Miguel Pessoa
Cor.Pilav.(refº.)
Lisboa
O LARGO DO LICEU
Atendendo às circunstâncias, o largo do Liceu, em Bissau, era um local razoavelmente agradável para se viver. Não vou referir que era soalheiro pois seria um termo redundante para aquele território. Também não era muito fácil de confirmar isso, que os horários apertados da Base afastavam o pessoal daquela zona durante praticamente todo o dia.
Depois do serviço, infelizmente para as enfermeiras paraquedistas, que ali moravam, uns tantos malandrins da BA12 demandavam o local para ali sacar um jantar ou garantir um bate-papo ao serão, que os fizesse esquecer o dia seguinte. Verdade seja que muitas vezes carregavam para ali as encomendas que recebiam, vindas da metrópole, que partilhavam com todos os presentes.
Habitava na vizinhança outro pessoal da unidade, algum vivendo com as respectivas famílias, por isso também era habitual que a miudagem do grupo circulasse pela casa com alguma frequência. Na prática, o refúgio das enfermeiras paraquedistas não lhes garantia na maior parte dos dias o descanso de que precisariam.
À noite, depois do jantar, o pessoal na casa e alguns vizinhos vinham sentar-se no "muro das lamentações", que delimitava o prédio, onde se entretinham a beber um digestivo e a dizer mal da vida (tudo relativo, que sabíamos haver gente a viver um dia-a-dia bastante pior...).
No local existia um candeeiro que iluminava razoavelmente o local, embora com o inconveniente de chamar os mosquitos, os quais acabavam naturalmente por procurar a carne fresca ali abancada.
Por isso, normalmente tínhamos a iniciativa de ir à base do candeeiro desactivar o fusível, apagando a luz, o que reduzia os assaltos dos mosquitos. Depois de o piquete da electricidade se ter deslocado várias vezes ao local para reparar a avaria, decidiu aquele fazer uma ligação directa ao candeeiro, o que nos tirou a possibilidade de desligar a luz. Novas tentativas foram feitas pelos utilizadores do muro, com recurso a um deles, mais habilitado ao alpinismo. Assim, desatarrachou-se a lâmpada e, mais tarde, face à insistência do piquete em mostrar trabalho, até a lâmpada desapareceu. Mas logo foi reposta...
Uma noite, incomodado pelos mosquitos, um dos presentes resolveu pegar numa pedra e atirá-la à lâmpada, partindo-a. Empenhado, o piquete substituiu de imediato a lâmpada e o serão, na noite seguinte, voltou a ser bem iluminado - e também infestado de mosquitos. Igualmente empenhado em resolver este problema, alguém do grupo resolver tomar uma atitude ainda mais radical: pegou na sua pistola, dirigiu-se ao candeeiro e enfiou um tiro na lâmpada. Sucedeu aqui uma coisa interessante, que foi o facto de a lâmpada, mesmo partida, continuar acesa - o que era fisicamente improvável, pois o vácuo já não existia na dita cuja. Até hoje ainda não compreendi bem a que se deveu tal facto; se à qualidade da lâmpada, que resistia a tudo e todos, se à qualidade do digestivo, que nos punha a ver coisas que afinal não existiam...
Miguel Pessoa
VB.Olá Miguel.
Na realidade este texto nunca "aterrou"nesta base.Só hoje aqui chegou e de imediato resgistado.