segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Voo 2548 CURIOSIDADES.




Fernando Moutinho
Cap.Pil.Av.
Alhandra




Boa tarde Victor

Hoje ao "espiolhar" coisas antigas, deparou-se-me com a "preciosidade" em anexo.
Pareço um foragido mas, o cartão vale pela rubrica do célebre Costa Macedo.
O cartão está amarelado mas novo. Ainda se encontrava na sua protecção de um transparente.


E, o verso?

Que diriam os actuais "indignados" ?
Espero que estejas bem. Por mim, para além da "fadiga de material", continuo operativo.

Um abraço

Moutinho

VB: Quantos de nós éramos nascidos naquela data?
As observações eram severas e tinham que ser cumpridas, pois se assim não fosse tornava-se muito complicado, não só militarmente como politicamente.
Mesmo assim é caso para dizer
Belos Tempos!

domingo, 30 de outubro de 2011

Voo 2547 MISSÃO À ÍNDIA.




Miguel Pessoa
Cor.Pilav.
Lisboa



Caro Victor

A nossa camarada Maria Arminda, tendo problemas no seu computador, incumbiu-me de vos sugerir a publicação deste texto em que relata a sua experiência na evacuação de pessoal da India Portuguesa em 1961. Penso que este texto agora disponibilizado pela Maria Arminda, embora não relacionado com o tema principal do blogue (a BA12), tem interesse suficiente para dar a conhecer aos tertulianos pormenores de uma acção de que muitos se aperceberam apenas vagamente. Deixo à tua consideração a publicação do texto na íntegra (Missão à India (1), em anexo), ou dividido em duas partes (Missão à India (Parte1) e (Parte 2), também em anexo) - embora preferisse a 1ª opção (publicação na íntegra).
Abraço. Miguel






Maria Arminda
Ten.Paraquedista
Setúbal






Foi no dia 18 de Dezembro, de 1961 que a Índia foi invadida pelas tropas da União Indiana no governo do seu primeiro-ministro, o Pandita Nehru, como à data se dizia.
Hoje vou recuar no tempo e relembrar porque tal facto fez parte da minha vivência cheia de emoções, que não se apagaram da minha memória.
Prestava serviço em Angola, Luanda, como enfermeira pára-quedista, onde tinha sido colocada; tinha ali chegado a 12 de Outubro de 1961 na companhia das minhas colegas, Maria da Nazaré e Maria Zulmira – já falecidas - chegando a Maria de Lourdes, também apelidada de Lurdinhas, pelo seu aspecto físico mais franzino, cerca de duas semanas depois.
Terá sido entre os dias catorze a dezasseis de Dezembro que nos soou que se encontrava de prevenção uma companhia de pára-quedistas para a hipótese de ser necessário enviá-la para o Estado da Índia Portuguesa; havia notícias de uma possível invasão daquele território por parte dos Indianos, que estavam a concentrar as suas tropas nas nossas fronteiras. A 2ª companhia, comandada à época, pelo Cap. pára-quedista Heitor Almendra, a que estava destinada essa missão, partiria por via aérea até à Beira, através do canal de Moçambique, por ser geograficamente mais próximo desse nosso território e haver habitualmente uma ligação entre Goa e Moçambique assegurada pelos TAIP (Transportes Aéreos da Índia Portuguesa).
Dissemos que se fosse necessário também nos oferecíamos para ir; tínhamos a consciência de que por certo não poderíamos ir todas, dado o trabalho a desenvolver em Luanda. Trabalhávamos nos postos de socorros das companhias, íamos em missões de vacinação às tropas estacionadas na Base Aérea do Negage e outros locais, dávamos apoio ao bloco operatório do hospital militar e na Direcção do serviço de Saúde da Força Aérea, onde também eram tratadas as famílias dos militares e pessoal civil. Acresce ainda que assegurávamos o acompanhamento de feridos e doentes, nas denominadas “Evacuações Aéreas” entre Luanda e Lisboa.
Nessa manhã tratámos da esposa do Senhor Cor. Magro, que a acompanhava, e com quem desabafámos sobre a hipótese da nossa ida à Índia, ao que o mesmo respondeu com ar de troça: “Falam assim mas sabem que não vão, porque se tivessem que ir, se calhar não quereriam”. É claro que estava a brincar connosco pois, além de conhecer o nosso empenho, era acima de tudo nosso amigo. A conversa ficou por ali e combinou-se que à noite, eles viriam a nossa casa, para fazermos o tratamento à senhora.
O dia passou-se tranquilamente e não mais se ouviu falar da saída dos Páras, nem do seu embarque. Após o jantar a Nazaré e eu fomos chamadas à 2ª companhia (sedeada em Belo Horizonte), a mesma que estava de prevenção, onde alguns militares apresentavam sintomas de paludismo.

