segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

AINDA O AB 1 NOS ANOS 60!












103-Mensagem do João Coelho

MMA

2ª/63















Foto da Caderneta Militar do João Coelho






Amigo Barata, vamos então com mais recordações dos idos de 60...A vida no AB 1, se esquecermos o cap. Infante do Carmo, ( que Deus o tenha ) decorria com tranquilidade, naqueles anos de 63 e 64, numa rotina mais ou menos igual; chegada e partida dos TAM, manutenção dos aviões, escala de serviço, gozo dos fins de semana.De vez em quando, acontecia qualquer coisa que quebrava a ronceirice..Por exemplo, quando o Batalha, furriel OCART, fazia treta...Alentejano, de Beja, grande companheiro, amigo do petisco e do copo, tinha por hábito acabar as noites no bar dos Bombeiros daPortela.Conversa puxa conversa, ficava no paleio com o barman e, para não deixar o assunto pelo meio, " palravam " mesmo depois do encerramento do bar...e foi assim que uma bela manhâ, ao acordarmos, damos com um novo "camarada": o homem do bar dormindo numa das nossas camas..de casaco branco, lacinho e calças pretas, sem cobertor, muito esticado,barriga pra cima, deve ter adormecido logo que caiu na cama... trazido pelo Batalha que depois nos dizia que, dado o adiantado da hora, já não havia autocarros, tinha tido pena do homem e acabara por o abrigar nos nossos aposentos..Este Batalha, que era de facto uma figura - não havia nada que o aborrecesse, nada que chateasse aquela alma - traz-me à memória um outro OCART, o Gil - encontrei-o há dias no Colombo, "pastando" os netos - que, já como civil, na Torre do Aeroporto de Ponta Delgada,recebeu um voo da Força Aérea americana, versão militar do"Stratocruiser", um matacão quadrimotor, com dois ou três andares, que trazia uma nova espécie de peixe para largar na lagoa das Furnas, em S. Miguel ( os camones das Lajes gostavam de vir pescar aos fins desemana naquela lagoa ) . A pista era recente, aquele tipo de avião estreava-se ali, e o piloto, apesar do tempo óptimo, não devia estar muito à vontade...Pergunta ao Gil o comprimento da pista, os ventos,mais isto e mais aquilo, faz uma passagem, dá a volta, nova passagem,mais perguntas ao Gil, até que decide vir para o chão - não sem antes demandar, de novo, o controlador... se estava tudo OK, se achava que não havia problema... e aí o Gil não se aguentou, e diz-lhe " porra,aterra que logo vês...! " .. e correu tudo bem..Voltando ao AB 1, as nossas camaratas, em 64, ficavam relativamente próximas de um dos cabeços da pista, no lado nascente, de Camarate, e eram um bocado rudimentares, umas paredezitas com telhado de zinco..Já estàvamos habituados ao som dos aviões - quer os da FAP, que vinham ensaiar os motores depois da manutenção numa zona perto de nós, quer dos Caravelle e Super Constellation ( os famosos "trimotores", já que era frequente parar um dos 4 motores ) da TAP, quer dos Boeing e DC-8estrangeiros que aterravam ou descolavam...Até nos embalava, aquela "música ".Mas eis que, numa madrugada, já tudo ferrado no sono, Jesus, Maria,José! o que é isto, o tecto estremecia, as chapas pareciam ir voar, o pessoal salta das camas, tudo prá rua, um som terrível e uma ventania de temporal..! e ainda vimos um avião a terminar a volta que tinha dado, no chão, ali ao lado.. Explicação: era a primeira escala emLisboa de um VC - 10, da BOAC ( antecessora da British Airways ) um aparelho que tinha os 4 reactores na cauda, em jogos de dois de cada lado..e que puxara pelos motores ali, junto às nossas "tabancas"...No meu trabalho, na Secção Técnica, a produtividade era grande:desenhos ( até do emblema do AB 1, em tamanho grande - as ondas do mar, a Torre de Belém, um avião em voo - para uma festa onde veio cantar a Mara Abrantes, casada com um oficial paraquedista ) cópias de plantas, impressão das OS da Base, enfim, foi necessário mais pessoal.Primeiro, chegou outro MMA, o Laureano, de Pero Pinheiro e, a seguir,um cabo SG, com um nome estranho, Paiágua, dois bons camaradas de quem nunca mais soube nada para minha pena.Em dada