Jorge Narciso
Esp.MMA
Lisboa
In
Memoriam
Cap. Pilav António Rodrigues 1º Cabo Especialista MARME António Machado Mortos em acidente com um heli
canhão em 12.Jul.69 em Bafatá
Em Fevereiro de 2010 e a propósito dum
Post da Tabanca Grande acerca da captura do Cap. Peralta no corredor do
Guileje, fiz um comentário posteriormente transformado em Post (5763) e também
publicado no Blogue dos Especialistas da BA12 (voo 1462) onde em determinada
altura e e por analogia com um facto relacionado com o heli canhão ali
referido, escrevi:
… este voo no canhão foi
para mim perturbante, pois que uns meses antes (Julho/meu 3º mês de Guiné)
estive também para voar (nesse caso por experiência passiva que, para sorte
minha, não concretizei) no retorno duma outra Operação em Galomaro, voo esse
com um fim trágico, traduzido no despenhamento do heli (a que assisti) ocorrido
em Bafatá, com a morte do meu comandante: Maj. (a titulo póstumo) Rodrigues
(Piloto) e dum camarada de todos os dias, o Machadinho - como lhe chamávamos -
, Mecânico Armamento/Apontador.
Um dia destes tentarei fazer o relato que me for possível desta outra dramática
ocorrência…

Legenda:
Estrada que liga Bafatá a Bambadinca
Foto: Humberto Reis (direitos reservados)
E no sentido de “pagar” esta divida, por
diversas vezes o tentei de facto, mas por este ou aquele motivo o resultado sempre
se me pareceu insatisfatório.
Com o passar do tempo e à guisa de
auto-defesa, foi-se-me adensando a dúvida se tal falha se resumia a uma
evidente falta de engenho e arte, ou se o registo era de tal forma profundo,
complexo e pessoal que seria mesmo
compreensivamente transmissível.
Assim arrumado, que não escondido,
numa gaveta da memória, eis que um clique o fez emergir e duma forma instintivamente
reactiva soltou o registo que se foi escorreitamente compondo.
Concretizando: no final do passado mês
de Maio, o Virgínio Briote (co-editor da Tabanca Grande ), sabedor através do Victor
Barata (editor principal do BA12), que eu poderia dar algum testemunho sobre este
assunto, contactou-me referindo que a filha do Cap. Rodrigues, de quem é (ou
foi) aluno, por sabedora da sua relação com os assuntos relativos à Guerra da
Guiné lhe referiu o acidente que vitimou o Pai, manifestando interesse em saber
mais pormenores nomeadamente da parte de
pessoas que tenham lidado de perto com ele.
E como atrás refiro, duma maneira
quase automática as memórias foram fluindo, os dedos foram-nas traduzindo para
o teclado e a resposta, antes tantas vezes tentada, ali estava plasmada no
monitor. E assim praticamente sem revisão a enviei ao Virgínio Briote para que
da forma que melhor entendesse dele desse conta à Dr.a Alexandra.
Recebido o texto instou-me o Virgínio a
que o propusesse para publicação, tal como estava, ao Especialistas da BA12.
Ponderado o assunto revisto o que escrevi, decidi seguir o conselho e com a
dilacção até esta data para que o mesmo se assumisse como homenagem aqueles
companheiros, recebi o assentimento não só do Victor Barata como do Carlos
Vinhal da Tabanca Grande a quem coloquei a mesma proposta.
Assim e apenas com
correcções no que ao português (grafia pré acordo), diz respeitoe com uma melhor precisão de alguns dos facto,s aqui vai
o citado texto (entenda-se como de resposta à citada solicitação)
Legenda: Alguns dos Pilotos de Alouette III. Da Esqª/Dirª de pé: Marta,Coelho,Duarte,Afonso,Pinto,Oliveira,Pereira,Nogueira e Rodrigues.
Em baixo:Félix e Assunção.