Um avião DC-6 da Força Aérea estava a essa hora prestes a partir para Lisboa, com passageiros sem feridos ou doentes, pelo que nenhuma de nós previa viajar nesse voo. Acontece que um rádio chegado pouco tempo antes ao comando da Região Aérea, tinha entretanto dado instruções para embarcarmos com urgência nesse transporte a Nazaré e eu, ficando atrasada a hora de saída do DC-6 até ao nosso embarque.
O capitão pára-quedista Jerónimo Gonçalves dirigiu-se a nossa casa e tendo encontrado a Zulmira e a Lurdinhas, disse-lhes que “tínhamos que embarcar imediatamente no avião que aguardava a nossa chegada para partir” e informou-as de que “iríamos para a Índia”. Como ainda não tínhamos chegado o oficial saiu ao nosso encontro, enquanto as duas preparavam as nossas bagagens com algumas peças de roupa, umas a mais e outras a menos.
Daí a pouco chegámos nós nas calmas, muito longe de imaginar o que se estava a passar; ao vermos a Zulmira, excitadíssima, gritar-nos do alto da janela da pensão da dona Maximina, onde habitávamos, “despachem-se e subam depressa que têm que ir para a Índia”. Começámos a rir, pensando que elas nos estavam a pregar uma partida. Perante as malas de viagem prontas e as palavras do oficial é que ficámos convencidas e, tal como estávamos vestidas, despedimo-nos apressadamente sem tempo sequer para ver as roupas que nos tinham emalado, para um clima que não conhecíamos.
Na saída deparámo-nos com o senhor Coronel Magro, que vinha com a esposa levar a injecção; vendo todo aquele aparato e a nossa pressa interpelou-nos, acabando por saber naquele momento o nosso destino. Escusado será dizer que o senhor ficou perplexo, visto ser um dos comandantes da Região Aérea, mas como o rádio tinha chegado fora do horário normal, não tinha dele conhecimento. Despediu-se de nós, desejando-nos que a missão decorresse bem e ainda brincou acerca da conversa que tínhamos tido de manhã.
A pressa foi tanta que, chegadas à placa, entregámos as malas ao oficial responsável pela carga de embarque de passageiros e muito lestas nos vimos dentro do avião, sem que o restante pessoal se apercebesse. Foi o capº. Jerónimo Gonçalves quem comunicou ao Senhor General Resende que já estávamos a bordo, a aguardar pelos restantes passageiros; O Gen. Resende era o responsável máximo da Força Aérea em Angola e possivelmente teria recebido a comunicação directa de Lisboa, tendo-se deslocado propositadamente ao aeroporto, para se despedir de nós. Pedimos desculpa pelo lapso e despedimo-nos do Senhor General, com certa estranheza, dado o insólito da situação.
No decurso da viagem para Lisboa comentámos entre nós, que não levávamos nenhum dinheiro nem roupa quente. Íamos com um vestido leve e de manga curta, dado que naquela data em Angola era verão e na metrópole inverno. Depois de quase vinte horas de viagem, com escalas em S. Tomé e na Guiné, chegámos ao aeroporto da Portela cerca das dezassete horas, com um dia gélido, de apenas quatro graus, segundo nos disseram.
Esperavam-nos o Senhor Coronel Kaúlza de Arriaga, Secretário de Estado da Aeronáutica e esposa a Senhora Dona Mª do Carmo Arriaga. Acompanhavam-no o seu chefe de gabinete, Tenente-coronel Troni e um dos oficiais às ordens, o Alferes Francisco Pinto Balsemão; o outro era o Alferes Francisco Vanzeller, que nós também já conhecíamos.
Pensávamos que teríamos tempo de arranjar alguma roupa mais apropriada, mas enganámo-nos. Fomos de imediato com o alferes Balsemão à Embaixada do Paquistão, para tratar do passaporte e do visto, sendo entretanto informadas de que iríamos para Carachi.
Um funcionário da Embaixada pediu-me mesmo se eu não me importava de levar uma encomenda com um relógio de pulso, um presente para a mulher - que se encontrava na parte oriental do Paquistão – a quem eu podia enviar a encomenda directamente do aeroporto de Carachi. Aceitei fazer esse favor ao senhor e fiquei com a encomenda.
Terminadas estas formalidades o alferes levou-nos de seguida para o local onde íamos jantar e entregou-me um envelope com dólares, para as nossas despesas, com a recomendação de que não levássemos nada que nos pudesse identificar como militares e que estivéssemos de novo no aeroporto às vinte e uma horas, para seguirmos viagem a bordo de um avião da TAP (um Super Constellation).
Após essas diligências dirigimo-nos ao Lar das enfermeiras do Hospital de Santa Maria, onde tínhamos trabalhado, e de onde tínhamos saído poucos meses antes. Ali jantámos, revemos colegas, arranjámos roupa adequada para a época e aproveitámos para telefonar à família, sem lhes darmos conta do porquê da nossa vinda e do destino seguinte. Inventámos para todos, que tínhamos vindo trazer doentes, mas por sermos poucas e haver necessidade de voltar, partiríamos de novo após o jantar, não dando tempo para uma visita. A minha família vivia em Setúbal mas, morando a da Nazaré na capital, mesmo assim ela não os foi visitar, tal “o secretismo”.
Todos acreditaram, mas umas amigas mais próximas fizeram questão de nos levar ao aeroporto e aí se despedirem. Esperava-nos o Ten-coronel Troni, que ao ver as acompanhantes disse “que já não embarcávamos, mas que tínhamos que ir com ele”. Não percebemos na altura essa mudança brusca de procedimento. Afinal fomos para ali ao lado, ao aeroporto militar de Figo Maduro. Foi a maneira das nossas amigas regressaram sem nós, não tendo desconfiado de nada.
Fomos então informadas do conteúdo da missão. Íamos para o Paquistão Ocidental para a cidade de Carachi, onde já se encontravam há alguns dias as nossas colegas a Mª do Céu e Mª Ivone, que estavam muito cansadas; nós íamos revezá-las no seu trabalho, como reforço, no acompanhamento de mulheres e crianças, famílias de militares a prestar serviço nesse território, que estavam a ser retiradas, de Goa, através da ponte aérea assegurada pelos TAIP e posteriormente evacuadas para Lisboa pelos aviões da TAP. Estavam nessa missão o chefe da mesma, um representante do nosso Ministério do Ultramar, o Dr. Espinheira, o Major médico da Força Aérea, Dr. Fernandes Tender e o sº. Rodrigues, Relações Públicas da TAP.
O Aeródromo Base nº1 de Figo Maduro, estava em silêncio e pouco iluminado, o que estranhámos; o avião da TAP mantinha-se ali, imobilizado, parecendo que esperava por algo para ser posto em marcha e rolar para a pista. Pouco depois apareceu o Chefe do Estado Maior da Força Aérea, General Mira Delgado, que nos veio desejar boa viagem; ficámos um pouco curiosas e apreensivas perante tanta despedida e votos para que tudo corresse pelo melhor.

