domingo, 15 de junho de 2008

MEMÓRIAS DA GUINÉ III.


263-Fabricio Marcelino
Ex-Esp. MMA Guiné
Leiria



Caro amigo Barata,

foi um gosto conhecer-te no encontro de Especialistas na Ota.Como te prometi, eis mais umas memórias da Guiné:


MEMÓRIAS DA GUINÉ - III


Estávamos em princípios de Dezembro de 1962, os ataques eram mais constantes do que era habitual, os pilotos e mecânicos da linha da frente, dos caças F-86F (éramos apenas 5 bravos especialistas), não tínhamos tempo para descansar.
Os alertas que até aí eram de 15 minutos, passaram para 3 minutos.
Este, como os colegas sabem, obrigava os pilotos a estarem sentados dentro do avião já amarrados e, os mecânicos a a terem o put put ligado todo o tempo, e a permanecerem junto do avião para lhe dar saída,logo que soasse o alerta, pois dentro de 3 minutos tinham de estar a voar e,tudo isto debaixo dum sol abrasador.
Como disse, éramos só 5 especialistas na linha da frente e, fazíamos alertas 24 horas consecutivas com 2 elementos por dia!No dia livre sem alerta fazíamos mecânico de Dia à Base e, ronda à cidade de Bissau, com 4 soldados, porque não havia polícia aérea!
Chegou o dia 08 de Dezembro ( dia da mãe, à data). Eu já ia no 5º dia sem saber o que era descalçar os sapatos, ou dormir! Saí mais uma vez do alerta e entrei de imediato a mecânico de Dia à Base, o meu ajudante era um 1º sargento electricista, que pouco me ajudava!
Dado o meu serviço de escala, como os colegas sabem, tinha de receber todos os aviões de carreira e, todos os outros que se dirigiam à Base, que não estavam lá estacionados.
Como atrás referi, os ataques eram constantes e, começaram a chegar os militares evacuados das frentes de combate!
Cada vez que eu tinha de receber o avião de evacuação mais nervoso ficava!
Ao ver alguns colegas de guerra, embora de outras armas gravemente feridos e alguns desfigurados.Lembro-me como se fosse hoje,um colega do exército todo esventrado, com outro homem a segurar-lhe as vísceras e, que eu próprio tive de ajudar a segurar, para que as mesmas não caíssem no chão!
Um oficial dos fuzileiros navais, levou uma rajada numa perna ao nível do joelho que a deixou apenas segura por um único nervo da parte traseira!
Tantos outros na sua agonia final, que jamais esquecerei.
Foi um horror passar por tudo isto!O ser dia da mãe, que era um dia marcante para nós,o estar muitos dias sem dormir e, todo o horror que descrevi e não só,deu-me volta ao sistema nervoso! Como não o podia fazer em público, refugiei-me dentro dum avião F86F e aí chorei até ficar aliviado!Sim colegas, digo-o sem vergonha, chorei, porque um homem também chora, mesmo em tempo de guerra!
Fabrício Marcelino
ex- 1º Cab.Esp. MMA