primeiro lugar parece-me que não podemos analisar uma situação destas de guerra, com o pensamento nas vidas humanas que se poupam ou se perdem.
Quer queiramos quer não, na guerra perdem-se vidas humanas e por isso mesmo a guerra deveria ser inadmissível entre seres que se dizem inteligentes, e aquela que travámos toda a gente o sabe, foi em certa medida uma guerra inútil e em muitas facetas injusta.
Porque se nos servimos das vidas humanas poupadas, temos desde logo que pôr em causa tantas decisões tomadas ao longo da guerra, mormente a resistência em Guidage ou Gadamael.
Mas aí está, tendo como finalidade da guerra a vitória sobre o “inimigo”, a verdade é que em Guidage e Gadamael ganhámos e em Guilege perdemos, mesmo tendo em conta a hipótese avançada pelo Mário Fitas da retirada estratégica, porque pelo que percebemos ela nunca esteve no horizonte da decisão tomada.
Ao falarmos em Guidage e Gadamael, temos de nos perguntar quais eram as suas guarnições em termos de unidades militares quando começaram essas duas batalhas específicas e quanto tempo demoraram a chegar os reforços, ou seja, quanto tempo se aguentaram com a “prata da casa”.
É que ao lermos o desenrolar dos acontecimentos em Guilege tudo se resolve muito depressa com a decisão da retirada.
Mas vamos a outros factores, que vou enunciar, tentando não fazer julgamento dos mesmos.
Logicamente não serão os únicos, mas são os que me ocorrem.
Por aquilo que nos é dado a conhecer, cito o post 3737, «Desde 6 de Maio que os GC do Guileje não efectuavam qualquer saída do quartel (excepção à tentativa de coluna a 18Maio), o que os deixou sem uma segurança avançada e sem saber o que se passava para além do arame farpado.», não mais a tropa voltou a sair para a mata, nem para reconhecimentos rápidos da envolvente do quartel.
Ora uma das primeiras coisas que é ensinada aos comandantes das unidades em quadricula, é a importância de manter patrulhamentos constantes à volta dos quartéis, não só para controlar o inimigo, mas para defender exteriormente a unidade afastando o s possíveis ataques ou “golpes de mão”.
Quando não procedemos como nos é ensinado, acabamos por dar ao inimigo a liberdade territorial que lhe permite aproximar-se do quartel, flagelá-lo e até tentar um possível “golpe de mão”.
Há exemplos na Guiné como sabemos.
Pequenas unidades, como Pel Caç Nat, estacionados em destacamentos, por vezes extremamente isolados, e em zonas de guerra, não deixavam de sair duas a três vezes por semana para garantirem essa segurança, apesar de tudo efémera.
Estas saídas não dependem da vontade dos subordinados, logicamente, mas dos comandantes respectivos, em último lugar do primeiro comandante do aquartelamento.
Outro facto, tal como é relatado.
«"Guilege (sic) pretendia que se bombardeasse todas as matas em redor do aquartelamento. Ao ser-lhe perguntado por que razão não utilizava a artilharia, reportou que procedia desse modo a fim de não referenciar a posição do quartel!"» Post 3752
Para que serve a artilharia se não é utilizada?
Se o quartel está cercado, então a sua posição é perfeitamente conhecida, portanto não tem razão de ser este argumento.
Outra razão haveria, com certeza, mas que não conhecemos.
Sabemos bem como muitos comandantes se “batiam” para terem às vezes apenas e tão só uns morteiros 81 nos seus aquartelamentos, quanto mais obuses 14.
No Xime, cito porque conheço, os ataques eram sempre respondidos com a artilharia e não foi por causa disso que o quartel estava mais ou menos referenciado.
Julgo que a utilização dos obuses 14 poderiam ter sido um forte efeito dissuasor.
Outro ainda:
«A meu ver por falha do QG Bissau que até essa data, e ao contrário do que se passava em Guidaje, não autorizava a FAP a ir ao estrangeiro, e igualmente por falha do Guileje, que já não era capaz de indicar de onde tinham partido os ataques, limitando-se a afirmar “bombardeiem todas as matas à volta do quartel”.» Post 3737
Não há dúvidas que existe uma falha do QG em Bissau, porque com certeza um bombardeamento da artilharia do PAIGC estacionada além fronteira aliviaria em muito a situação do Guilege.