Legenda:Avião dos TAIP

Foto:Cortesia do Blog camabatelaemagia.blogspot

Colocaram-nos na zona da 1ª classe do avião, comunicando-nos que qualquer pergunta do pessoal de bordo sobre a nossa presença deveria ser remetida para o piloto, comandante Magro (que viemos a saber posteriormente ser irmão do Coronel que estava em Luanda). Fomos informadas de que só sairíamos, definitivamente, em Carachi.
Passado pouco tempo sentaram-se atrás de nós cinco ou seis homens trajando à civil; soubemos mais tarde tratar-se de oficiais e sargentos do nosso exército, da arma de engenharia, enviados à pressa nessa missão. Ouvimos o ruído de um carro, que pude divisar da janela do avião, um carro grande, com capota de lona vi encostar ao avião, não tendo conseguido detectar mais pormenores. Passado pouco tempo arrancámos para a placa do estacionamento do aeroporto, para a entrada do pessoal de cabine, duas hospedeiras e um comissário de bordo que, penso eu, só nesse momento souberam para onde iam voar, porque nos perguntaram pelos bilhetes; respondi-lhes que perguntassem ao comandante o avião.
Por volta das onze da noite locais descolámos rumo ao nosso destino. Nessa altura, disse à Nazaré: “Com todo este aparato, achas que nos vai acontecer alguma coisa? Uma das hospedeiras deu-nos cobertores para nos taparmos e dois banquinhos para descanso das pernas, pois a viagem ia ser longa e nós, poucas horas antes, tínhamos chegado dum local bem distante. Dormimos tranquilamente algum tempo, até porque estávamos muito cansadas e havia que recuperar forças para o que viesse.
Recordo-me que quando acordei para não mais dormir até à chegada no outro dia já de noite, talvez por volta das vinte horas locais, ter sobrevoado as costas da Itália, Grécia, Turquia, as Ilhas de Rodes e Chipre, até fazermos a primeira paragem no Líbano, na cidade de Beirute, onde almoçámos e o avião foi reabastecido.
Toda aquela vista aérea me encantou, pois foi feita com condições atmosféricas favoráveis e o mar mediterrâneo por baixo de nós, de tons de verde e azul, fascinou-me. A aproximação ao Líbano mostrava-nos uma cidade que me parecia ser linda. Não deu na ida para a apreciarmos, mas na vinda pudemos visitá-la. Ao sairmos para o restaurante reparámos então no avião seguiam umas dezenas de rapazes, que tinham em comum peças de vestuário iguais: nuns, eram as camisas, noutros as gravatas, ou sapatos e até as meias. Não nos foi difícil de adivinhar que se tratava de militares.
A vida é um misto de acasos e emoções. Aconteceu que na nossa mesa se sentou, entre outros, um jovem que na minha frente me olhava, parecendo rebuscar na sua memória a minha fisionomia, para chegar à conclusão de onde me conhecia. Porém, eu com a minha memória de elefante, que afirmam que tenho, reconheci-o de imediato. Comíamos em silêncio, quando o rapaz mete conversa e me diz conhecer-me, embora não se lembre donde. Sorri nessa altura e perguntei-lhe se não tinha uma cicatriz, por cima do ombro direito, respondendo-me afirmativamente, muito espantado.
De repente, exclama “Srª enfermeira Lopes Pereira, o que faz aqui no meio de nós?” ao que lhe respondi, que ia no mesmo passeio turístico que ele. Ficou espantado e de repente começou a falar do que os jornais tinham noticiado sobre as primeiras mulheres pára-quedistas e eu pedi-lhe que se calasse. Tinha estado internado no meu serviço no Hospital de Santa Maria, meses antes de ir para a tropa e por esse facto, estava muito presente na minha memória.
Despedi-me dele em Carachi; continuou viagem para Goa, ficou prisioneiro e nunca mais o vi. Prestes a chegarmos ao Paquistão o comandante mandou avisar-me que possivelmente teria que seguir directamente para Goa e assim sendo, não nos deixava em Carachi. Eu como mais antiga, era a interlocutora, respondendo que as ordens que recebera eram para ficar ali e não noutro lado.
Não sabíamos o que se estava a passar mas o comandante, via rádio, sabia que o assalto ao aeroporto podia estar eminente. A invasão já tinha começado e o avião dos TAIP, que deveria estar em Carachi, para fazer o transporte do material de guerra e os militares para Goa, que connosco tinham viajado, não tinha conseguido sair, pelo que o nosso avião fez uma paragem técnica. O pessoal saiu para comer e voltar para continuar a viagem. Nós ficámos em Carachi e, talvez por volta da meia-noite, soubemos que o aeroporto em Goa tinha sido bombardeado; desconhecíamos o que acontecera ao avião e a todos os que iam a bordo, incluindo a tripulação.

Legenda:Aeroporto de Goa

Foto:Cortesia do Blogestosdecoleccao.blogspot.com/

Na viagem até Carachi fomos muito bem tratadas pelo pessoal de cabine, de cujos nomes tenho pena de não me recordar. O comissário de bordo, ao conversar connosco, contou-nos que era casado e que esperava ser pai do primeiro filho, pois a mulher estava grávida de seis meses. Quando se soube que o bombardeamento tinha sido no desembarque em Goa, as palavras do comissário não me saíam do pensamento, embora estivesse preocupada com todos os que iam naquele avião, com menos sorte que nós.
Ninguém no grupo sabia da missão, que aquele avião ia chegar e o que transportava. Carachi era uma cidade de espionagem intensa e estava em guerra há anos com a União Indiana, por integração do território de Caxemira, cuja posse ambos reivindicavam. Se o governo indiano soubesse desta missão, da ajuda e das facilidades de manobra que o governo paquistanês nos tinha concedido, por certo nos teriam abatido, daí todo o grande secretismo à volta deste voo.
A Mª do Céu quando viu chegar o avião e este se imobilizou, disse ao Dr. Tender: “parece a Mª Arminda que vem ali à janela, mas não pode ser, porque ela está, em Angola”. Foi um espanto para todos a nossa chegada - os homens pareciam pertencer a grupos desportivos, até transportavam alguns sacos de rede com bolas, o que eu e a Nazaré não tínhamos visto, na paragem em Beirute e ficámos espantadas e convictas de que se tratava de uma missão secreta.
Aquela noite foi um pesadelo, não nos deitámos, apesar do alojamento disponibilizado ser nas instalações do aeroporto, num piso térreo, que as várias companhias estrangeiras que nele operavam tinham para descanso das tripulações. O nosso era da Companhia da KLM. Apesar de muito cansadas permanecemos por ali a fim de sabermos mais algumas informações através dos paquistaneses, porque de Lisboa ainda menos se sabia e de Goa, nem pensar. Mais nada se soube e foi com forte angústia que por ali fomos ficando, em alerta a novos acontecimentos.
Entretanto encontrava-se ali estacionado outro avião da TAP que iria transportar algumas crianças e as últimas mulheres e que aguardava partida para Lisboa; entre elas estava uma grávida, em fim de gestação. Foi decidido que seguiriam nesse voo a Céu e a Ivone e que ficaríamos nós, Nazaré e eu. com os restantes elementos da missão, até chegarem ordens de Lisboa. A ansiedade que nos tomou, também tomou a parturiente, que começou a dar sinais evidentes de que o parto podia ocorrer a qualquer momento - o que teria acontecido, se o avião tivesse ido para o ar. Foi de imediato acompanhada pela Mª do Céu e internada numa clínica obstétrica local, tendo nascido uma menina. O pai, um sargento enfermeiro do exército, foi, como todos os outros militares, feito prisioneiro e só veio a conhecê-la, meses depois, quando da sua libertação.
No dia seguinte continuávamos sem notícias, nem de Goa nem de Lisboa. Nessa tarde o Dr. Tender foi confrontado com telefonemas anónimos, em que o interlocutor perguntava se ele era militar, bem como o restante grupo. Essa ocorrência deixou-nos a todos um pouco apreensivos, pois tínhamos sabido que algum tempo antes uma hospedeira da TWA tinha sido assassinada. Quando o avião estava prestes a sair, o comandante foi avisado de que deveria aguardar, porque estavam a caminho dois aviões, que conseguiram descolar de Goa, em condições muito desfavoráveis e escapar ao controle dos radares indianos.
Foi com grande alegria que vimos chegar a tripulação, com o avião que nos transportara, bem como o dos TAIP, que não tinha podido anteriormente descolar de Goa, trazendo o pessoal civil que trabalhava no aeroporto e o director da Emissora de Goa. Com os novos acontecimentos ficámos todos em Carachi, até a senhora ter alta; no dia vinte à tardinha, o avião dos TAIP (ainda com marcas dos estilhaços de bombas) iniciou a viagem de regresso, transportando-nos a nós e a todas as pessoas que tinham conseguido fugir, as restantes mulheres e crianças e a nossa nova passageira recém-nascida.

