quinta-feira, 14 de junho de 2007

VOO 015 - Terá valido a pena?

Aprendi com os africanos que nós europeus, por mais que tenhamos de África, se comparado com eles, não passamos de convidados.

Cheguei a África pela mão dos dirigentes da altura, que por teimosia ou por cegueira, não souberam ler os sinais do tempo, envolvendo-se num conflito, que alimentou ódios infundados.
Homens bons fazem coisas más devido ás circunstâncias.
Em Angola conheci um povo que lutava em busca do bem mais precioso do ser humano, a DIGNIDADE.

Vi esse povo em liberdade.
Vi-o ser atraiçoado por alguns dos seus dirigentes.
Interrogo-me se terá valido a pena?

Para eles e para nós?

A leste o Sol timidamente confundia-se com a copa das árvores, o Nordatlas rolava na máxima velocidade na pista do luso, enquanto os cinco Alouettes com os rotores a rodar, aguardavam autorização para deixar a placa.

O Nord voava entre os quinhentos e os seiscentos pés de altitude, rumo ao sul em direcção a Neriquinha e Luina, aqui e ali gazelas e burros do mato fugiam à aproximação do avião, um bando de babuínos corria através do capim para a protecção das árvores, os mais velhos arrastavam os juvenis pela mão, comparável ao comportamento dos humanos.

Dentro da cabine do Nord as atenções voltaram-se para o 1º Sargº. Radiotelegrafista, quando anunciou ter interceptado uma vaga mensagem sobre um acidente com dois hélios.

Em Nerequinha, através do destacamento da FAP as informações eram mais concretas.

Dos cinco Alouettes que levantaram do Luso em direcção ao Cazombo, um deles poisou com problemas técnicos, os restantes mantiveram-se no ar, voando em circulo.

Uma manobras errada provocou a queda de dois aparelhos e a morte dos cinco tripulantes.

Pessoalmente não conhecia as tripulações dos Hélis envolvidos no acidente, mais tarde vi a saber que um dos acidentados era cabo especialista, electricista de aviões, de nome Canhoto, chegado há pouco tempo a Angola.
A caminho de Luiana, sentado atrás da cadeira do 2ºpiloto olhava através da vigia do lado direito a paisagem passar rapidamente, não sentia revolta nem intimidação, calmamente reflectia nos perigos a que estávamos expostos.

Sentados à volta de uma mesa redonda, usufruíamos o fresco que a ampla palhota redonda construída em colmo proporcionava, uma travessa com bifes de javali, batatas fritas, pão e um jarro de vinho, constituíam a ementa que os companheiros do exército de uma forma exemplar ofereciam ás tripulações dos Nord.

Em média o avião deslocava-se duas vezes por mês a Luiana.

Extra mantimentos militares, havia a entrega de encomendas pessoais, fotografias reveladas, novos rolos fotográficos, revistas álcool, e um sem numero de coisas inacessíveis a quem estava a centenas de quilómetros, onde estes produtos normalmente se obtêm.

Eram momentos de confraternização e troca de impressões sobre a questão do conflito.

Era um dado adquirido a presença de grupos permanentes ou de passagem do MPLA ou UNITA que frequentavam os mesmos terrenos de caça, tacitamente evitavam encontrar-se.

Figuras de primeiro plano, durante o conflito além-mar 1961/74,todos nós com maior ou menor intensidade, fomos tocados pelo drama e pela magia de África.

Somos marcos do fim de uma época, iniciada no século XV.

Muito há para contar, é razoável que sejamos nós a relatá-los evitando que outros por desconhecimento ou má fé os deturpem.

Joaquim Maurício
Melec/Av./Inst. 3/69

Sem comentários:

Enviar um comentário