Manuel Pina
Esp.METEO
Crato
Esp.METEO
Crato
Fui Especialista da 2/66
Diz o ditado, bem antigo, que as forças
armadas são “uma escola de homens”. Quem não? Pessoalmente, entrei na Força
Aérea Portuguesa – FAP – um garoto que acabava justinho de ultrapassar os 17
anos. Quantos mais? Que sabíamos da vida? Que “saber fazer” possuíamos? Que
responsabilidades já nos pesavam sobre os ainda frágeis ombros? Mas como eu, lá
fomos, inúmeros, milhares: uns guiados pelo desejo, outros pela obrigação, uns
quantos por “devoção” e alguns, acredito, até por curiosidade.
A iniciação, chamada “recruta”, não era
osso fácil de roer, a prova é que alguns pretendentes acabaram desistindo. Não
se tratava de brincadeira de adolescentes, eram provas dolorosas até para
homens já completamente constituídos, que dizer para mancebos imberbes, alguns,
que talvez tenham pensado que se tratava de brincadeira. O regime era pesado,
pois o destino que nos esperava era muito mais pesado que aquilo que ali
vivenciávamos. Que o digam nossos heróis que enfrentaram os horrores e maus
estares da guerra colonial. Ali era para valer. Matar ou morrer. Sobreviver era
preciso.
Quero falar de uma categoria sobre a
qual considero que recai boa parte da carga de manter a FAP em perfeito
funcionamento. Não pretendo coloca-la acima de qualquer outra, mas também não a
considerarei inferior a outra qualquer, por mais estrelas que tenha nos ombros:
refiro-me àqueles que ficaram vulgarmente conhecidos como “Zés Especialistas”.
Antes de mais nada, a maioria era de
voluntários. Questiono-me, que “vontade” era essa que nos impelia a nos
oferecermos para um destino quase certo – a guerra nas colónias? Acredito que a
parentela de cada um de nós também não entendeu muito bem, principalmente num
período em que os menos afoites fugiram do país para não enfrentarem a
situação. Nós, os que fomos voluntários, ou que não se negaram a cumprir seu
serviço, não somos mais corajosos que aqueles que a ele se negaram, não posso
sequer falar em questões ideológicas, pois entre nós, elas eram as mais
variadas, da falta de noção do perigo, ao cumprimento de obrigatoriedade,
passando pelo desprezo da causa que não era nossa, de tudo podíamos encontrar
um pouco, mas fomos lá.
Num período em que a educação –
refiro-me à educação profissional – no país era ainda incipiente e extremamente
retardatária, a oferta desses cursos de formação de especialistas da FAP, foi
como jogar combustível em fogo brando. O “Especialista” era, acima de tudo um
técnico altamente qualificado nas funções que exercia. Basta olhar um pouco a
vida dos já anciãos especialistas e perceber que em sua maioria foram
contratados por empresas de grande porte, para exercerem funções de alta
responsabilidade. As principais, mas não só, foram as empresas aéreas e os
aeroportos, por falar apenas nestes. E não foram só as empresas nacionais,
muitas estrangeiras recorreram aos prestimosos serviços do “Zés Especialistas”
que, em virtude disso se espalharam um pouco por todo mundo.
Diria que estávamos escrevendo uma parte da saga da diáspora lusitana.
Diria que estávamos escrevendo uma parte da saga da diáspora lusitana.
Portugal cresceu após o 4/74,
principalmente do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico e não cresceu
mais, pois não soube aproveitar condignamente a força jovem que estava
surgindo, ou melhor dizendo, ressurgindo das cinzas, qual Fênix, da guerra do
ultramar, pois muitos, entre os quais me incluo, fomos obrigados a abandonar o
país pelo qual tínhamos arriscado nossas vidas, por falta de atenção devida a
cada um de nós devuda. Conheço casos de rejeição de oferta de emprego, “por ter
vindo do ultramar e quem vem de lá vem louco”. E lá fomos nós, cada um com seus
sonhos e carregando suas esperanças, tentar a vida noutro país. Levar nosso
saber para ser colocado a serviço de quem não nos devia nada. Talvez por isso
tenham aceitado, de bom grado, a oferta do nosso saber fazer. Quantos estão
fora do país, ainda hoje? Quantos, por se sentirem abandonados à própria sorte,
nunca mais voltaram a Portugal? Quantos já decidiram que nunca mais voltarão?
Se a guerra já não era nossa e ao seu
fim não reconheceram minimamente o nosso valor, só nos restava o orgulho, sempre,
de ter sido um “Zé Especialista”, de ter dado o nosso melhor e os melhores anos
de nossas vidas a quem nada fez por merecer tal sacrifício. Alguns se deram
bem, mas nem todos tiveram a mesma sorte de uma vida digna. Muitos,
infelizmente demasiados, estão ainda hoje enfrentando uma situação de moradores
de rua, completamente abandonados, enrolados numa bandeira de um país que os
não reconhece, para tentarem minimizar os efeitos do frio. Quantos vivem dramas
psicológicos graves sem o menor apoio que lhes garanta uma existência
minimamente estável? É triste. Já restamos poucos e ao passar dos anos, para
não dizer meses ou dias, vão ficando menos. Logo seremos completamente
esquecidos das autoridades institucionalizadas, mas estaremos para sempre
presentes e imortalizados na HISTÓRIA de um país pequeno que não foi grande o
suficiente para nos valorizar.
Eu fui especialista com muito orgulho.
Ex – Op.Meteo. Com vinte oito meses em Moçambique.
Ex – Op.Meteo. Com vinte oito meses em Moçambique.
OBS: Manuel José PINA Fernandes, hoje
sou, ainda, funcionário do Ensino Superior - Professor com Doutorado em
História da Educação num país que só me conheceu e aceitou quando eu já linha
completado 28 anos.
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