Legenda:COCKPIT DC-4

Foto: Cortesia do Blog fotolog.terra


O avião da TAP ficou no aeroporto, para reparação, tinha sofrido mais estilhaços que o nosso. O que nos trouxe, pilotado pelo comandante Solano de Almeida, era um DC4, muito mais lento, um quadrimotor a hélice, enquanto a primeira aeronave era turbo-hélice e mais rápido. Soubemos de imediato, que seria uma viagem muito mais demorada e com escalas pelo meio. Preocupava-nos além dos condicionalismos existentes, o bem-estar de todos os que estavam a bordo, até porque alguns dos passageiros estavam psicologicamente abalados. Tinham embarcado à pressa, apenas com a roupa que traziam na altura vestida. Acima de tudo preocupava-nos a recém-nascida e a sua mãe. Passámos desde então a assumir o papel de enfermeiras hospedeiras, o que teve a virtude de nos trazer distraídas e ocupadas.
Saímos na noite do dia vinte e a primeira paragem foi na Síria, em Damasco, apenas para reabastecimento; daí seguimos para o Líbano rumo à cidade de Beirute, onde pernoitámos, sobretudo para descanso da tripulação, que era única para toda a viagem. Este percurso, segundo o que os pilotos nos disseram, foi mais demorado porque o avião tinha que subir lentamente acima dos montes da cordilheira do Líbano, que separa este país da Síria, não sendo as condições as mais favoráveis, pelo que teve que subir em espiral até atingir a altitude de segurança.
No dia seguinte, vinte e um à noite, descolámos para mais um percurso; mas a paragem na cidade de Beirute tinha-me permitido visitá-la, pois era linda e com duas zonas distintas: uma parte mais antiga, no centro, e outra, nova, de enormes edifícios, que lhe valeu pela sua imponência a designação da “Riviera do Oriente”.
Aterrámos em Beirute já era escuro, com mau tempo e chuva intensa; e foi debaixo desta, que a Nazaré e eu deixámos o hotel onde estávamos alojados e procurámos uma farmácia próxima para comprar, material de penso a fim de tratarmos o cordão umbilical da bebé, que ainda não tinha caído. Escusado será dizer que sem qualquer protecção e a água a entrar no pescoço e a sair nos calcanhares, nos deixou molhadas até aos ossos, mas foi por uma boa causa.
Aproximava-se o Natal e a cidade com enfeites alusivos ao mesmo, com cedros e pinheiros de montanha, fascinou-me. Actualmente e com o grau de destruição que caiu sobre a mesma, a paisagem deve ser muito diferente e alguns daqueles imponentes edifícios da zona moderna, penso que foram em parte destruídos nos conflitos mais recentes, a avaliar palas imagens televisivas que nos têm sido mostradas nos últimos anos.
Na permanência em Carachi, também fui, mas sozinha, ao centro da cidade, tendo utilizado um riquechó, tipo lambreta com capota de lona, onde o dono levava uma esteira. Era cerca do meio-dia e para meu desespero, chegou a um local onde se encontravam vários veículos iguais, mandou-me descer e apontou-me a zona para onde eu me deveria deslocar a pé. Dito isto, puxa pela esteira e virou-se ao que julguei ser para Meca e com os outros, ficou a fazer as suas orações.
Eu ficara num local onde se situavam os Bancos e assim vestida à ocidental a cruzar-me com os naturais, as mulheres de saris e lenços na cabeça, os homens de calças largas e de turbantes, fizeram-me ter algum receio, até porque me veio ao pensamento a história da hospedeira raptada e assassinada, anteriormente à nossa chegada.
Achei a cidade suja; uns vendedores ambulantes nuns carros do tipo dos da venda de castanhas em Portugal, comercializavam um caldo espécie de sopa, ao mesmo tempo que mascavam uma pasta encarnada, que muitas vezes cuspiam para o chão, o que me enojou fortemente e me fez retardar a saciação da fome, que começava a sentir. O trânsito era caótico, com carros sempre a apitar no meio de veículos motorizados, onde também passavam como meio de transporte, vacas e camelos. Uma verdadeira babilónia, que gostei de apreciar, pela sua excentricidade.
A Nazaré aproveitou o dia para visitar uma religiosa sua amiga, que se encontrava num convento no deserto, a uns quilómetros de distância, tendo feito também só, o percurso num táxi que alugou no aeroporto. Finda a visita, a religiosa com outras Irmãs, veio trazê-la na sua viatura por receio e porque era preciso chamar da cidade, um novo transporte.
Na véspera à tarde ela e eu já tínhamos andado num táxi da marca Gogomobil, que era pequeníssimo, conduzido por um homem, muito alto e com um mau aspecto, que dizia saber onde ficava o convento, mas na realidade não sabia. Quando o vimos sair da estrada e meter para um bairro da periferia quase sem luz, onde os homens nas soleiras das portas e fumando os seus cachimbos, descansavam acompanhados de alguns camelos, começamos a ter receio de prosseguir a viagem. Estava prestes a anoitecer e o condutor por informação que outro lhe dera, dizia-nos que esse convento ficava no meio do deserto. Pedimos-lhe então a conta e apanhamos outro carro, que ali estava e regressámos ao aeroporto, felizmente sem mais incidentes. Esta missão foi um misto de aventuras e emoções, mas ainda não tinha terminado.
Descolámos então de Beirute, no dia vinte e um de manhã, desejosos de chegar a Lisboa; nesse percurso apanhámos tanta turbulência que julgávamos que o avião ia cair. Alguns passageiros começaram a ficar assustados e o nosso médico, o Dr. Tender, quase que desmaiou. O susto por que passámos foi tão grande, que resolvemos fazer o baptismo da menina, “sob condição”, fórmula existente na Igreja Católica para situações de urgência, como morte iminente, não invalidando um baptismo, a posteriori, por um sacerdote. A menina a partir daquele momento foi por nós, considerada nossa afilhada.
Após muitas horas de voo, aterrámos debaixo de chuva intensa em Palma de Maiorca, conscientes do perigo que tínhamos corrido, sabendo dos buracos feitos pelos estilhaços na fuselagem do avião na sequência do bombardeamento do aeroporto de Goa. Na viagem um dos tripulantes de nome Vinhas, com quem mais tarde viemos a contactar de perto e com quem voámos muitas vezes, porque era um navegador da Força Aérea, mostrou-nos um estilhaço de uma das bombas lançadas, que tinha apanhado antes de fugir.
Nessa noite pernoitámos na ilha, de onde saímos no dia seguinte, vinte e dois, com um sol radioso, que nos permitiu desfrutar a linda vista aérea e nos animou o espírito. Lisboa estava mais próxima e até já sentíamos o cheiro do Natal.
No final desse dia, avistámos a nossa capital e todos nos animámos; porém, ao sairmos do avião fiquei impressionada com o mar de gente que aguardava a nossa chegada, na ânsia de saberem mais notícias dos acontecimentos e de familiares que tinham sido feitos prisioneiros. A televisão mostrou no noticiário essa chegada e a minha família viu-me aparecer na saída e desfez as dúvidas com que tinha ficado na semana anterior.
Quando em Portugal se soube da invasão dos nossos territórios na Índia, a minha cunhada, tinha dito para o meu irmão: “A tua irmã não voltou para Angola, foi de certeza para a Índia”. E tinha razão, foi por um acaso que não fui lá parar, porque talvez não tivesse tido a sorte de regressar.
Também em Angola, quando se soube do sucedido e o que acontecera ao nosso avião, a Zulmira e Lurdinhas, foram nessa tarde à igreja do Carmo mandar rezar uma missa pelas nossas almas, convencidas que tínhamos morrido nessa ocasião. Contaram-nos depois que a Zulmira dizia para a Lurdinhas, ”Como é que vai ser agora, que grande responsabilidade só ficámos as duas e ainda por cima perdemos as nossas grandes amigas”, respondendo a outra que haveriam de se arranjar; e choravam ambas copiosamente, até que o Dr. Varela - que as acompanhara - lhes disse que ia procurar saber mais notícias, para as tranquilizar; não era fácil, pois as notícias não chegavam a Luanda tão rapidamente, só pela comunicação oficial, por meio dos chamados “Rádios”.
Graças a Deus que cheguei a esta data para recordar todas as emoções vividas nessa missão, tendo todas nós sido condecoradas, pelo então Ministro do Ultramar, Professor Adriano Moreira, com o Grau de Cavaleiro de Benemerência. No dia seguinte depois de cumpridas as formalidades militares, fui à Baixa comprar um casaco por causa do frio, mas tinha dificuldade em caminhar a direito, parecia embriagada por efeito de tantas horas de voo.
No dia vinte e quatro passei no barco para o outro lado do Tejo e com a chuva a cair, vi partir a última camioneta que me levaria para Setúbal. Não podia ali ficar parada mais tempo naquele lamaçal, isto porque o cais de embarque de Cacilhas, era de terra batida. Felizmente apareceu um conterrâneo que estava nas mesmas condições, alugámos um táxi e dividimos a meias a despesa e cheguei a casa. Foi o melhor presente que tive: bater à porta dizer que era eu e não, o Pai Natal, abraçar os meus irmãos e festejar essa quadra com a minha família. Depois do Ano Novo, apanhei com a Nazaré outro avião, de regresso a Luanda.
Esta missão estava cumprida e foram muitas as que realizei ao longo de quase dez anos de vida militar, a maioria nos ex-territórios ultramarinos, de Angola, Guiné e Moçambique, entre outros.
Passados meses sobre a nossa missão, em Maio dá-se início ao repatriamento dos prisioneiros, tendo sido para eles uma eternidade o período em que ficaram privados da liberdade. Foram então nomeadas para essa nova missão, a Mª Zulmira, e a Mª Ivone que rumaram para Carachi. Porém, foi à Ivone que coube o papel de ir ao campo de prisioneiros, como hospedeira da companhia francesa da UAT e acompanhar, entre outros, o General Vassalo e Silva no seu regresso.
Começava outro capítulo da Nossa História Colonial. Tínhamos perdido os territórios do Estado da Índia, a nossa “Jóia do Império”, que tantas tormentas tinham dado aos nossos valorosos navegadores. Confesso que tive pena, nós ficámos mais pobres, sentimentalmente e culturalmente, foi uma perda que a muitos de nós deixou marcas, mas todos sabemos, não ter sido possível, pelas armas, virar os acontecimentos, a nosso favor.

