António Dâmaso
SargºMôr Paraqª.(Refº)
Azeitão
OPERAÇÃO «MAMUTE DOIDO» (1)
Muito se tem dito e escrito acerca desta operação e dos motivos que levaram à mesma, contudo há indivíduos que nunca passaram pelo Cuféu, não têm conhecimento das condições do terreno na altura, no entanto falam como se tivessem por lá passado, para mim, militares que por lá passaram pertencentes à CCAÇ19, Destacamentos de Fuzileiros, Companhias de Comandos, CCP121, CCAV3420 e outros que deixaram lá os corpos dos camaradas, sangue, suor e lágrimas, esses sim, assiste-lhes o direito de se pronunciarem sobre as suas vivências naquele local, desde que não divaguem.
Vieram dois militares que estiveram na emboscada dizer que tinha sido “aqui”, só que eles estavam na retaguarda da coluna, outro andava nas alturas, quem esteve na chamada zona de morte fui eu o “aqui” deles não corresponde com o meu, também disseram que morreram os três primeiros o que também não é verdade porque o 3.º era eu e estou cá, infelizmente morreram o 1.º, 2.º, 5.º e o penúltimo, seguindo as orientações do Blogue de Luís Graça, “não deixes que sejam os outros a contar a tua história”, segue a minha versão dos acontecimentos na primeira pessoa.
Fui contactado pela TVI para lá ir em Fevereiro de 2007, de inicio acedi, tratei de passaporte e vacinas, só num dia levei quatro, mas por motivos de saúde declinei, acabando por ter ido o camarada Victor Tavares que pertencia ao 2.º Grupo que no momento em questão ia nas últimas posições na Coluna. Posteriormente quando foram entregues os restos mortais aos familiares, estava em Castro Verde uma repórter da RTP quando soube por alguém que eu tinha estado no local, tentou-me entrevistar mas quando eu lhe disse que não era capaz de falar no assunto sem me comover, foi compreensiva e não insistiu, ainda hoje tenho muita dificuldade em falar sobre o assunto.
Legenda:Em pleno teatro operacional,junto das tabancas.
Foto:António Damaso(direitos reservados)
Passando aos factos, depois de terminada a Operação Ametista Real, como comandante Interino do3.º grupo de combate da CCP 121, ficamos em Binta à espera de uma coluna de viaturas de reabastecimento a realizar entre Farim e Guidage, a Companhia ir fazer segurança.
As conversas ouvidas em Binta no momento, eram que uma coluna de reabastecimento tinha sido emboscada pelos “turras”, que tinham feito um grande número de mortos, tinham incendiado as viaturas e levado as granadas de morteiro 81 e depois as devolveram pelos ares através dos morteiros 82, para o quartel de Guidage.
Em Binta não vi nenhum obus mas vi uma base de fogos de morteiros 81, já posicionados em várias direcções, sobre os morteiros dizia-se que em determinada altura em que o Aquartelamento foi atacado, quando foram para repelir o ataque, encontraram os tubos com terra no fundo, impedindo que as granadas percutissem, era este o “jornal de caserna”.
Em Moçambique em 1970, na operação “Nó Górdio”, em que por causa das minas, para se realizar uma coluna de viaturas era necessário a Engenharia abrir picada nova (estrada), fiquei pasmado como é que os chefes militares descoraram esse pormenor e até fiz um comentário em relação a isso a um tenente, que hoje é general que também lá estava nessa operação.
Agora passo a descrever a minha vivencia nessa operação, que vale o que vale por se tratar da minha verdade:
No dia 22MAI73, tivemos um Briefing na sala de operações da Companhia do Exército sediada em Binta, onde foram apresentados e discutidos os tópicos relacionados com a citada operação.
Foi-nos dito que no dia 23MAI73, a minha Companhia CCP 121 ia fazer guarda avançada de flanco esquerdo, em protecção à coluna de viaturas de reabastecimento ao Aquartelamento de Guidage, junto à fronteira Norte.
Depois de analisar a carta topográfica em questão, no quadro da sala de Operações da citada Companhia, vendo que a zona era bastante aberta, (com pouca mata) alertei o meu comandante de companhia para a utilidade de se levarem mais granadas de morteiro de 60 mm, no que ele concordou e pedimos dois cunhetes destas granadas ao comando de Binta, granadas essas que foram distribuídas pelos meus homens, atadas no equipamento com cordel, em virtude de calhar ao meu Grupo de Combate ir à frente na zona mais perigosa.
Seguidamente transmiti aos meus homens, o tipo da missão, a perigosidade da mesma, a nossa posição no local crítico que era na frente da coluna, quanto à posição, testa da coluna na zona crítica, não me recordo se os critérios tiveram a ver com escala, rotação ou escolha.
Saímos de Binta no dia 23 pelas 6 horas da manhã, seguimos até ao cruzamento com a picada que vinha de Farim, tomamos posições defensivas e aguardamos pela coluna de viaturas que vinha de Farim, o que aconteceu cerca das 8 horas.
Iniciou-se a coluna tinha progredido pouco, a progressão era lenta, porque os picadores tinham de ir picando o terreno, para detecção de minas anti-carro e outras, como ia com atenção ao terreno, comecei a ver cepos de onde tinham sido cortadas árvores centenárias, talvez até milenares, apercebi-me que as viaturas se iam desviando para a direita para fugirem ao campo minado.