Foto: Jorge Félix (direitos reservados)
Resumindo o relato dos factos à
expressão mais simples poderia simplesmente dizer que:
1.
No regresso de uma operação com tropas paraquedistas, com base em
Galomaro, os 6 helis participantes (5 de transporte + 1 canhão) dirigiram-se
a Bafatá para reabastecimento, antes do
regresso a Bissau,
2.
Neles viajavam, como habitualmente nestes casos, para além dos 6
Pilotos, uma equipa de manutenção composta por 4 mecânicos da linha, um
apontador de canhão e uma enfermeira paraquedista
3.
As condições atmosféricas, que já não eram boas à saída de Galomaro,
agravaram-se entretanto significativamente nomeadamente com forte chuva.
4. Chegados a Bafatá, aterraram
normalmente cinco dos helis, enquanto o do canhão, na manobra de aproximação,
embateu com o rotor numa das espias de aço da antena de comunicações implantada
junto à pista, tendo-se despenhado e sequentemente incendiado no embate com o
solo.
5. Nele assim pereceram os: Cap. PilAv
Rodrigues, comandante da Esquadra 122 (Alouette III) e o 1º Cabo Especialista
MARME António Machado, apontador do canhão.
Legenda:
AO Cap.Pilav. Rodrigues conversando com dois camaradas.
Foto: Jorge Félix (direitos reservados)
Disparada assim factualmente a
"chapa" instantânea do sucedido, importa aduzir agora algumas
reflexões pessoais fundadas numa memoria
que neste caso se mantém impressivamente nítida.
* Eu era um dos membros da equipa de
manutenção, sendo talvez esta, com os meus 2 meses e meio de Guiné, a primeira
operação deste tipo em que participei.
* Havendo outras modalidades de
realização, nesta operação de num só dia, os helis saíram de Bissau de manhã,
dirigindo-se a Galomaro, local onde estavam já colocados os elementos do BCP que a iam realizar
* Deixada a equipa de manutenção e a
enfermeira, de imediato embarcaram os "Paras", não me recordo se numa
ou duas levas, para serem largados na Zona previamente definida, acção sempre
protegida pelo heli canhão.
* Regressados à base da operação, os
helis mantinham-se em alerta, ou para evacuações, ou para eventuais
recolocações das tropas noutros locais da zona.
* Terminada a operação e em acção
inversa à inicial, foram recolhidas as tropas, salvo erro novamente para Galomaro para seguirem por via terrestre para
Bafatá.
*
Por não se ter registado a necessidade de evacuações os helis
mantiveram-se aterrados por um período
largo e o pessoal, apesar de em alerta, ia naturalmente convivendo para matar o
tempo.
*
Em conversa com o Machado (apontador) sugeri a hipótese de, no regresso,
voar no canhão, apenas como mera experiencia. E dando consistência a essa
ideia, com o seu apoio, foi pedida autorização ao Cap. Rodrigues, que chefiava naturalmente
a missão e coincidentemente pilotava o canhão, que de imediato deu o seu
consentimento.
* Terminada a operação, era necessário
embarcar para além das ferramentas e outros meios de manutenção, também uma
caixa de munições do canhão, que servia de reforço em caso de necessidade.
* E assim aconteceu, tendo eu e o Machado
transportado manualmente a citada caixa para o heli nº1 que se encontrava no
extremo contrario do alinhamento relativamente
ao canhão, logo a uma distancia talvez
superior a 50 metros.
* Ali chegados e embarcada a caixa
diz-me o Machado: já podes ir. Eis quando a chuva que tinha começado a
sentir-se uns momentos antes se intensificou, tendo-lhe eu respondido com um
sorriso amigável mas "meio sacaninha" - Com esta chuva fica para a
próxima vai antes tu e entrei nesse heli, enquanto ele correndo se dirigiu ao
canhão
* Em formação mais ou menos ordenada
lá seguimos até Bafatá.