“FOI O COMEÇO DO FIM, DA NOSSA EXPANSÃO ULTRAMARINA, NO ORIENTE E EM ÁFRICA E DO FIM DO NOSSO IMPÉRIO COLONIAL”.

Todos os anos, quando chega o dezoito de Dezembro, recordo e revivo esta missão sem nunca ter esquecido aquela criança, que hoje tem quarenta e nove anos. Algumas vezes perguntei à Ivone por ela e manifestei vontade, de a procurar. Por parte da Ivone tinha havido um contacto entre ambas, mas posteriormente, perdera-se. Nesta data, através de felizes acasos, a minha amiga e colega enfermeira pára-quedista Rosa Serra conseguiu o seu contacto e deu-mo. Finalmente sabia do seu paradeiro. Pude por isso falar-lhe, dar-lhe os parabéns, por mais este aniversário, saber que se chama Ivone Cruz, que é casada, tem uma filha e um filho e vive no Caramulo. A sua mãe já faleceu, mas o seu pai embora idoso, ainda vive.
Assim como eu sempre digo,” A VIDA É OS DIAS QUE NOS LEMBRAMOS”.
Espero que Deus me permita por mais alguns, lembrar-me desta data, que para muitos, foi dolorosa e lhe possa continuar a dar os parabéns.