No entanto e também a resposta dada, (que não pode ser assacada a quem a transmitiu, mas a quem a ordenou), aos pilotos dos aviões por parte do Guilege revela um desconhecimento da situação e uma certa desorientação.
Sem referências específicas, os pilotos limitaram-se a largar bombas na mata.
De qualquer modo e como nos refere o piloto, «Tendo sido lançadas 16 bombas deste tipo nas matas entre o Guileje e a fronteira, a haver tropa do PAIGC nessa área, os efeitos teriam sido devastadores.» Post 3752, os homens do PAIGC teriam de ter sofrido fortes baixas e portanto saído das imediações do quartel.
Isto leva-nos a tentar perceber como é possível com um quartel cercado, pronto a ser invadido, executar uma retirada de cerca de 600 pessoas sem haver sequer um tiro ou qualquer outro problema, até com fotografias tiradas durante a retirada.
E aqui podemos pensar que o PAIGC não o quis fazer para não provocar um “banho de sangue”.
Mas então não tem sentido não terem entrado de imediato no quartel que já sabiam vazio!
O subterfúgio do gerador ligado, só tem sentido se o inimigo estivesse longe e então não estaria a cercar o quartel.
Mas também não se percebe como é que o PAIGC iria perder a oportunidade de desbaratar uma unidade inteira que retirava com população, pelo que a sua resposta a uma emboscada seria sempre muito discutível e algo desorganizada.
Ao PAIGC, envolvido numa frente de propaganda estrangeira da qual retirava grossos dividendos políticos, seria “ouro sobre azul” mostrar uma unidade ocupada e a maior parte dos seus ocupantes, Forças Armadas Portuguesas, presos ou abatidos.
Como se compreende que, segundo relatam, o PAIGC, que cercava o quartel e portanto teria de ter conhecimento do que se passava, continuar a bombardear o quartel e só o ocupar passados três dias?
Eu pessoalmente não vejo em nenhuma das descrições feitas algo que sustente que o quartel estava irremediavelmente perdido e que portanto devia ser abandonado, mas posso estar redondamente enganado.
Repito o que disse ao princípio, ou seja, que se analisarmos a “Retirada do Guilege” pelas vidas poupadas, temos de chegar à conclusão que a maior parte das decisões tomadas durante a guerra estavam erradas.
A verdade é que a guerra, esta como qualquer outra, estava errada e por isso mesmo se perdiam e perdem vidas humanas, o que nada justifica.
Se para além disso pensarmos nas vidas que estavam no Guilege e nós conhecemos, mais difícil se torna a analisar a questão do ponto de vista militar.
As decisões são tomadas face a muitos outros factores, e para esta concorreram forçosamente outras decisões de outros centros de comando.
Tenho a minha opinião, mas não a expresso agora.
De qualquer modo, repito o que disse no inicio, este exercício que fiz, muito incompleto, provavelmente errado, talvez não totalmente isento, (mas quem o é verdadeiramente), não pretende julgar ninguém, (quem sou eu para o fazer), mas ajudar a pensarmos juntos numa história o mais correcta possível do que se passou no Guilege.
Porque camarigos, mesmo que se chegue à conclusão que em termos militares a retirada foi um erro, há sempre um factor de peso para a considerar uma coisa boa, que são, agora sim, as vidas poupadas.
Ao Coutinho Lima e aos homens que com ele viveram este drama da guerra da Guiné, a minha homenagem e a minha camaradagem .
E a todos o meu forte e sempre abraço camarigo.
Joaquim Mexia Alves´
VB- São estes factos que fazem a história sobre a Guerra na Guiné.
Com discussão sã e frontal,conseguimos transmitir a este pais,a vivência numa Guerra em defesa de um Portugal hoje à deriva.
Bom seria que mais ,Antónios Matos,Alexandrinos Ferreiras,Mexias Alves,homens que viveram no terreno aquilo que muitos, ainda hoje tentam ocultar,manifestassem também a sua opinião.Este espaço está aberto.
Este espaço não é meu Joaquim,mas sim nosso!
Estamos sempre ansiosos por ler e reviver tudo,e é muito,o que tens para nos descreveres sobre o que viveste naquela terra inesquecível.