altura, aparece-me o Cap.Pil.Av. Victor Campos, Oficial deSegurança de Voo dos TAM, trazia uma pergunta: seria possível fazer um Manual de Segurança de Voo dos DC-6 na Secção Técnica? ( por incrível que possa parecer hoje, não existia nenhum documento do tipo, em português ) Disse-lhe que sim, pela minha parte faria o possível para o ajudar. E assim foi, durante alguns meses, demos o litro, no fim fez-se um pequeno livro, cheio de explicações, ilustrado, e que foi depois distribuído pelas tripulações, pessoal de terra e serviços de emergência.Este trabalho tinha uma componente interessante, já que, não existindo todo o equipamento necessário no AB 1, tinhamos de ir a Tancos e a Alverca, com frequência, usar as máquinas que lá tinham...o que significava sair no "Broussard" - um monomotor francês, de asa alta,tipo DO-27, mais corpulento e mais pesadão a voar, mas muito confortável - o capitão no comando, eu ao lado, o avião tinha manche duplo, e o piloto deixava-nos levar a máquina, quando ela estava estabilizada lá em cima, que belos bocados passàmos, naquele Outono de 64, dias lindos, nada de turbulência, na maior, chiça, eramos aviadores mesmo..!Resumindo, o trabalho saiu bem, a Segurança de Voo fez um brilharete e fui louvado, mesmo com a oposição do sr. cap. Carmo - sempre ele - que não aceitava que um "corrécio" como eu merecesse elogio.Soube depois que foi necessário meter os galões ao barulho, o comandante do AB 1, ten-cor. pil.av. Norton Afonso impôs-se e o louvor saíu - e dele ainda hoje me orgulho.Era uma Força Aérea diferente, essa, dos anos 60, pouco sofisticada,cheia de improvisos, com grandes técnicos lidando com material gasto,DC-4 e DC-6 já com muitas horas de voo, alguns dos DC-6 tinham pertencido aos Transportes Aéreos da India Portuguesa, até à invasãode Goa, Damão e Diu; na manutenção, tudo se reparava, em qualquer condição climatérica, nada se substituía por novo..O motor tinha problemas, desmonta, repara, está OK, monta.. nada como os americanos,está avariado, tira e põe outro, saído da fábrica. As tripulações tinham piloto, co-piloto, navegador, mecânicos de bordo, rádio-telegrafista - a dar ao dedo, no Morse - e, nos voos com passageiros, um "hospedeiro" ( normalmente um especialista MMA ) a distribuir uns morfos, cafés e sumos que vinham da Messe de Monsanto..Um camarada meu, o Vilaça, grande figura, lisboeta malandreco e meio apanhado dos carretos, foi mobilizado para a Guiné, andou lá nos Alouettes, levou com um tiro no rabo, foi-lhe às nádegas, felizmente,não há problema, instala-se uma chapa de metal por debaixo, tá feita a blindagem, tudo OK...Outro, o Herberto, de que já falei, era conhecido pelo Perna Longa por ser de baixa estatura, mostrou-me uma foto do Dakota que tripulava na Guiné, afocinhado numa espécie de pista, no interior, quase 40 graus de inclinação, o nariz na lama e a cauda lá em cima, o piloto pensou que a terra estava seca, não estava...ninguém se magoou seriamente, foi só susto, repara o que havia a reparar, e está a andar, de novo...Aliás, a maior prova da competência deste pessoal, de voo ou de terra,está na TAP, na SATA e noutras empresas (da África então portuguesa)que se fizeram com esta gente da Força Aérea, habituada a arranjar soluções para tudo, a trabalhar no duro para garantir que as coisas andavam.Há meia dúzia de anos, fui a à Bósnia, a Sarajevo, num C-130 da FAP,dava gosto, todo o pessoal com macaco de voo, intercomunicadores, com cabo extensível, por todo o lado, beliches para dormir, rações de voo à pipi, tudo nos trinques..e ainda bem... Mas, com todo o respeito pelo pessoal d'hoje, faltava ali o picante doutros tempos - como vi uma vez, num Dakota, o Sarg. Mec. ir ao cockpit e voltar para abrir um alçapão no chão, dizendo que havia um curto-circuito em qualquer lado,e que era preciso procurar a sua origem..ou então, noutro Dakota, vero Bandarra, Cabo MMA, a ter que passar um cabinho de aço à volta do manípulo da porta, porque ela não fechava bem.
Um abraço para o amigo Barata e para o resto do pessoal
Até breve
João Coelho