Fernando Moreira
Ex-Furril/Mil
Transm./Infantaria
Vila Real
Vitor Manuel Fernandes Castro Gil
Pil.Av
FALECIDO a 05 / Jan. / 1979
Na BA-5 – Monte Real
31 Jan. 1974 - Míssil abate avião;
eu "estava" lá.
No início de 1974, a zona Leste da Guiné, Gabú, e particularmente a área sob o controlo do Batalhão com sede em Piche, começou a sentir o forte assédio do PAIGC que se havia iniciado a Norte (em Guidage) e a Sul (em Guilege). Para poder cortar as rotas de comunicação e pressionar directamente o aquartelamento de Piche, a estratégia do PAIGC passava pela tomada da nossa guarnição de Canquelifá, mais a norte.
No dia 31 de Janeiro, após
aquele destacamento ter sido flagelado com mais de 50 foguetões de 122 mm em
apenas duas horas (houve abrigos que não resistiram e ficaram destruídos), foi
decidida uma acção de apoio aéreo. Da Base de Bissalanca, em Bissau, levantou
uma parelha de aviões Fiat G-91R/4 pilotados pelos Tenente-Coronel Vasquez e
Tenente Gil (na foto).
A missão, designada de "apoio de fogo", tinha como objectivo aliviar a pressão sobre a guarnição e, como tal, impunha-se auxílio logístico às aeronaves. Essa tarefa foi atribuída ao Comando do Batalhão, em Piche. Por volta das quatro da tarde, numa frequência rádio previamente determinada, estabeleceu-se o contacto. O Alferes de Transmissões encarregava-se das comunicações com o avião n.º 1 da parelha, enquanto a mim me cabia o n.º 2 pilotado pelo Tenente Castro Gil.
Fomos fornecendo coordenadas para ataque ao solo e outras informações solicitadas pelos pilotos. Entre elas destacava-se o "feedback" dos nossos colegas em Canquelifá que, por outra via rádio, nos davam conta daquilo que observavam da ofensiva aérea. Tudo indicava que a operação estava a decorrer com sucesso. Subitamente, quando fornecia ao "meu" piloto uma coordenada a norte de Canquelifá, ele deixou de falar e, acto contínuo, ouvi um barulho parecido a uma pequena explosão. E perdi o contacto. A seguir entra no meu rádio o comandante da esquadrilha e diz: "…o n.º 2 está em perda, foi atingido… está a cair… ejectou-se…". Depois ouvi-o comunicar com a base solicitando a mudança de frequência pelo que cessou aí a nossa ligação rádio.
Ten./Cor. Pil.Av. José Fernando de Almeida Brito
Data: 28/03/1973 † morto (Comandante do Grupo Operacional 1201)
Já de noite, soubemos que o avião tinha sido atingido por um míssil terra-ar
SAM-7 (conhecido por Strela), durante a recuperação de um "passe de
bombas", eventualmente feito sem a necessária aceleração, entrando assim
no "envelope do míssil". O piloto ejectou-se (a explosão que ouvi
pela rádio terá ficado a dever-se a essa acção de evasão), conseguindo
dirigir-se para Norte e passando a noite para lá da fronteira com o Senegal. Ao
amanhecer iniciou uma caminhada para sul, a fim de tentar encontrar a estrada
Canquelifá – Piche, contornando as linhas inimigas. Esta decisão, inteligente,
ter-lhe-á valido não ser capturado pelo PAIGC.
Entretanto, estavam já na zona os meios de busca e salvamento: várias aeronaves
(nunca vi tantas!), os Pára-quedistas e o famoso grupo do Marcelino da Mata
transportados em helicópteros. O Ten. Gil avistou os aviões que o procuravam e,
sem hipóteses de os contactar, continuou a caminhar.
Cansado e cheio de sede, resolveu entrar numa "tabanca" onde pediu água. Felizmente para ele foi recebido de um modo amistoso e deram-lhe água e laranjas, o que o levou a oferecer 1000 pesos a quem o levasse a um quartel da zona. À vista de tal quantia, foi o próprio "homem grande" da tabanca que, pegando na sua bicicleta, o transportou ao posto da tropa mais próximo, Dunane, situado na estrada para Piche. Como em Dunane os militares eram todos africanos, o piloto pediu que o levassem até um quartel com militares brancos o que fez o "homem grande" pedalar rijo até Piche.
