quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Voo 2024 TRÊS HOMENS QUE MARCARAM A MINHA VIDA AERONÁUTICA.




Fernando Moutinho
Cap.Pil
Alhandra



2ª Sarg Tércio, Cap. Moura Pinto e Gen. Almeida Viana

Nesta tentativa de passar a escrito algumas das recordações da minha carreira na Força Aérea Portuguesa, sinto, para além do dever de expressar a minha gratidão, a enorme satisfação com que convivi com três Homens, aviadores, que marcaram profundamente a minha maneira de ser e como conviver com o mundo.
Pode parecer exagero mas deixaram-me marcas profundas e uma séria e incondicional amizade.
Infelizmente, já deixaram este mundo.
Claro que convivi com excelentes pessoas que muito me honraram mas, estas três foram excepções marcantes.
Não sou só eu a considerá-los Homens de primeira água, muitos outros os
consideraram.
Será de admirar que o Primeiro deste Trio e, por ordem cronológica, seja o meu instrutor no Tiger Moth, nos primeiros passos para piloto?
Afável, mesmo brincalhão mas disciplinado e disciplinador. Houve particularidades que me moldaram profundamente.
A minha sentida e respeitável vénia para:

Na altura, , 2º Sargento Piloto Tércio Freire


Cap. Moura Pinto – grande Homem

Tive uma relação muito próxima com o Capitão Moura Pinto.
Começou quando ele foi Comandante da Esquadrilha C da Esquadra 21, seguindo-se no comando da mesma Esquadra. Fui seu asa na Esquadrilha Acrobáticas “Os Dragões”, com continuação para Esquadra 50/51 na Ota e Monte Real.

Fui, aquilo que popularmente se denomina – “o seu braço direito”. Trabalhávamos totalmente em sintonia. Não estou a referir-me aos voos, independentemente de ter

pertencido aos Dagões, refiro-me a trabalhos do dia-a-dia. O Capitão Moura Pinto tendo
sido nomeado Oficial de Segurança de Voo da Base (na Ota), precisou de colaboradores para a feitura duma Revista de Segurança de Voo da B.A. 2. Para o efeito, convidou o Fur. Pil Carvalheira para "os bonecos" e precisando de alguém que soubesse escrevinhar à máquina e tratasse da edição, acabei por ser o seu colaborador. Nunca me arrependi, antes pelo contrário, tive e tenho orgulho em o ter servido. Foi um longo (alguns anos) e frutuoso período de relações que muito me honraram e engrandeceram. Desfrutei de algumas aventuras na sua companhia. Aprendi muito com o seu exemplo.
Apreciava a sua lealdade e o rigor que colocava em tudo que fazia. Foi na convivência com o Cap. Moura Pinto que eu me tornei, também, muito rigoroso nas minhas
actividades aeronáuticas. Tornei-me, posso dizê-lo com orgulho, eficiente. A ele o devo.
Foi um grande Homem que recordo com saudade e perene respeito.
Curvo-me em sua Honra.

General Anacoreta Almeida Viana

Foi como aluno piloto que conheci, pela primeira vez, o Ten. Almeida Viana. Não era instrutor dos pilotos mas, dava aulas de Tecnologia, aos alunos mecânicos.
Mais tarde, voltei a encontrá-lo na qualidade de Director da Aeronáutica Civil, ao tirar o Certificado de Piloto Comercial.
Quando fui colocado em Angola (Out 1966) o Comandante da 2ª Região Aérea era, precisamente, o Gen. Almeida Viana.
A sua especialidade principal era Engenheiro Aeronáutico mas, também, piloto. Devido aos variados cargos como Engenheiro, a última função, como piloto, nunca a desempenhou em permanência.
Contudo, gostava de se sentar aos comandos mas, atendendo à idade e falta de experiência, pilotava mas sempre acompanhado.
Na altura, na Base, só havia um único piloto a voar C-45 Beechcraft, sendo necessário qualificar mais algum. Fomos nomeados dois pilotos para esse fim. Fizemos os voos de Adaptação considerados necessários e largados.
Logo depois comecei a ser nomeado para acompanhar o General. Ele fez-me uma “dissertação” em que reiterava a sua qualidade de piloto mas, inexperiente e já “velho” como dizia, mas exigia que em caso de necessidade eu é que era o responsável. Tinha de o corrigir quando necessário.
Assim, pouco depois, num voo de regresso de Cabinda, ao aterrar em Luanda, bate com o trem no chão e vamos para o ar numa posição um tanto ou quanto anormal. Reagi de imediato, tomei os comandos, reponho o avião a voar junto ao solo e, entrego-lhe o avião. Aterrou de seguida e bem. No vestiário volta-se para mim e diz: Acerca da aterragem, fez muito bem, é para isso que quero um piloto experiente. Não sabia mas tinha acabado de passar num teste.
Foi por causa desta aterragem que ficou definitivamente a voar comigo. Quando precisava de sair, telefonava-me para saber da minha disponibilidade pois não queria estragar as outras minhas missões. Quando eu estava ausente chegava a aguardar a minha chegada para efectuar as suas saídas.
Entretanto, ainda em 1967, o General é nomeado Comandante-Chefe.
Inicialmente, os voos eram efectuados com o General, eu, o mecânico e o Ajudante de Campo mas, ao fim de pouco tempo, dispensou o Aj. de Campo. Na prática fiquei eu a substituí-lo. Para enfatizar disse-me: a partir de agora andará sempre comigo, vai para onde eu for.
Nesta fase, ainda não me tinha apercebido da profundidade daquele conceito.
Pouco depois, como disse, já na qualidade de Comandante-Chefe foi efectuar uma visita ao Governador da Lunda (na altura Maj. Soares Carneiro, mais tarde General que concorreu a Presidente da Republica), daí termos ido a H. Carvalho. Aterramos eram quase 12 h. O Gen. seguiu nas viaturas da comitiva e, eu fiquei na Base. Almocei e estava a beber o café após o almoço. Toca o telefone – era o “nosso” general, a dizer-me: “então Mestre, estamos à sua espera para almoçar”.
Gaguejei… “mas, acabei de almoçar… e… sim meu general”.
“Já mandei uma viatura para o trazer”.
Tinha acabado de ser posto na “ordem” quase definitivamente.
Ao chegar à residência do Governador, cumprimentando as entidades apresentei as minhas desculpas pelo atraso – tinha estado a aprontar o avião (desculpa).
À mesa (8 pessoas) como se compreenderá, estava com fastio – tinha acabado de almoçar. Aí o “meu” general diz: Ó “Mestre” está mal disposto ou com fastio?
Compreendi que me tinha acrescentado mais uma lição. Não esqueci.

