terça-feira, 31 de outubro de 2017

Voo 3458 OBRIGADO FORÇA AÉREA.





João Mesquita
Esp.Melec
Régua



1970-1974 Força Aérea Portuguesa.
Jovem, 18 anos rumei a um novo destino. Sorte? Talvez. Mas não só. E apesar de aos 20 anos já estar na Guiné, um jovem portanto, neste local onde esta fotografia foi tirada num domingo de Dezembro de 1972, também fui um jovem feliz. Sabem onde?
Voltava a fazer o mesmo.
Obrigado Força Aérea pela ordem, rigor, disciplina, liberdade, responsabilidade e também a formação que adquiri.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Voo 3457 27 DE OUTUBRO...




João Carlos Silva
Esp.MMA
Sobreda
Lisboa



27 de Outubro …

Olhou uma vez mais para o mostrador do seu Omega Speedmaster e para os ponteiros que inexoravelmente iam rodando na escala do cronógrafo e pensou há quanto tempo esperava por notícias.
Nunca mais chegavam notícias, ninguém dizia uma palavra…
Nesta espera, os pensamentos corriam a uma velocidade vertiginosa, a imaginação voava e, como que buscando inspiração para se ir acalmando, depressa se viu a caminhar na placa da Base Aérea nº6 em direção à linha da frente.
Logo pela manhã, tinha apanhado o eléctrico na Rua de São Lázaro e saído em andamento na curva da Rua dos Fanqueiros para a Praça do Comércio, encurtando a distância a percorrer para a Doca da Marinha onde, como habitualmente, apanhou a lancha para a Base do Montijo.
Nesta fase, já não havia questões com a ocupação dos lugares entre os maçaricos e os v.c.c. (*) e assim aproveitou para passar pelas brasas nesses trinta minutos de travessia, hoje não haveria tempo para as conversas sobre as namoradas ou sobre a noitada anterior.
Ao chegar ao Hangar da Esquadra, confirmou no quadro com a escala dos voos que continuava atribuído ao 5435 e as horas a que o mesmo iria voar. Rapidamente trocou de roupa e aí estava saindo do Hangar e caminhando na placa em direção à linha da frente e ao seu avião, o FIAT G-91 R/4 com o número de cauda 5435.
O FIAT G-91 R/4 era um caça-bombardeiro, sub-sónico, monolugar, equipado com um reactor Bristol Siddeley Orpheus 803/02 de 2.270Kgf de impulsão e armado na secção do nariz com 4 metralhadoras Colt-Browning de calibre 12,7mm e podendo levar suspenso nas asas um variado tipo de armamento como bombas de 227Kg, bombas de 113Kg, mísseis ar-ar, armas nucleares tácticas e vários tipos de foguetes não guiados. Nessa época, operava na Esquadra 301 Jaguares com o lema “De Nada a forte Gente Se Temia”.
Este lema, retirado do Canto I, Estrofe 97 dos Lusíadas e que versa assim:
“Mas o Mouro, instruído nos enganos
Que o malévolo Baco lhe ensinara,
De morte ou cativeiro novos danos,
Antes que à Índia chegue, lhe prepara:
Dando razões dos portos Indianos,
Também tudo o que pede lhe declara,
Que, havendo por verdade o que dizia,
De nada a forte gente se temia.”
Com referência a tão grande historial, inspirava-nos para as missões a cumprir nessa base operacional da Força Aérea Portuguesa e ainda hoje nos inspira.
A linha da frente era impressionante. Os inúmeros aviões alinhados e à espera da saída para mais uma missão eram o espelho da pujança da Força Aérea no que às missões de apoio aéreo táctico, interdição do campo de batalha, reconhecimento, apoio aéreo a operações navais e luta aérea defensiva dizia respeito.
Deambulando nestes pensamentos e na placa da Base Aérea nº6, passou-lhe à frente a enfermeira em passo apressado… Olhe, por favor? Chamou. Tem informações? De momento, nenhumas.
Inspirou fundo, procurando disfarçar o nervosismo que o queria dominar, e regressou à Base.
Nesse percurso, entre o Hangar e a Linha da Frente, fardado no seu espectacular blusão de cabedal em cujos ombros se destacavam as divisas de Primeiro Cabo encimadas pelo símbolo de Especialista da Força Aérea, o jovem mecânico de avião ajustava os óculos Ray-Ban enquanto se ia concentrando para a missão.
Chegado ao avião, havia que proceder aos preparativos e inspeção antes de voo. Depois de retirada a capa que cobria o “Jaguar” nº 5435, ligava a bateria para abrir a canopy e, colocada a escada de acesso ao cockpit, assim poder proceder à inspeção aos instrumentos e preparar a cadeira Martin-Baker, onde se sentaria o Piloto que retiraria os pinos de segurança da cadeira antes da saída, após estar sentado e com cintos amarrados o que iria permitir, em caso de necessidade, poder acionar as pegas de ejeção situadas por cima da cabeça ou entre as pernas.
Chegou o “Rochinha” com o trator, enquanto fazia a incómoda inspeção às aletas do compressor do reactor, onde era necessário entrar pela entrada de ar do avião até ao dito compressor e verificar se não haveria nehuma obstrução ou dano, após o que se assinava a giz o nome e data, o Piloto na inspeção antes de voo iria espreitar lá para o fundo da entrada de ar e verificar que lá estaria a assinatura e que portanto tinha sido feita a inspeção. Chegou alegremente, como era seu timbre, trazendo as latas de óleo, os cartuchos de arranque e o pára-quedas de travagem. Passava depois a enorme Mercedes dos combustíveis que se ouvia ao longe e em que cada mudança para entrar necessitava de uma “dupla”, com o JP4 necessário para alimentar o reactor. Continuava a preparação para o voo do “Jaguar” nº 5435.
