358-Histórias narradas no livro do Companheiro mais antigo da nossa Classe,
"AS ASAS DE SONHO" Virgilio de Lemos
Esp. Metralhadora 21.Setembro de 1939
17.10.1940!
Recordação viva,que a minha memória guarda com conhecimento perfeito,com todos os pormenores e todas as particularidades.
Partida da Base Aérea nº3 - Tancos,ás 10 horas,incorporado na patrulha comandada pelo então Capitão David,rumo a Coimbra,em viagem de treino. No regresso,os três aviões em voo normal,com bom tempo e a uma altura de 1.000 metros,rumam a Tancos.
Por baixo,aos 500 metros,estendem-se deslumbrantes cúmulos por uma grande extensão no céu,que nos impedem de ver a paisagem cá em baixo.
O avião em que voava como metralhador,era pilotado pelo então Alf.Cardoso.Ia tudo muito bem até que a uma hora de voo,mais ou menos,o motor começou a falhar e depois de dois ou três raterusdenunciadores de pane grave,pára completamente.
O piloto com grande serenidade e perícia procura levar o avião,em voo planado a qualquer ponto onde pudesse fazer uma aterragem de emergência,com o menor dano possível.
Por baixo aparece uma abertura nas nuvens.Por ela metemos com cuidado.O céu naquela altitude está limpo o que nos permite divisar uma pequena lagoa a convidar-nos para um banho pouco agradável aquela hora da manhã,mas com promessas salvadoras.Porém,mais perto,á nossa direita fica um campo raso,que sobe ligeiramente num dos sentidos,algumas oliveira esparsas e dois postes ligados com cabos de alta tensão.
O tempo urge.Não pode haver hesitações.Já perdêramos muita altura e a oportunidade de saltar de para-quedas.Prepara-mo-nos para uma aterragem de emergência.Com as capas de lona,que servem para proteger o avião em terra,faço uma espécie de almofada que coloco à minha frente.
O piloto mantendo a calma necessária,consegue trazer o aparelho para esta limitadissimaa pista,e quando parece estar tudo resolvido ,pois o avião tinha transposto os cabos de alta tensão e as oliveiras,depois mesmo de o Alferes ter dito pronto,estamos safos,a despeito de um rolar cabriolante,durante escassos metros,o avião para bruscamente e vejo-me projectado a grande distância.
Levanto-me cambaleando e instintivamente olho o velho Potez à minha retaguarda,que jaz assapado sem trem de aterragem,assente na fuselagem,hélice partida e motor enterrado até quase ao meio e-terrível visão-a cabeça do Alf.Cardoso pendente junto ao para-brisas,imóvel no seu lugar de pilotagem.
Quis correr para o avião,para tirar o piloto,receando incêndio iminente,mas a cada passo que dou caio,para me levantar novamente,sem conseguir avançar grande coisa.
Entretanto reparo que a meu lado alguém me pergunta se estou ferido.É o alferes que desembaraçando-se do avião,claudicando,procura saber do meu estado.
Quando me apercebo da situação,sinto grande alegria,pois a minha primeira impressão,após ter sido cuspido,foi a de que o piloto estava morto.Em casos semelhantes ao nosso,alguns pilotos tinham sido trucidados pelo trem de aterragem,porque os dois tirantes que o constituíam entravam pela cabine de pilotagem,mesmo por baixo do assento.Desta vez,a contrariar o costume,foram parar à torre,o meu lugar.
Os primeiros socorros que recebemos foram de um pastor.A seguir e passado algum tempo,aparece no local um carro,pois o campo onde aterramos era ladeado pela estrada que leva à Vila de Ansião,uns quilómetros à frente.Nele vinham,o Presidente da Câmara,um médico e um Alf.de Infantaria em férias na terra e que por feliz coincidência tinha sido contemporâneo do Alf.Cardoso na Escola Militar.
