Amilcar Godinho
Alf.Pilav
Lisboa
Alf.Pilav
Lisboa
Amílcar Godinho - O piloto que queria
conhecer países.
Voou sobre guerras, trabalhou em dezenas
de países, nunca se atemorizou com tiros ou com quedas. 10.500 horas de helicópteros.
Um dos seus primeiros helicópteros foi aba- tido pela Frelimo, em Moçambique, e o então alferes- miliciano Amílcar Godinho jurou que guerras nunca mais. Mas certas vidas podem mais do que a vontade de um homem e em 1974 e 75, ao serviço da Diamang – Companhia dos Diaman- tes de Angola, lá andava ele a voar sobre as guerras entre o MPLA e a FNLA na região da Lunda. Em 1976 já estava a montar pipelines e a fazer transportes de risco sobre o Irão, país que passados anos ficou a ferro e fogo até as primeiras eleições organizadas sob a égide do ayatollah Khomeni. Tempos perigosos, esses: mas nunca disse às empresas para que trabalhava que achava as condições de trabalho demasiado arriscadas. Tomava as suas precauções. Por exemplo: na fronteira da Birmânia com a Tailândia em 1990, quando andava a prestar serviço à Texaco e à Total na montagem do pipeline de gás natural que hoje abas- tece Banguecoque, só voava ou muito alto ou muito baixo para não levar com as anti-aéreas de guerrilheiros birmaneses. “Verificou-se de facto, algumas vezes, buracos na fuselagem. Mas nada de artilharia pesada, só coisas de armas ligeiras”, relata hoje com desprendimento, a desvalorizar os incidentes. “Nunca senti qualquer impacto no helicóptero”. Tiros que não se sentem, coração que não sofre — eis uma filosofia de vida.
Aliás, não foi com tiros que passou os piores calafrios em helicópteros. É certo que sair de de um aparelho desfeito sob flagelo de fogo inimigo não é das coisas mais agradáveis da vida, mas a verdade é que nessa hora, em Moçambique, ninguém se feriu. E, em desconforto, não há nada que se compare a acordar de um desmaio e sentir o banco em que se está sentado a arder, a anunciar a explosão: foi o que lhe aconteceu no Irão em Setembro de 1980. Ao fim de 25 minutos de voo, a 1500 pés (cerca de 500 metros) ouviu um estrondo seco, perdeu por completo o controlo lateral do aparelho e começou a cair. “Levei a potência ao máximo para sustentar as pás, com os pedais tentei torcê-lo todo para a esquerda, tentando atenuar a queda”, conta. Mas havia pouco a evitar: foram as pás que primeiro bateram, o que fez o aparelho dar uma volta sobre si mesmo. Depois a memória só regista a cadeira a arder, o esforço desesperado para sair dos destroços, a deflagração tremenda que rebentou nas suas costas e que o atirou para junto do iraniano e do italiano que transportava e que tinham conseguido pôr-se ao fresco mais cedo. Dentro da bola de fogo estava um terceiro passageiro. Não havia nada a fazer.
Amílcar José Godinho nasceu em Agosto de 1948 em Lisboa e estudou até 7o ano no Liceu Pedro Nunes. Depois fez os exames de aptidão à Faculdade de Economia e à Escola Naval, no Alfeite, acabando por optar por esta última, mas só lá esteve seis meses: tentou-se pela Força Aérea, sobretudo “porque era uma maneira de viajar, de conhecer novas gentes e novas terras”. E era um passaporte para guerra: em 1971 e 73 voou em combate as primeiras mil das 10.500 horas ao comando de helicópteros que tem hoje na caderneta de voo.
Um dos seus primeiros helicópteros foi aba- tido pela Frelimo, em Moçambique, e o então alferes- miliciano Amílcar Godinho jurou que guerras nunca mais. Mas certas vidas podem mais do que a vontade de um homem e em 1974 e 75, ao serviço da Diamang – Companhia dos Diaman- tes de Angola, lá andava ele a voar sobre as guerras entre o MPLA e a FNLA na região da Lunda. Em 1976 já estava a montar pipelines e a fazer transportes de risco sobre o Irão, país que passados anos ficou a ferro e fogo até as primeiras eleições organizadas sob a égide do ayatollah Khomeni. Tempos perigosos, esses: mas nunca disse às empresas para que trabalhava que achava as condições de trabalho demasiado arriscadas. Tomava as suas precauções. Por exemplo: na fronteira da Birmânia com a Tailândia em 1990, quando andava a prestar serviço à Texaco e à Total na montagem do pipeline de gás natural que hoje abas- tece Banguecoque, só voava ou muito alto ou muito baixo para não levar com as anti-aéreas de guerrilheiros birmaneses. “Verificou-se de facto, algumas vezes, buracos na fuselagem. Mas nada de artilharia pesada, só coisas de armas ligeiras”, relata hoje com desprendimento, a desvalorizar os incidentes. “Nunca senti qualquer impacto no helicóptero”. Tiros que não se sentem, coração que não sofre — eis uma filosofia de vida.