Abastecimento de combustível, nível de oxigénio, nível de óleo, pressão dos pneus, cartuchos de arranque colocados nos respectivos receptáculos, pára-quedas na cauda. Verificação de fugas ou de algo visualmente estranho, na fuselagem, no compartimento do motor, no trem. Tudo operacional e livro assinado.
À hora prevista, chegava o piloto no seu fato de voo verde, fato anti-G e capacete que procederia à inspeção 360º retirando as seguranças dos tubos de pitot, do trem, colocando a copa do pára-quedas da cauda e fechando o respectivo compartimento. Tudo operacional e subia para o cockpit.
O jovem mecânico subia a escada e ajudava o piloto a amarrar os cintos e a tirar as duas últimas seguranças da Martin-Baker.
Outra enfermeira passava e notícias nada… apenas um fugaz, está tudo a correr bem.
Chegou o bombeiro de serviço com o respectivo extintor e tudo preparado para o arranque do Orpheus. Indicador girando no ar e sinal feito para dar sequência ao arranque, cartucho picado seguido do característico silvo do reactor a iniciar a sua função. Arrancou à primeira.
Mais uma volta ao 5435, olhando para o compartimento do motor e do trem para despistar eventuais fugas agora que todo o sistema estava em carga, fecho das portinholas do compartimento do motor, retirar calços das rodas e polegar direito no ar, indicando tudo operacional e ok para sair. O Piloto feha a canopy, mete motor e sai do seu lugar de estacionamento na placa da linha da frente para mais uma missão ao serviço de Portugal.
Agora, era esperar. Esperar 45 ou 50 minutos para receber o “Jaguar” e recomeçar os mesmos trabalhos para o voo da tarde. Neste espaço de tempo, lá na linha da frente, pensou no historial que o rodeava. O enorme Hangar da manutenção da Esquadra 301, já era do tempo da Aviação Naval e tinha estado instalado no Centro de Aviação Naval de Lisboa na Doca do Bom Sucesso em Belém. Quando se verificou a necessidade de expandir essa base de operações e foi construído o Centro de Aviação Naval Comandante Sacadura Cabral, onde hoje se encontrava à espera do 5435 e agora Base Aérea nº6, foi desmantelado e transportado cruzando o rio Tejo para aí ser montado.
O FIAT G-91 R/4 a que tinha acabado de dar saída, tinha chegado a Portugal em 1965 às OGMA, Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, em Alverca e no início de 1966 foi transferido para a Esquadra 51 “Guerra Ou Paz Tanto Nos Faz” da Base Aérea nº5, Monte Real, para treino de Pilotos com vista à Guerra do Ultramar. Se calhar, até esteve, como outros R/4, na Guerra do Ultramar, não tenho a certeza, tenho de perguntar aos “velhinhos”. Os primeiros R/4 a irem para o Ultramar, foram em 1966 para a Base Aérea nº12, Bissalanca, Guiné onde constituíram a Esquadra 121 Tigres, depois, em 1968 para Moçambique onde constituíram duas Esquadras, a 502 Jaguares no Aeródromo Base nº5, Nacala e a 702 Escorpiões no Aeródromo Base nº7, Tete. Já no final da guerra, os do AB7 foram desmontados e transportados para a Base Aérea nº9, Luanda, para a Esquadra 93 Magníficos, substituindo os mais antigos F-84G Thunderbird.
Estes nobres FIAT G-91 R/4 ao serviço de Portugal foram os únicos do Mundo que serviram em teatro de guerra real.
Terminada a Guerra do Ultramar, os R/4 sobreviventes regressaram à Metrópole e para a Base Aérea nº6, Montijo, para a então Esquadra 62, precursora da actual Esquadra 301 Jaguares “De Nada A Forte Gente Se Temia”. Posteriormente, o “Jaguar” 5435 cruzou o Oceano Atlântico até à Base Aérea nº4, nas Lajes, Terceira, Açores onde fez parte de uma nova Esquadra que então se iria iniciar, a 303 Tigres “Em Quaisquer Outras Guerras Que Aconteçam”.
Olhou para o céu e nada de aviões.
Ao mesmo tempo, no corredor do hospital, ia desesperando com a falta de notícias.
Aproveitou para fumar um cigarro, aspirando bem o fumo para o sentir bater fundo dentro do peito, enquanto observava o movimento daquela enorme base operacional da Força Aérea Portuguesa. Da Linha da Frente ao Hangar, cheio de aviões e respectivas equipas de manutenção. A Torre de Controle e os Bombeiros. Nesse dia não estavam esquadrilhas estrangeiras em manobras, menos movimento, portanto. Lá mais acima a Esquadra 501 “Bisontes” que operava os Hercules C-130, a Esquadra 551 “Onde E Quando Necessário” operando os Aloutte III e a Esquadra 751 “Para Que Outros Vivam” com os SA-330 PUMA.
Despertou-o o Godinho que preparara o outro FIAT G-91 R/4 da parelha que foi voar, vamos embora que vêm aí os aviões.
Sr. João, chamava a Enfermeira, está tudo bem! É uma linda menina. A Mãe também está bem.

27 de Outubro… Um dia especial para a Lena, para a Rita, para a Marta e para mim.
Para a Marta com um beijo enorme,

Com um misto de ficção e de realidade, episódios passados há 37 anos e há 27 anos atrás.

Consulta: Aeronaves Militares Portuguesas de Adelino Cardoso 

(*) v.c.c. = Os mais antigos. Não se pode traduzir à letra aqui, o pessoal da tropa sabe o significado.

João Carlos Silva
27/10/2017