Chegados ao local onde nos encontrávamos,indagam do nosso estado,e,foi então que vi todos os olhos postos em mim e uma sensação de qualquer coisa quente a escorrer-me pela testa.
Levei a mão á cabeça e veio-me cheia de sangue.
O médico tenta tirar-me o passe-montagne,para me ver o ferimento,ao que me oponho,por me lembrar da história de um piloto italiano que em circunstâncias iguais,após ter tirado o capacete,o crânio abriu-se e morreu instantaneamente.
Serviu esta peripécia para mais tarde,os meus camaradas galhofarem comigo,sempre que se falava no assunto.
Transportados à Vila de Ancião,sou levado ao consultório do médico e ali recebi os primeiros socorros.
A causa dos ferimentos foi a de,ao ser projectado,ter batido com a cabeça no suporte da metralhadora da torre do avião.o que provocou golpe profundo e fractura no crânio.Um dos tirantes do trem de aterragem causou ferimentos numa perna,sem contudo a fracturar.E quando da aterragem,firmei-me bem com os braços na torre,mas o violento embate no solo provocou fractura do braço direito.
O Alferes Cardoso teve apenas ferimentos ligeiros numa perna.
A titulo de curiosidade acrescento pormenores que talvez interessem a estas memórias.
Recebi os primeiros socorros nestas circunstâncias:
O consultório do médico,um rapaz ainda novo,era na sua própria casa.Logo à entrada chamou pela mãe para me trazer um café forte e dizer à empregada para vir ajudar ao tratamento.
Mal me sentei e quando o médico procedia á lavagem do ferimento,a moça desmaiou e teve de ser retirada,arrastada por mim,para o corredor que dava acesso ao consultório...
Como os pontos eram feitos a sangue frio,ao sexto recusei-me a receber mais,tais as dores que sentia,e o médico teve que abreviar a operação e pensar-me.
Em seguida,vêm buscar-me os dois Alf.,para irmos almoçar a casa do de Infantaria,a seu convite.Na mesa fiquei ao lado do dono da casa,pai do oficial,um homem muito bem disposto que passou a refeição a brincar comigo,por me ver muito abatido.
Por fim,o Presidente da Câmara oferece-se para nos levar a Tancos.Uma visita ao Potez inutilizado,e,numa reacção muito estúpida, por ver muita gente à volta do aparelho danificando-o ainda mais,ofereço-me para ficar a guardar,até chegar a brigada de salvamento.
Valeu a este disparate a intervenção rápida do médico,que segredando ao Alf.Cardoso,diz-lhe do meu estado grave e manda-nos seguir com certa urgência para o hospital.Eu não me apercebi da extensão do ferimento.
Alguns quilómetros andados,pedi para urinar.
Amparado ao carro,despacho-me entro novamente,peço um cigarro,acendem-mo,dou a primeira fumaça,sinto uma grande tontura,uma forte dor de cabeça e faço o resto da viagem encostado ao ombro do Alf.Cardoso,semi inconsciente.
Chegados a Tancos,fomos ao Comandante da Base para sermos ouvidos,e determinar a causa do desastre e em seguida ser hospitalizado.
Parece,ao que me disseram depois,que fui pouco correcto na resposta que dei ao Comandante,quando refutava a minha informação de que o motor tinha parado no ar.
Não queria aceitar a nossa verdade,julgando ter sido alguma brincadeira a causa do acidente,e por isso insistia com perguntas impertinentes,o que provocou da minha parte um não me chateie,pouco disciplinar.
Valeu-me a pronta intervenção a meu favor,do Comandante de Esquadrilha,que fez ver ao nosso superior não estar em condições de saúde para ser interrogado,nem responsável pelo que dizia,em seguida levaram-me para o hospital,do Triângulo de Tancos,onde estive mal tratado e mal alimentado.
Basta dizer que por incúria,deixaram infectar o ferimento que tinha na cabeça.Na baixa,como entrei ao entardecer,não fui observado e só nas quarentas e oito horas seguintes fui à consulta do médico,o que provocou a infecção.Sou levado imediatamente para a sala de operações e operado de urgência,operação sem anestesia,só com anestésico éter,pelo que senti praticamente todas as dores consequentes.