Legenda: Aqui em missão de combate.
Foto:António Damaso(direitos reservados)
Quando atingimos a zona de Genicó, começámos a ouvir rebentamentos à nossa direita para os lados da picada, através do rádio ouvi que tinham deflagrado uma mina anti-carro e várias anti-pessoal que causaram várias baixas nos picadores, face a este incidente, houve um compasso de espera e passado muito tempo, o comandante do COP 3, Major Correia de Campos resolveu dar ordem para a coluna voltar para trás.
Ficámos um pouco parados em posição defensiva, até que o comandante de companhia recebeu ordem do PCA (Posto de Comando Aéreo) para continuarmos rumo a Guidage sem a coluna, no momento pensei que não fazia sentido continuarmos sem a coluna, mas ordens eram ordens e na tropa eram para serem cumpridas.
Continuamos a progressão sempre à esquerda da picada, mais ou menos a meio caminho entre Genicó e Cuféu, fizemos uma paragem para comer uma “bucha”, a mata era aberta e cheia de clareiras sentíamos o efeito do calor abrasador, traduzindo-se em suor e muita sede.
Continuámos a progressão cada vez mais sedentos, entre 500 e os 1000m do Cuféu, obliquamos para atravessar a picada para a direita e de seguida o meu pelotão passou para a frente como estava estipulado, calhando ser a 1.ªa secção a ir à frente, descemos uma encosta e já em terreno plano, obliquámos para a esquerda, na leitura de sinais, observamos algum silêncio anormal, pelo que foi dado sinal para se manterem atentos, a nossa progressão era como que em zig-zag.
O apontador de reserva do morteiro que passou a efectivo, tratava-se do Vitoriano, um pára de alcunha Lisboa e que quando o meu pelotão passou para frente, por ordem minha passou para a quinta posição na coluna, porque a meu entender, dadas as características do terreno e vegetação, por ser uma arma importante de defesa em caso de emboscada, o que se veio a verificar.
Era usual nas progressões a corta mato, que era o caso, ir um municiador à frente para abrir picada, se necessário, eu até cheguei a ir à frente para não serem sempre os mesmos, mas naquele dia, tendo em conta a mata ser aberta, com muitas clareiras, quem foi para primeiro lugar foi o apontador de metralhadora, da secção que calhava ir à frente, indo o municiador em segundo lugar e eu em terceiro. Não me lembro quem ia em quarto mas sei que em quinto ia o apontador do morteiro, por eu lhe ter dado ordem para ir nessa posição, recordo ainda que momentos antes da Emboscada, ter olhado para trás e ver que o comandante da companhia seguia nos primeiros dez.
Acrescento que o Comandante da Companhia, conhecia bem os homens do 3.º pelotão, por quando em actuação de bigrupo que ele sempre acompanhou, ia muitas vezes neste pelotão, mesmo a nível de actuação de Companhia, quase sempre o vi no neste Pelotão, isto talvez se explique por ter na companhia um tenente do Quadro que ocuparia a posição da retaguarda, assegurando ele a posição da frente.
O Comandante de Companhia já tinha em 68/70, feito uma comissão de Serviço na Guiné como Comandante de Pelotão., eu estava na 3.ª comissão na Guiné, 2.ª em companhia de combate, tinha passado por Moçambique na Operação “Nó Górdio”e tinha em 1964 feito uma operação em Angola, portanto em termos de experiencia acho que tínhamos mais que os outros graduados com funções de comando, sem dizer-mos nada um ao outro, sem qualquer acordo optámos por ocupar aquelas posições na coluna como que a dizer aos homens, nós estamos aqui!
Provavelmente se eu tivesse lá o meu camarada Primeiro-sargento Comandante da secção, talvez eu tivesse ocupado uma posição mais à retaguarda, mas como o Cabo que ia a comandar a secção tinha sido ferido no Navio Patrulha e evacuado, resolvi estar em 3.º,quanto ao Comandante da C.ª deve ter pensado o mesmo que eu e ir para os primeiros dez da coluna.
Eu ia com algum à-vontade, pensando que por ir a corta-mato me pudesse trazer alguma vantagem, contudo desconhecia em parte aquele terreno por ser a primeira vez que lá entrava, também desconhecia que a partir do momento que as viaturas voltaram para trás, os guerrilheiros do PAIGC passaram a vigiar toda a nossa progressão, por ironia do destino andamos às voltas e fomos ter mesmo ao local onde eles estavam treinados a fazer emboscadas, como tive oportunidade de verificar mais tarde.
Saudações Aeronáuticas
A. Dâmaso
VB:Bom-Dia Dâmaso. São efectivamente estes os casos reais da guerra colonial contados por quem os viveu e sofreu. Muitas vezes, e é constatável em alguns escritos em diversos Blogs, aparecem muitos "historiadores"de factos que ouviram falar e os enunciam como se os tivessem vivido, vindo a originar controvérsias que, algumas vezes, se tornam num vocabulário um pouco agreste. Sei que tens muitos acontecimentos reais, em que participaste, para nos contar, vamos ficar à espera do próximo para que este nosso humilde espaço continue a ser valorizado com estas passagens contadas na primeira pessoa. Um abraço para ti.