Maria Arminda Santos

Ex: Tenente Enf. Pára-Quedista


Dados retirados da Net:

Pouco antes da invasão indiana do Estado Português da Índia, os TAIP foram utilizados para a evacuação de civis de Goa para Karachi. No dia da invasão (18 de Dezembro de 1961) encontrava-se no Aeroporto de Dabolim apenas um DC-4 dos TAIP que escapou, juntamente com um avião da TAP, ao bombardeamento que sofreu aquela instalação. Nessa noite a pista foi reparada permitindo aos dois aviões levantar voo para Karachi de onde seguiram para Lisboa. Acabou aí a operação dos TAIP
No dia 19 de Dezembro de 1961, Nehru rompe o não ao belicismo e envia forças armadas para o ataque aos três territórios: Goa, Damão e Diu. Estavam a caminho das eleições, e o seu partido esquerdista, estava atrás nas sondagens. Do lado de Portugal, Salazar queria jogar o papel de vítima, numa batalha perdida há muito. Às potências internacionais era-lhes interessante poder apontar o dedo moral a uma Índia não alinhada nas jogadas intercontinentais. Aviões bombardeiros E.E. Camberra arrasam a pista e danificam o DC-4 dos TAIP e o Superconstellation da TAP ali estacionados. Incrivelmente ambos os aviões conseguiram descolar enquanto os indianos permaneciam convencidos de terem interditado o aeroporto e de terem capturado por preempção de fuga as aeronaves. O Superconstellation (CS-TLA, “Vasco da Gama”,) da TAP, comandado por Manuel Correia Reis, copilotos Anselmo Ribeiro e Alcídio Nascimento, navegador P. Reis, mecânicos A. Coragem e H. Dias, radiotelegrafista A. Pereira, comissário Madeira e assistentes Prazeres e Carlota, descolou para Karachi usando apenas os 700 metros de pista disponível. Três horas depois aterrava com um pneu furado e 25 buracos, consequência dos estilhaços provocados pelo bombardeamento da aviação indiana à pista.
O Comandante Solano de Almeida pilotou o último voo efectivo dos TAIP, de Goa também para Karachi, capital do Paquistão na altura, em voo rasante ao solo para evitar a aviação inimiga, transportando as mulheres e crianças familiares dos militares portugueses.
De salientar que o ataque a Dabolim não teve justificação militar visto Portugal não ter ali um único meio aéreo que não fosse civil. A guerra saldou-se com 34 mortos e 57 feridos em combate para Portugal, 30 mortos e 57 feridos para a Índia. Uma infantaria de pouco mais de 3000 efectivos lutou durante dois dias contra uma força 10 vezes maior, e que dispunha de 22 caças e 20 bombardeiros como meios aéreos.
No geral, a recusa do militares em seguir a política de “terra queimada” imposta por Salazar, e lutar até á morte de todo o nosso contingente militar, fez com que se evitasse derramamento de sangue inútil e que a retirada de Portugal fosse para sempre vista como uma tragédia irresponsável e cruel.
A maior parte as potências ocidentais condenou o ataque Indiano, tanto por terem um passado colonialista, como por aproveitamento de minar a política de não-alinhamento de Nehru. O partido deste ganhou de facto as eleições, mas manchou a sua imagem, imaculada até então, de pacifista.

sábado, 29 de outubro de 2011

Voo 2546 QUEM SE LEMBRA DE TERRA CHÃ?





Fernando C. Branco
1ºsargº.MMT
Angra do Heroísmo - Terceira





AMIGOS,

NUNCA será demais, continuar a recordar-me de VÓS e TODOS os que fazem parte da VOSSA EXISTÊNCIA; que um "dia" terá o seu FIM...
Por intermédio de um Colega meu, tive a oportunidade de encontrar no meu local de trabalho um Livro Editado pela Junta de Freguesia da Terra Chã; (que certamente a muitos de VÓS; muito dirá)?!...

Pois o meu Colega de Nome JOSÉ GABRIEL MONIZ; conhecendo o meu passado pela FAP; teve a gentileza e prontidão de ofertar-me o dito...Comecei a lê-lo e a dada altura, encontrei duas páginas que a VÓS (muitos); felizmente
ou infelizmente diz-vos "alguma coisa"?!...

Um abraço e desta vez; não é a maresia; mas sim a RECORDAÇÃO; que vos envio...

Fernando Castelo Branco
















Voo 2545 REVIVENDO A BASE AÉREA nº12,BISSALANCA,GUINÉ.



Elmano Nunes
1ºSargº.PA
Lajes - Terceira



Segue Historia Ba12 - Reviver o passado.





VB: Bom Dia, Elmano.
Fazia algum tempo que não aterravas nesta base? Pensamos que os ventos fortes dos Açores não te permitissem a descolagem, mas felizmente cá te temos.
Bonitas fotos, vamos aguardar que alguns dos seus componentes se manifestem. É bom recordar e viver em franca e sã camaradagem.

Daqui te enviamos aquele fraterno abraço ESPECIAL.

Voo 2544 SEJAS BEM-VINDO,PAULO MORENO!




Fernando Moutinho
Cap.Pil.Av.
Alhandra




Bom dia Victor.

Gostaria de dar as boas vindas ao nosso novo companheiro, Paulo Moreno.
Na qualidade de sobrinho de Rodrigues Pereira devo dizer-lhe que fomos companheiros muitas vezes, até na Alemanha em Furstenfekdbruck.
Falava tantas vezes "quando estive em Fusty..." que a rapaziada começou a tratá-lo por Fursty...ele ria-se.
Na foto, em baixo é o segundo a partir da esquerda. logo a seguir ao Loureiro.


Legenda: A esqª 50. Da esq/dir,em pé: Pombo Rodrigues,(?)Velhinho, Valla, Moura Pinto, Lemos Ferreira, Tinoco, Moutinho, e Graça Faria.
Em baixo, mesma ordem: Lourenço, Rodrigues Pereira, Licínio Soares, Patrício, Cartaxo e Rego de Sousa.
Foto: Fernando Moutinho(direitos reservados)


Um abraço

Moutinho

Voos de Ligação:

Voo 2540 O mais novo tertuliano acaba de aterrar!

VB: Somos uma grande e abundante família!
O Fernando Moutinho de 51 a dar as boas vindas ao nosso “Piriquito” Paulo Moreno de 91!
A fotografia que nos remete, com mais de 50 anos(!!!) que certamente ainda vai fazer com que alguns camaradas nossos se vejam obrigados a libertar umas lágrimas, rolando suavemente pela face abaixo. Recorda-nos também o nosso Comandante da BA 12,Moura Pinto, que já partiu para o seu último voo. Excelente exemplo para alguns que ainda hoje nos olham de cima para baixo querendo esquecer um passado recente. Infelizmente para esses a história da sua passagem nesta família só conta para efeitos de reforma. É pena!

Voo 2543 OS NOSSOS HISTÓRICOS AVIADORES,ANTÓNIO LOBATO.


DIAS DE CORAGEM E AMIZADE

Nuno Tiago Pinto ouviu 50 testemunhos que fazem
parte deste livro e descreve os momentos maisdramáticos das suas experiências nos cenáriosda guerra colonial – Angola, Guiné e Moçambique.Relatos impressionantes, na primeira pessoa, decoragem e de amizade, de medo, heroísmo,desespero, de soldados, médicos, enfermeiras quecombateram em nome da pátria.