Vinguei-me dessa situação insultando o médico,o enfermeiro e ajudantes durante toda a operação,mimoseando-os com aquelas palavras vernáculas que a caserna me ensinara.
Como o hospital era militar,o médico Tenente e o enfermeiro Furriel,ameaçaram-me com prisão e não sei com que mais terríveis castigos.
Valeu-me,servir-me do nome de um tio,Ten.Cor. médico,e a ameaça de que lhe iria escrever para que pedisse um inquérito à forma como tinha sido tratado e a causa da infecção.Mal eles sabiam que o tal meu tio já tinha morrido à cerca de um ano!O que é certo é que mesmo do outro mundo salvou-me de ser castigado,que em boa verdade,me desgostaria sobremaneira.
Recordação viva,que a minha memória guarda com conhecimento perfeito,com todos os pormenores e todas as particularidades.
Partida da Base Aérea nº3 - Tancos,ás 10 horas,incorporado na patrulha comandada pelo então Capitão David,rumo a Coimbra,em viagem de treino. No regresso,os três aviões em voo normal,com bom tempo e a uma altura de 1.000 metros,rumam a Tancos.
Por baixo,aos 500 metros,estendem-se deslumbrantes cúmulos por uma grande extensão no céu,que nos impedem de ver a paisagem cá em baixo.
O avião em que voava como metralhador,era pilotado pelo então Alf.Cardoso.Ia tudo muito bem até que a uma hora de voo,mais ou menos,o motor começou a falhar e depois de dois ou três raterusdenunciadores de pane grave,pára completamente.
O piloto com grande serenidade e perícia procura levar o avião,em voo planado a qualquer ponto onde pudesse fazer uma aterragem de emergência,com o menor dano possível.
Por baixo aparece uma abertura nas nuvens.Por ela metemos com cuidado.O céu naquela altitude está limpo o que nos permite divisar uma pequena lagoa a convidar-nos para um banho pouco agradável aquela hora da manhã,mas com promessas salvadoras.Porém,mais perto,á nossa direita fica um campo raso,que sobe ligeiramente num dos sentidos,algumas oliveira esparsas e dois postes ligados com cabos de alta tensão.
O tempo urge.Não pode haver hesitações.Já perdêramos muita altura e a oportunidade de saltar de para-quedas.Prepara-mo-nos para uma aterragem de emergência.Com as capas de lona,que servem para proteger o avião em terra,faço uma espécie de almofada que coloco à minha frente.
O piloto mantendo a calma necessária,consegue trazer o aparelho para esta limitadissimaa pista,e quando parece estar tudo resolvido ,pois o avião tinha transposto os cabos de alta tensão e as oliveiras,depois mesmo de o Alferes ter dito pronto,estamos safos,a despeito de um rolar cabriolante,durante escassos metros,o avião para bruscamente e vejo-me projectado a grande distância.
Levanto-me cambaleando e instintivamente olho o velho Potez à minha retaguarda,que jaz assapado sem trem de aterragem,assente na fuselagem,hélice partida e motor enterrado até quase ao meio e-terrível visão-a cabeça do Alf.Cardoso pendente junto ao para-brisas,imóvel no seu lugar de pilotagem.
Quis correr para o avião,para tirar o piloto,receando incêndio iminente,mas a cada passo que dou caio,para me levantar novamente,sem conseguir avançar grande coisa.
Entretanto reparo que a meu lado alguém me pergunta se estou ferido.É o alferes que desembaraçando-se do avião,claudicando,procura saber do meu estado.
Quando me apercebo da situação,sinto grande alegria,pois a minha primeira impressão,após ter sido cuspido,foi a de que o piloto estava morto.Em casos semelhantes ao nosso,alguns pilotos tinham sido trucidados pelo trem de aterragem,porque os dois tirantes que o constituíam entravam pela cabine de pilotagem,mesmo por baixo do assento.Desta vez,a contrariar o costume,foram parar à torre,o meu lugar.