Aliás, não foi com tiros que passou os piores calafrios em helicópteros. É certo que sair de de um aparelho desfeito sob flagelo de fogo inimigo não é das coisas mais agradáveis da vida, mas a verdade é que nessa hora, em Moçambique, ninguém se feriu. E, em desconforto, não há nada que se compare a acordar de um desmaio e sentir o banco em que se está sentado a arder, a anunciar a explosão: foi o que lhe aconteceu no Irão em Setembro de 1980. Ao fim de 25 minutos de voo, a 1500 pés (cerca de 500 metros) ouviu um estrondo seco, perdeu por completo o controlo lateral do aparelho e começou a cair. “Levei a potência ao máximo para sustentar as pás, com os pedais tentei torcê-lo todo para a esquerda, tentando atenuar a queda”, conta. Mas havia pouco a evitar: foram as pás que primeiro bateram, o que fez o aparelho dar uma volta sobre si mesmo. Depois a memória só regista a cadeira a arder, o esforço desesperado para sair dos destroços, a deflagração tremenda que rebentou nas suas costas e que o atirou para junto do iraniano e do italiano que transportava e que tinham conseguido pôr-se ao fresco mais cedo. Dentro da bola de fogo estava um terceiro passageiro. Não havia nada a fazer.
Amílcar José Godinho nasceu em Agosto de 1948 em Lisboa e estudou até 7o ano no Liceu Pedro Nunes. Depois fez os exames de aptidão à Faculdade de Economia e à Escola Naval, no Alfeite, acabando por optar por esta última, mas só lá esteve seis meses: tentou-se pela Força Aérea, sobretudo “porque era uma maneira de viajar, de conhecer novas gentes e novas terras”. E era um passaporte para guerra: em 1971 e 73 voou em combate as primeiras mil das 10.500 horas ao comando de helicópteros que tem hoje na caderneta de voo.
Com o 25 de Abril, Angola é atravessada, nas suas palavras, pela “rebaldaria”. Na região da Lunda o MPLA disputa com violência, e ganha, o domínio à FNLA.Quando as coisas pioraram a mulher regressa a Portugal na “ponte aérea”. Ele fica – ganha bem, são-lhe confiados transportesVIP:transportouAgostinho Neto quando este visitou a região; levou Rosa Coutinho a um encontro com o MPLA no Cossa, numa casa de repouso da Diamang. No final de 1975, porém, até ele se farta. E volta a Portugal para, passados uns meses, enviar o seu curriculum a uma empresa de helicópteros que presta serviços em todo o mundo, a Schreiner Airways. No início de 1986 é contratado e enviado para o Irão.
A maior parte dos milhares de voos que fez nos cinco anos seguintes foram ao serviço de várias das companhias petrolíferas e de gás natural que actuavam naquele país e em plataformas no Golfo Pérsico. Mas trabalhou também muito para a televisão iraniana na manutenção da sua rede de emissores: no auge da Guerra Fria, o regime do Xá Reza Pahlevi era uma das principais plataformas dos Estados Unidos para emissão de programas de rádio e de televisão para a União Soviética. Em 1979, com a revolução islâmica, as restantes empresas de transportes internacionais abandonam o país e a Schreiner fica com o monopólio.
A aventura iraniana só termina em 1980. Foi voar para a Nigéria, fazendo transportes para as plataformas petrolíferas já como Chefe de Pilotos da Schreiner. Em 1982 foi voar para as plataformas do Atlântico austral, ao largo da Patagónia e da Terra do Fogo. Em fins de 1983 chega à Índia, prestando serviços às plataformas off-shore ao largo de Bombaim. Anos depois sucede-lhe um episódio “histórico”: em 11 de Abril de 1986, num transporte ao ministro indiano dos Petróleos, transforma-se no primeiro piloto português a aterrar em Diu depois de Portugal ter sido forçado pela Índia, em 1961, a abandonar o território.
Em finais de 1986 regressa a África e aos territórios difíceis, Serra Leoa neste caso. Transportou Yasser Arafat numa visita do líder da OLP a Freetown, mas talvez o voo mais complicado tenha sido uma viagem nocturna às montanhas para evacuar o ex-presidente Siaka Stevens, gravemente doente, para o aeroporto de onde seguiu para Londres. Passou cinco meses atribulados no Egipto a voar sobre o Sinai antes de vol- tar à Serra Leoa, onde ficou até 1989.