António Lobato
Maj.Pil.Av.
Algueirão - Sintra



Nunca Tinha saído de Portugal.Quando começaram a pedir voluntários para a Guiné , ofereci-me. Estávamos em 1961.Cheguei lá a 26 de Julho e não estava à espera do que lá fui encontrar. Depois de uma viagem de 11 horas, com paragem em Las Palmas, o avião fez escala em Bissalanca para me largar e a outro colega, antes de seguir para Cabo Verde. Na descida comecei a sentir um calor enorme e cheguei a pensar que o avião ia arder. Mas não. Era do clima. Lá em baixo o aeroporto era um bocado de asfalto no meio de capim com dois metros de altura. Estava escuro como breu e, além de uma casinha com uma suposta torre, não havia mais nada. Nem sequer aviões.
Meia hora depois de chegarmos lá apareceu um rapaz, radiotelegrafista, que só lá estava porque de vez em quando passavam por ali os P2V5 que saiam do Sal. Ele sabia que íamos chegar e foi buscar-nos num jipe.
Apresentou-se e levou-nos para Bissau. Só havia um hotel na cidade – que estava cheio, tal como todas as pensões porque o pessoal tinha saído todo do mato e queria ir embora. Acabamos por dormir num colchão no chão do quarto dele. No outro dia corremos a cidade à procura de outro sitio e não conseguimos nada.

À hora do almoço sentamo-nos no café Portugal a beber uma cerveja. Foi a primeira vez que vi uma de litro e meio. Estávamos a conversar quando um senhor que estava na mesa do lado nos interrompeu e perguntou se éramos da Força Aérea.”Ouvi a vossa conversa, estão aflitos?

”Quando acabarem de beber têm disponibilidade para vir comigo?”Dissemos que sim e seguimo-lo em direcção a uma vivenda ao cimo da avenida principal, onde ele nos explicou:”Sou reitor do liceu, mas vou-me embora para a semana. Já mandei a família para Portugal.”Deu-nos uma chave a cada um e foi assim que arranjamos alojamento. Ficamos ali uns dois ou três meses.
Depois fomos apresentar-nos ao palácio do governador. Como todas as semanas havia um avião para transportar as pessoas que queriam vir embora e não havia controlo, pediram-nos para tomar conta dos embarques. E assim foi. Havia quem nos oferecesse dinheiro para passar à frente das listas.
Recusávamos sempre e no final dos embarques íamos levar um saco cheio de notas ao palácio. Aquilo funcionou assim.
Passados três ou quatro meses lá apareceram dois aviões empacotados no porto de Bissau.
Como, entretanto, chegados dois mecânicos, combinamos ir buscar um para montar só com as ferramentas que eles tinham na mala. No final, faltava uma chave grande para montar o hélice. Fomos ás oficinas navais e o mecânico fez-lhes o desenho do que precisava e eles fizeram uma. Foi assim que começamos a voar para conhecer o território, porque as cartas que tínhamos não tinham cores.
Fomos nós que as colorimos com lápis.
Na época não tinha noção de que aquela seria uma guerra prolongada. Começou suavemente e foi aumentando. A 22 de Maio de 1963 sai para a operação Ilha do Como. Supostamente nem devia ter ido. Tinha chegado de Cabo Verde na tarde do dia anterior e entrei na sala de operações quando estava a haver um briefing. Como faltava um piloto ofereci-me para ir no lugar dele. Estava a um mês de acabar a minha comissão.
Ao chegar ao objectivo senti qualquer coisa no avião. Devo ter sido atingido por uma bala. Disse ao meu asa que ia sair dali e pedi-lhe que se pusesse debaixo de mim para ver se havia alguma coisa na zona do trem se aterragem. Foi o que ele fez. Mas quando temos outro avião por cima é preciso termos cuidado para não sermos sugados. Não sei se foi por falta de experiência, distracção ou apenas por estar a olhar para cima, mas, quando dei por isso, ele estava a passar-me à frente, encostado ao motor. O avião começou a tremer e tive que o desligar. Ainda lhe dei dois ou três gritos para que endireitasse o avião mas ele foi a pique e lá ficou.
Vi uma clareira e não me ejectei. Achei que era capaz de lá meter o avião. Aquilo era um campo de arroz e ao aterrar as saliências das metralhadoras e dos rockets encaixaram nos sulcos e as duas asas saltaram como se fossem arrancadas à mão . A fuselagem deu duas ou três cambalhotas e saí de lá ileso. Só tinha o relógio esmagado. Olhei à volta e vi um grupo de indígenas a uns 50 metros a olhar para mim, espantados. Fui direito a eles. Estavam todos de catanas na mão. Sabia que Catió era numa determinada direcção e perguntei se algum me podia indicar o caminho que, quando lá chegasse, lhes pagava.
No topo da clareira havia uma ladeia escondida. Caminhamos para lá a conversar.
Mas antes de chegarmos, levei uma catanada que me abriu a cabeça ao meio.
Sem dizerem mais nada caíram todos em cima de mim. Arranjei forças não sei como e consegui fugir para o mato. Ainda estive uns 10 minutos escondido.
Atei um lenço à cabeça para tirar o sangue dos olhos e fiquei à espera. Houve um que apareceu. Ficámos a olhar um para o outro. Eu peguei na minha faca de mato e levantei-a. Ele disse:”Dá a faca”Nestas alturas há alguma coisa que nos diz como devemos decidir. Sei que a virei e atirei-a. Ele deu um grito e lá veio a outra rapaziada toda. Saímos do meio das lianas e voltaram a dar-me uma serie de catanadas, uma delas nas costas. Ainda estão marcadas. Depois levaram-me para aldeia. Pelo caminho foram-me tirando a roupa, anéis, o fio que trazia ao pescoço. Estavam a preparar-se para me linchar quando chegaram dois guerrilheiros. Foi a minha sorte.
Mandaram-me sentar e perguntaram-me o que se tinha passado. Depois disseram-me para descansar porque íamos partir à noite. Antes quiseram saber se tinha fome. Mandaram os aldeões subir a uma mangueira e eles começaram a atirá-las cá para baixo. Nunca comi tantas mangas na vida. Foram dezenas. Tinha perdido imenso sangue. Logo depois, adormeci. Só acordei à noite, quando me chamaram. Andámos a pé uma semana até chegarmos à região onde estava o Nino Vieira, que era o comandante da zona sul. Ele disse-me que tinha tido sorte: a ordem do Amílcar Cabral para fazer prisioneiros só tinha chegado há 15 dias. De qualquer forma tinha poder para me fazer o que quisesse.
Perguntou-me:
“Tens família?”
“Tenho”
“Queres escrever-lhes uma carta?”
“Para quê? Isto nunca mais lá chega.”
“Como quiseres.”

