Victor Bandarra
Jornalista
Jornalista
O Zé dos Pneus animou-me a existência e espicaçou-me a inspiração.
Zé dos Pneus (1948-2015)
Morreu o meu amigo Zé dos Pneus. Os
amigos, assim de chofre, não conseguiram cumprir-lhe uma das suas últimas
vontades: montar uma roulotte de bifanas e sandes de couratos durante o
velório, à porta da igreja de Linda-a-Velha. Na realidade, o meu amigo Zé dos
Pneus chamava-se... Luís. Nome de baptismo: Luís Henrique. Para amigos e
camaradas de armas era simplesmente o Hica. O seu benfiquismo e admiração pelo
actual Presidente do Glorioso levaram-no a pedir-me para não colocar o Luís
junto aos Pneus. "Para não haver confusões com o outro Luís! Cada um com o
seu pneu..." E ria-se, o pintas de Campolide, apontando para o pneuzinho a
despontar por debaixo da camisa largueirona. E assim ficou "Zé dos
Pneus", dono e animador de loja de venda, calibragem e alinhamento de
pneus, filósofo cheio de gás e malandro a tempo inteiro. Semanas e semanas
seguidas, o Zé dos Pneus animou-me a existência e espicaçou-me a inspiração. Se
não disse muitas das tiradas e máximas que citei, podia ter dito. E saiu-se com
tantas! Umas prosaicas, outras geniais! Era impossível ficar indiferente ao
Hica. E ele fazia por isso. Com ele, ninguém levava a melhor, era o que
faltava! Lembra o Melo, seu amigo de infância, que o Hica era conhecido em
Campolide, em miúdo, por "Vira-Latas", imagina-se porquê. Agora, sem
o Hica, o Melo nunca mais será o mesmo. Nem ele nem muitas dezenas de camaradas
da Força Aérea (e não só) que com ele fizeram a tropa nos tempos quentes da
guerra colonial, no Norte de Moçambique. O Hica era mecânico, psicólogo e animador
cultural, com escola cumprida como vocalista de conjunto musical e em épicas
noitadas no Casino do Estoril. O general José Queiroga, piloto de helicópteros
e seu comandante, conheceu-lhe as manhas, as piadas e as invenções. O que o
general não sofreu! Também ele vai sentir falta das bocas desbragadas do Zé dos
Pneus, o alfacinha que chegou a ser uma espécie de adjunto do malogrado
Professor Karma. Foi Hica o responsável pelo sucesso de Karma, o Mentalista,
certo dia em que o Professor conduziu um carro, de olhos vendados, pelas ruas
de meia Lisboa. Afinal de contas, um truque tão simples! No dia do enterro, os
camaradas cantaram-lhe um fadinho junto à campa e soltaram uns quantos
"gritos de guerra" dos tempos de Moçambique. Alguns choravam, como
quem diz: "E agora? Quem é que nos vai juntar e fazer rir?!" O Hica,
com jeito (também) para a escrita, haverá de gostar que leiam o relato da sua
viagem de Lisboa até Nacala no paquete "Niassa". Chamou-lhe "O
Cagalhão Flutuante". E, seja onde estiver, há-de inchar de orgulho por ter
ido para a terra envergando uma farda de "Cabo-General de 4 Estrelas"
feita pelos amigos.
Sem comentários:
Enviar um comentário