Enchi-me de coragem e virando-me para a anfitriã, pedi desculpas pela minha atitude e, pela minha falha perante as instruções dadas pelo meu chefe. Muito bem. Acharam graça, com especial relevo, para a minha franqueza.
Nunca mais deixei de o acompanhar, até em situações muito delicadas do ponto de vista militar. Não querendo identificar vou dar um exemplo.
Um chefe militar (brigadeiro) recém-chegado a Angola permitiu-se fazer algumas considerações depreciativas dos comandos.
O “general” foi-lhe fazer uma visita surpresa. Conseguimos entrar na Sala do Comando sem sermos detectados. Aí, começou uma “cena”. Sentindo que estava a mais comecei a recuar para a porta para abandonar a Sala. Eu era um simples Capitão e estavam a admoestar um Brigadeiro à minha frente. O General reparou e obrigou-me a ficar…
Normalmente, o General, equipava-se com uma combinação de voo em camuflado mas
sem insígnias e, ao apresentar-se para quem o não conhecia, dizia: “Alf. Velho”.
Um dia fomos ao Camaxilo, perto do Negage. Após pararmos o avião, aparece um jeep com um alferes a apresentar-nos cumprimentos e dar-nos transporte. Claro, o General, apresentou-se como: Alf. Velho. Fomos para o BAR. O alferes ofereceu-se para nos servirem qualquer coisa e… “meu capitão para aqui, alferes para ali”, enquanto se aguardava a chegada do Comandante (Ten. Cor). Quando este chegou apresentando-se com uma valente continência, dizendo: “muito prazer em vê-lo meu General”. O alferes abriu a boca de espanto e… pediu desculpa pela ignorância. Tudo bem. Foi um momento de descontracção.
Seguiram-se muitas e variadas saídas por toda a Angola.
Já contei noutro local uma viagem a “Terras do Fim do Mundo” – Coutada do Mucusso, junto à fronteira da Namíbia.
Como foi no Fim de Ano, a missão principal era confraternizar com o pessoal mais isolado de Angola. Connosco seguia um convidado especial, o Vice-Reitor da Universidade de Lourenço Marques amigo do general.
Jantamos com os soldados e ficamos até cerca das 3 da manhã em amena cavaqueira. O general tinha um jeito especial para lidar com as pessoas. No dia seguinte visitamos Luengue, Vila Nova de Armada, Cuito Canavale e paramos para visitar a guarnição de Gago Coutinho. Aí esperava-nos um almoço especial mas, o General quis, primeiro, fazer uma visita à Unidade. Passamos pelo Refeitório dos soldados, em pleno almoço – uma bela feijoada. Pretendendo dar uma lição de simplicidade, mete conversa com alguns soldados, gaba o almoço e virando-se para o Comandante do Batalhão pergunta se pode partilhar do almoço com o pessoal. A resposta só poderia ser uma. Lá nos sentamos em agradável convívio. Saiu de lá com um elevado capital de simpatia mas, das classes baixas porque, os outros não gostaram.
Houve algumas missões muito especiais e até secretas, como por exemplo, uma Reunião no Palácio do Governador em Serpa Pinto com o Ministro da Defesa da África do Sul, e mais 2 entidades com altos postos para negociações quanto a apoios militares da África do Sul. Estive sempre presente, as conversações foram em inglês (levamos um tradutor – oficial da Armada) mas esforcei-me para não querer saber pormenores.
Também recordo o último voo que fizemos. Já de noite de regresso de Silva Porto para Luanda. Expressou-me a sua nostalgia e o desgosto por ter de regressar a Lisboa.
Tinha caído em desgraça perante a capital. Pouco tempo antes as forças vivas locais prestaram-lhe uma grandiosa homenagem. Isto assustou Lisboa. Tiveram medo duma Declaração de Independência.
Para a sua exoneração serviu de desculpa o ataque ao Caminho de Ferro em Nova Lisboa.
Infelizmente já faleceu.
Tenho imensa honra e ficarei infinitamente grato pela confiança que em mim depositou. – Obrigado General Almeida Viana










Transcrição da Dedicatória:

“Ao Cap. Moutinho, “Mestre” seguro e paciente, oferece com estima, agradecido apreço, o General João A. A. Viana.

8 de Maio de 70.


VB: Olá Fernando.
Que recordação me trazes, o Cor.Pilav. Gualdino Moura Pinto!
É verdade. um GRANDE HOMEM,UM GRANDE COMANDANTE!
Foi meu comandante entre 71/73 na BA 12,que saudades…
Em 29 de Maio de 2009,quando do 32ºEnc.do Pessoal da BA 12,tive a oportunidade de, humildemente, prestar-lhe uma singela homenagem na pessoa do filho, Cor.Comando António Moura Pinto.
Fez o último voo sem lhe darmos saída, como ele estava habituado, mas continua connosco.