Em Piche, cerca das 18 horas, uma multidão aguardava o Tenente Castro Gil. Toda a gente o queria ver e cumprimentar. Eu ainda consegui dar-lhe um aperto de mão e identificar-me como o seu ajuda rádio durante a operação e no momento do impacto do míssil. Ele retorquiu: "Eh pá… não houve hipóteses” (de escapar)! Depois de descansar, se alimentar e pagar a dívida ao "homem grande", partiu num "Dakota" que o esperava na nossa pista de aviação. Consta que em Bissalanca outra recepção grandiosa aconteceu.
Cansado e cheio de sede, resolveu entrar numa "tabanca" onde pediu água. Felizmente para ele foi recebido de um modo amistoso e deram-lhe água e laranjas, o que o levou a oferecer 1000 pesos a quem o levasse a um quartel da zona. À vista de tal quantia, foi o próprio "homem grande" da tabanca que, pegando na sua bicicleta, o transportou ao posto da tropa mais próximo, Dunane, situado na estrada para Piche. Como em Dunane os militares eram todos africanos, o piloto pediu que o levassem até um quartel com militares brancos o que fez o "homem grande" pedalar rijo até Piche.
Em Piche, cerca das 18 horas, uma multidão aguardava o Tenente Castro Gil. Toda a gente o queria ver e cumprimentar. Eu ainda consegui dar-lhe um aperto de mão e identificar-me como o seu ajuda rádio durante a operação e no momento do impacto do míssil. Ele retorquiu: "Eh pá… não houve hipóteses” (de escapar)! Depois de descansar, se alimentar e pagar a dívida ao "homem grande", partiu num "Dakota" que o esperava na nossa pista de aviação. Consta que em Bissalanca outra recepção grandiosa aconteceu.
O avião (Fiat G-91 – identificação "5437", na foto) do Tenente Gil foi o último a ser abatido por um míssil terra-ar Strela antes da independência. Durante a guerra colonial, na Guiné, foram abatidos 7 aviões Fiat G-91 de que resultou 1 piloto morto e 6 ejecções com êxito e posterior resgate.
Por ironia do destino, o Tenente Victor Manuel Castro Gil que em 31-1-1974 resistiu, como vimos, a um míssil e a uma ejecção em zona de guerra, veio a falecer em Monte Real, a 5 de Janeiro de 1979, com 28 anos, aos comandos de um T-33 durante a fase de aterragem.
(Referências: José Manuel Pinto Ferreira, em “Luís Graça & Camaradas da Guiné”;
Arnaldo Sousa, em “Especialistas da Base Aérea
12, Guiné”)
Autoria: Fernando Moreira,
Ex-Furriel Miliciano de
Transmissões de Infantaria – Guiné-Bissau (Piche: Maio de 1973 a Junho Autoria: Fernando Moreira,
Comando. Este trabalho escrito do
Fernando Moreira, que reportamos de muito bom trabalho, como são todos os relatados
na primeira pessoa, lemos o mesmo no FB, e de imediato o contactamos a solicitar a
respectiva autorização para publicação no nosso Blog. Depois da respectiva autorização demos saída a este voo.
Só acrescentamos algumas fotos para melhor situar o acontecimento.Voo 761 ABATE DO FIAT G 91 5437
Também eu estive lá Vicente Braz,bem assim como Arnaldo Sousa,adelino Sousa Motinha e Matias Grilo.pessoalmente ainda conservo no corpo uma leve recordaçãodepois de ter caído,aquando da recepção da Ten.Gil.ao qual dediquei os seguintes versos pintados a pressa num lençol.
ResponderEliminarJá temos na linha da frente
Piloto sem ter rival
vá treinando sr.tenente
Para a volta a Portuga
De canquelifá até pitche
Teve pinta de atleta
Ainda o havemos de ver na pista
aterrar de bicicleta.
Estou a dá-la com os olhos marejados de lágrimas. Tenho em meu poder fotos de todos esses acontecimentos, e dois filhos que ele me deixou.
EliminarFoi um evento que me marcou muito e que, felizmente, acabou bem. Mas fiquei chocado quando soube da morte (estúpida) do "meu" querido piloto naquele dia de 31 de Janeiro de 1974.
ResponderEliminarCorrecção/adição à última linha do meu texto:
Autoria: Fernando Moreira, Ex-Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria – Guiné-Bissau (Piche: Maio de 1973 a Junho 1974; Bissau, CHERET: Junho a Setembro de 1974).
Serei fiel seguidor deste blogue. Parabéns a todos e um grande abraço.
Fernando Moreira
Felicitações ao Camarada Fernando Moreira, pelo modo como relata e documenta um acontecimento da Guerra.
ResponderEliminarUm depoimento a destacar e a louvar, em contraponto com "as coisas soltas" e menos esclarecedoras que nos vão aparecendo na Blogosfera.
Um grande abraço, do
Santos Oliveira