Depois esteve quase dois anos em Portugal a trabalhar para Heli Serviço como director de Operações de Voo, dando instrução e fazendo combate a incêndios. É nessa altura que volta a estudar, retomando o curso de organização e gestão de empresas, preterido vinte anos antes. “Mas a vontade de viajar”, conta Amílcar Godinho, “de conhecer outros países, outras terras, de fazer um voar diferente utilizando aparelhos mais sofisticados, sobrepôs- se”. Em finais de 1992 foi convidado para ir trabalhar para os franceses da Heli-Union – e aceitou, indo voar uns tempos na Tunísia e na Líbia, mas em Setembro de 1994 é transferido para a zona do globo que mais ansiava conhecer – o Extremo Oriente, no caso o Vietname. “Adorei aquilo”, assegura, apesar de ter encontrado condições muito adversas: não só os tufões surgiam muitas vezes sem avisar a meio de voos de 200 quilómetros sobre o mar como, quando eles estavam em plena actividade, era preciso evacuar as plataformas petrolíferas instaladas no Pacífico, de dia ou de noite. A seguir, em 1996, sai-lhe a Birmânia: levar cargas suspensas de duas toneladas para a construção de pipelines através de um território disputado pela guerrilha. “Um trabalho muito delicado”, concede neste caso, “muito delicado”.
Em 1997 está de regresso a Portugal para participar em operações de busca e salvamento, combate a fogos florestais e voar um Bell 212 transformado em heli ambulância, mas foi por pouco tempo. Em Outubro já estava a chefiar as operações da Schreiner na construção de um pipeline entre o Chade e os Camarões. Regresso à Europa em Janeiro de 1999 para uma missão delicadíssima:
transportar pilotos da barra de Roterdão e Amsterdão para o interior dos navios que tinham de conduzir até atracarem ou, então, ir buscá-los ao mar depois de estes terem conduzido os navios na saída da barra. Sempre que as condições estavam normais, eram pequenos barcos a fazer este serviço; os helicópteros só trabalhavam quando o tempo (“neve, tecto baixo, ventos muito fortes”) não deixava os barcos navegar, ou em evacuações de emergência.
A sua vida acabou por mudar quando a TAP, a Schreiner e a Aero- condor decidiram lançar a Academia Aeronáutica de Évora, para a formação de pilotos de linha aérea de toda a Europa. Convidaram Amílcar Godinho para director-geral. Ele começou a trabalhar em Évora em 1 de Junho de 1999 – e ainda hoje lá está.
Os voos mais arriscados pertencem ao passado. Mas não esqueceu o seu pior acidente, ocorrido em Setembro de 1990, quando o comandante trazia um helicóptero de França para o Porto. Aterrou de Avilez, nas Astúrias, para reabastecer e, na hora de voltar a partir, o motor de arranque teve várias falhas. O mecânico refez as ligações que entendeu necessárias, levantaram voo e, durante 35 minutos, tudo correu normalmente. De repente, porém, houve um corte total de combustível quando o aparelho sobrevoava os “Picos da Europa”.
O comandante Godinho ainda efectuou uma manobra de auto-rotação, mas não havia nada a fazer: espatifaram-se perto de Cangas de Narcea, felizmente sem os depósitos de combustível se terem incendiado. O mecânico e o co- piloto ficaram dentro do aparelho, Godinho arrastou-se o mais rapidamente que pode para longe do aparelho, no meio de flocos de neve muito bonitos, muito suaves, mas de um frio glacial. “Não sinto as pernas”, rouquejava o mecânico. Ali ficaram horas, tiritando, desesperando, mas um pastor vira-os cair e avisara a Guardia Civil, que os recolheu. Já em Lisboa, foram os três operados à coluna. O mecânico ficou paraplégico. Amílcar Godinho, apesar dos parafusos, voltou a voar passados uns meses.
Amílcar José Godinho
Lisboa, 5 de Agosto de 1948
Começou a pilotar em 1969, na Força Aérea Portuguesa
Começou a pilotar em 1969, na Força Aérea Portuguesa
O que mais gosta na pilotagem de
helicópteros?
Da sensação de liberdade, de domínio dos ares, de maneabilidade e das missões que permitem salvar vidas humanas, apesar dos riscos associados a muitas delas.
Da sensação de liberdade, de domínio dos ares, de maneabilidade e das missões que permitem salvar vidas humanas, apesar dos riscos associados a muitas delas.
Qual o maior risco que já correu?
A situação que recordo com mais frequência, pela sequência de acontecimentos a ele associados, foi um acidente que tive no Irão em 1980, logo após a chegada do Khomeni, durante o qual perdi o controlo lateral da aeronave em pleno voo.
A situação que recordo com mais frequência, pela sequência de acontecimentos a ele associados, foi um acidente que tive no Irão em 1980, logo após a chegada do Khomeni, durante o qual perdi o controlo lateral da aeronave em pleno voo.
Que risco nunca voltaria a correr?
Envolver-me numa guerra (a não ser em missões de natureza humanitária).
Envolver-me numa guerra (a não ser em missões de natureza humanitária).
Um conselho para situações de alto
perigo:
Acreditar que qualquer situação de perigo é sempre ultrapassável. Agir sem precipitações de modo a que as acções sejam o mais ajustadas possível à situação.
Acreditar que qualquer situação de perigo é sempre ultrapassável. Agir sem precipitações de modo a que as acções sejam o mais ajustadas possível à situação.
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