Victor Barata
Esp.melec./Inst./Av
Vouzela
O português Carlos Rosa chegou a Angola em 2009 para trabalhar numa construtora, mas os últimos seis anos foram também passados a seguir o rasto de ex-militares cujos restos mortais nunca chegaram a ser recuperados pelas famílias, em Portugal.
O primeiro caso que, a partir de Luanda,
ajudou a resolver, foi concluído em dezembro último, com a chegada a Portugal
dos restos mortais de um soldado paraquedista, e o segundo deverá avançar nas
próximas semanas.
"Também fui militar, não lutei, mas
cumpri o meu dever. E estes senhores todos que estão aqui é que são os heróis.
E os heróis devem ser honrados", desabafa à agência Lusa, durante a visita
a um antigo cemitério do Sassa, no Caxito, na província do Bengo, a mais de 60
quilómetros de Luanda.
Por ali, entre o som dos pássaros e da
floresta, os muros do cemitério já foram tomados pelo mato, o portão não
funciona e no interior é possível encontrar pratos de comida e restos de
animais em decomposição.
Entre o capim, com mais de um metro de
altura, as cruzes brancas que assinalam as campas dos ex-militares portugueses,
totalmente ao abandono e vandalizadas, são as primeiras a ser avistadas, ao
longe.
Mais de perto, as sepulturas, todas
alinhadas - pelo menos as que são possíveis de identificar entre o capim - variam
nos nomes, datas e companhias em que os militares prestaram serviço, mas todas
terminam, em letras em bronze que ainda se conservam, com a frase: "Por
Angola".
"É triste. É triste porque foi
alguém que lutou por uma causa, bem ou mal, e que ficou para trás e ficou
abandonado", confessa.
Desde 2012 que Carlos Rosa, hoje com 49
anos, percorre cemitérios angolanos, recebendo informações de familiares de
antigos militares através das redes sociais. No terreno, trata de confirmar a
localização das campas, antes de avançar com o pedido de documentação nas
autoridades angolanas e os contactos com as funerárias locais, para assegurar o
difícil processo de trasladação.
Além das dificuldades, por falta de
documentação ou autorizações, a trasladação dos restos mortais de cada militar
pode chegar aos 8.000 euros, custos que têm sido as próprias famílias e grupos
de ex-militares a suportar.
"Faço isto como uma parte humana,
no sentido de ajudar essas pessoas, sem lucro nenhum, sem qualquer intenção de
mais nada e como português. Acho que é uma vergonha para o Estado português e
para os portugueses ter esta situação, visto que noutros países, como na Guiné
ou em Moçambique, se conseguiu fazer todas as trasladações", conta,
inconformado.
Só neste pequeno cemitério no Caxito é
possível identificar duas dezenas de sepulturas, ao abandono, com lápides
partidas, de antigos militares, todos dos anos 1960, do início da guerra
colonial em Angola.
A 60 quilómetros de distância, já no
centro de Luanda, no sobrelotado cemitério de Santa Ana, um talhão militar
guarda as sepulturas abandonadas de outras dezenas de militares portugueses.
Incluem-se comandos e paraquedistas,
algumas também vandalizadas ou abertas, como a Lusa constatou.
Ainda assim, Carlos Rosa rejeita
responsabilizar Angola por este cenário: "Não censuro Angola, a culpa é
portuguesa. Portugal devia ter feito mais, como português acho que isto não foi
correto. Ninguém deixa ninguém para trás".
Foi de resto neste cemitério, próximo do
centro de Luanda, que este expatriado português confirmou a presença da
sepultura de António da Conceição Lopes da Silva, um soldado paraquedista morto
em combate em Angola em 1963.
A pedido da filha do antigo militar, o
processo de trasladação, recordou, levou praticamente cinco anos a concluir,
até à chegada dos restos mortais ao concelho de Tondela (distrito de Viseu), em
dezembro último.
Sem adiantar mais pormenores sobre o
segundo processo de trasladação que está a concluir, este antigo militar, da
Marinha portuguesa, confessou que se sentiu honrado por ter ajudado até agora,
mas também admite, revoltado, que o Estado português "é que se devia
preocupar" com a situação destas sepulturas ao abandono.
"Mas o que vemos é o desinteresse
de Portugal", atira.
Enquanto está em Angola, a
"tarefa" a que Carlos Rosa deu corpo é fazer a ponte com as famílias
dos antigos militares, em Portugal. Uma espécie de "elo de ligação",
que também descreve como uma "missão patriótica e pessoal".
"O que me levou a abraçar esta
causa, ao fim e ao cabo, é ser português, ver quem lutou por um país e que
ficou para trás e dos quais o Estado português nunca mais se lembrou. E os
familiares, todos eles perderam os seus entes queridos, filhos, irmãos. E se
fosse comigo também gostaria que alguém me ajudasse", conclui.
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