Depois tirou um bocado de papel e uma caneta e deu-mas.
A minha mulher tinha vindo para a Guiné em 1962 e resolvi escrever-lhe umas oito linhas a dizer-lhe:”Não te preocupes que qualquer dia volto.”E um mês depois ela recebeu-a.Por volta das 22h00,um guerrilheiro entrou-lhe em casa.em Bissau, cansadíssimo. Perguntou-lhe se tinha leite, bebeu uns dois litros e entregou-lhe a carta.
Nessa altura já devia de estar na Guiné-Conacry.Fui num barco que eles apanharam à Casa do Comércio,o Bandim; para Vitória. Estava lá um curandeiro que decidiu tratar-me. Tirou-me o lenço e lavou-me com álcool ou qualquer coisa parecida porque isto nunca mais sangrou.Nas costas ainda tinha um golpe aberto por uma catanada. Disse-me:”Vamos coser isto”Deitou-me numa marquesa e deu-me uma garrafa de vinho para custar menos. Bebi. Era bom,português.Ele lá me coseu com uma agulha de coser sacos.
Chega-se a um ponto na dor em que em já não se sente nada, passa-se para o outro lado. O certo é que aquilo resultou. Nem sequer infectou.

Levaram-me para Conacry,onde chegamos a um domingo. Estava tudo fechado.Passei a noite numa cela imunda do comissário da policia e só no dia seguinte me foram buscar para responder a umas perguntas. Queriam que fosse à rádio Argel dizer que aquela era uma guerra injusta e não sei que mais. Prometeram-me que ia para um país de Leste e tudo.Dissequenão.Identifiquei-me e pronto. Fiquei ali mais 15 dias até me meterem num carro e arrancarmos para a prisão de Kindia,150 Km para o interior,onde fiquei os seis anos seguintes.



Estava numa cela de três metros por dois. Sozinho. Comecei logo a planear uma fuga. Anos depois, graças a um guineense, cheguei a ter três ferros da grade cortados. Ele era funcionário do tesouro antes da independência e depois continuou nas mesmas funções. Só que em vez de mandar o dinheiro para as contas da Guiné,em França, mandava para a dele. Ele tinha estado no Brasil e falava português.Odiava aquela gente toda. Através da mulher, que ia visitá-lo de 15 em 15 dias,ofereceu-se para enviar notícias para cá. Conseguiu passar-me papel e lápis por baixo da porta e eu escrevi. As cartas iam para uma irmã dele na Guiana Francesa e dai para Portugal.
Acabei por receber um livro que pedi à minha mulher,fiz um código com base nele – uma página era uma letra – e continuei a mandar informações. A mulher trouxe-me uma serra de cortar ferro e estive meses a cortar as barras, à noite, até ser apanhado.

Aquilo tinha 400 prisioneiros de delito comum, que faziam trabalhos forçados todos os dias. Nunca lá entrou um médico. Eu era o único branco.


Ao fim de dois anos comecei a ir ao recreio por uma hora, mas sozinho. Nunca me bateram, nem mesmo quando me apanharam a tentar fugir. Insultaram-me e mais nada. Até quando as nossas tropas entraram na GuinéConacry foi lá um ministro que mandou abrir a porta, mas só para me insultar. A certa altura chegou um soldado português que, ao fim de um ano e meio foi libertado através da Cruz Vermelha. Quando voltou a Portugal disse à minha mulher que nunca mais de lá saia porque dizia que, quando isso acontecesse, os bombardeava. Não eranada,mas ele disse isso.

Depois chegaram mais dois, que ficaram comigo um ano.Nos primeiros tempos não podíamos falar. Eles estavam numa cela e eu noutra. Fazíamos sinais. Quando passaram a deixar-nos ir juntos ao recreio comecei a planear uma fuga.Isto ao fim de seis anos. Começámos a ver que havia certas rotinas. Os guardas deixavam a cela aberta para um pátio e à noite havia um grupo que ao dar-nos o prato de arroz nem olhava lá para dentro. Um dia não voltámos à cela. Entrámos para dentro de um depósito de água e ficámos à espera da hora da prece – quando também começava a anoitecer.
Nessa altura dali para fora e oito dias pelo mato a alimentar-nos de tudo o que aparecia. Uma noite, tivemos que andar um bocado pela estrada porque não tínhamos outra hipótese. Meia dúzia de depois apareceram uns enormes, sem armas, todos vestidos de branco, de saia até aos pés. Eram Fulas.

Portuguesi?”
“Não.”
Ahhh portuguesi.Vamos embora.”
Não.Não.”
Ahh portuguesi,está tudo bem.”

Chegamos a uma aldeia e nem se preocuparam connosco.Foram rezar e as mulheres encheram umas cabaças de arroz e carne. Chamaram-nos para comer e nós lá fomos. Depois levaram-nos para uma cidade onde havia polícia. O militar perguntou-nos:”Vocês fugiram,tudo bem é esse o dever de um prisioneiro. Não há problema.Mas vão ter de me dizer como conseguiram.”Respondi-lhe que era “mezinha de branco”.Até hoje não sabem como.

Quando à prisão,tinha o director na minha cela.Estava ali porque se eu não aparecesse ele tomava o meu lugar.Era assim.Passados uns dias os homens do PAIGC levaram-nos paraConacry,onde estavam mais de nossos.Se não tivéssemos tentado escapar se calhar não tínhamos ido para lá e acabávamos por não ser libertados:A Operação Mar Verde foi nesse ano.


A altas horas da noite começamos a ouvir tiroteio que se afastava e aproximava. A dada altura caiu uma bujarda em cima da prisão. Deitei-me encostado à parede até alguém abrir um rombo na parede e gritar:”Lobato”.Era o tenente fuzileiro Cunha e Silva. O instinto fica tão apurado que parece vemos e advínhamos tudo .Perguntou-me pelos outros que estavam na outra ponta da prisão. Foram buscá-los e direito aos barcos.



Quando cheguei a Portugal só pude ver a família passado oito dias. Fui levado para Caxias e fiquei guardado por dois pides. Não se podia divulgar que tínhamos estado em território -Conacry. Antes de ir à televisão tive de assinar um papel a comprometer-me a dizer que tínhamos fugido. Os ministros foram ver a gravação e depois de confirmarem que estava tudo bem é que me deixaram ver a minha mulher. Tinham passado mais de sete anos.

VB: Bom Dia.
Depois de reposta a anomalia que condicionou o tráfego nesta base,mais uma vez o nosso pedido de desculpa pelo facto.