* Ali já aterrados e alinhados os 5
helis de transporte na placa fronteira à antena de rádio, eu e outros tripulantes
assistimos a aproximação do canhão, que voava afastado da restante formação,
fazer a aproximação rodeando a antena pelo lado contrário, ao que nos encontrávamos,
e... embater com o rotor numa das suas
espias de sustentação, já muito próximo do solo.
* As fortíssimas sensações originadas
pela visão desse momento jamais as esquecerei:
- O rotor (corpo do conjunto das 3 pás)
soltou-se da estrutura, transformando abruptamente o ruido caracteristico do
voo do heli num silêncio esmagador.
- O corpo do heli rodou no sentido
longitudinal enquanto, como que em desesperante
camara lenta, se despenhava junto à base da antena.
- Instintivamente alguns de nós
correram para o local do impacto, saltando mesmo eu e um outro companheiro o
arame farpado que protegia a area da antena.
- Fomos travados pelo quase imediato
incendio do aparelho e consequente deflagração das munições (balas de 20 mm,
explosivas incendiárias) num matraquear que se prolongou por um período que
parecia não ter fim.
- Quando finalmente cessou permitindo-nos
levantar a cabeça a desgraça estava completamente consumada numa amálgama de
destroços que envolviam os corpos adivinhadamente calcinados.
- Última e não menos forte sensação a
da recordação da minha ultima conversa com o Machado e o imaginar-me agora no
seu lugar.
Passada essa terrível noite em Bafatá,
regressámos na manhã seguinte para Bissau, logo após o embarque dos corpos,
entretanto resgatados, no Dakota que os transportou para a Base
O velório realizou-se nessa mesma
noite na capela da BA12, nele participando por turnos toda a Esquadra 122. Lembro-me
perfeitamente de durante o meu turno ter ficado de frente para a viúva do Cap.
Rodrigues de quem julgo ainda guardar a expressão amargurada.
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À margem do relato algumas notas de
rodapé que julgo necessárias
- Todos os acidentes possuem sempre algo
de incompreensível, nomeadamente quando de meios aéreos se trata, com o
conjunto de variáveis envolvidas (mecânicas, humanas, meteorológicas, etc.) e a
que só uma investigação e apuramento rigoroso de dados pode dar respostas mais
ou menos conclusivas.
- O acima relatado não é naturalmente
excepção, o testemunho que transmito, apesar da fidelidade da observação
directa, não pretende de nenhuma forma retirar conclusões quanto a eventuais
causas, que seguramente o inquérito realizado pela FAP e respectivo relatório (que não conheço),
sistematizadamente terão feito.
- O que indelével e tragicamente fica é a perda efectiva,
tão mais sentida quanto mais dramática é a forma e mais próximas nos são as
vitimas.
Para eles o meu singelo preito de homenagem:

Ao Cap.
Rodrigues a quem apesar do breve tempo de convivência e voo, deu para perceber
ser não só um excelente Piloto como um homem que mantinha com os que comandava
uma relação de enorme cordialidade e respeito que eram aliás generalizadamente recíprocos.
E que aqui quero partilhar com a Dr.a Alexandra e sua família.

Ao
Machadinho pela sua alegre e descomprometida camaradagem dos nossos 20 anos,
que na perda, algum insondável desígnio impediu eu tivesse tomado o funesto
lugar e naturalmente à sua família independentemente desta não tomarem
conhecimento.
E finalmente alguns agradecimentos:
- Ao Virgínio Briote e à Dr.a
Alexandra por terem estado na base desta minha, digamos “catarse”.
- Ao Jorge Felix e Fernando Caroto meus companheiros e contemporâneos na Guiné, que
cederam as fotos.
- Ao Edgar co-testemunha e que comigo
saltou o arame farpado da antena, com quem em troca de impressões melhor
precisei alguns dados aqui transmitidos
JORGE NARCISO –
Especialista MMA – BA 12 / Guiné 69/70