Os primeiros socorros que recebemos foram de um pastor.A seguir e passado algum tempo,aparece no local um carro,pois o campo onde aterramos era ladeado pela estrada que leva à Vila de Ansião,uns quilómetros à frente.Nele vinham,o Presidente da Câmara,um médico e um Alf.de Infantaria em férias na terra e que por feliz coincidência tinha sido contemporâneo do Alf.Cardoso na Escola Militar.
Chegados ao local onde nos encontrávamos,indagam do nosso estado,e,foi então que vi todos os olhos postos em mim e uma sensação de qualquer coisa quente a escorrer-me pela testa.
Levei a mão á cabeça e veio-me cheia de sangue.
O médico tenta tirar-me o passe-montagne,para me ver o ferimento,ao que me oponho,por me lembrar da história de um piloto italiano que em circunstâncias iguais,após ter tirado o capacete,o crânio abriu-se e morreu instantaneamente.
Serviu esta peripécia para mais tarde,os meus camaradas galhofarem comigo,sempre que se falava no assunto.
Transportados à Vila de Ancião,sou levado ao consultório do médico e ali recebi os primeiros socorros.
A causa dos ferimentos foi a de,ao ser projectado,ter batido com a cabeça no suporte da metralhadora da torre do avião.o que provocou golpe profundo e fractura no crânio.Um dos tirantes do trem de aterragem causou ferimentos numa perna,sem contudo a fracturar.E quando da aterragem,firmei-me bem com os braços na torre,mas o violento embate no solo provocou fractura do braço direito.
O Alferes Cardoso teve apenas ferimentos ligeiros numa perna.
A titulo de curiosidade acrescento pormenores que talvez interessem a estas memórias.
Recebi os primeiros socorros nestas circunstâncias:
O consultório do médico,um rapaz ainda novo,era na sua própria casa.Logo à entrada chamou pela mãe para me trazer um café forte e dizer à empregada para vir ajudar ao tratamento.
Mal me sentei e quando o médico procedia á lavagem do ferimento,a moça desmaiou e teve de ser retirada,arrastada por mim,para o corredor que dava acesso ao consultório...
Como os pontos eram feitos a sangue frio,ao sexto recusei-me a receber mais,tais as dores que sentia,e o médico teve que abreviar a operação e pensar-me.
Em seguida,vêm buscar-me os dois Alf.,para irmos almoçar a casa do de Infantaria,a seu convite.Na mesa fiquei ao lado do dono da casa,pai do oficial,um homem muito bem disposto que passou a refeição a brincar comigo,por me ver muito abatido.
Por fim,o Presidente da Câmara oferece-se para nos levar a Tancos.Uma visita ao Potez inutilizado,e,numa reacção muito estúpida, por ver muita gente à volta do aparelho danificando-o ainda mais,ofereço-me para ficar a guardar,até chegar a brigada de salvamento.
Valeu a este disparate a intervenção rápida do médico,que segredando ao Alf.Cardoso,diz-lhe do meu estado grave e manda-nos seguir com certa urgência para o hospital.Eu não me apercebi da extensão do ferimento.
Alguns quilómetros andados,pedi para urinar.
Amparado ao carro,despacho-me entro novamente,peço um cigarro,acendem-mo,dou a primeira fumaça,sinto uma grande tontura,uma forte dor de cabeça e faço o resto da viagem encostado ao ombro do Alf.Cardoso,semi inconsciente.
Chegados a Tancos,fomos ao Comandante da Base para sermos ouvidos,e determinar a causa do desastre e em seguida ser hospitalizado.
Parece,ao que me disseram depois,que fui pouco correcto na resposta que dei ao Comandante,quando refutava a minha informação de que o motor tinha parado no ar.
Não queria aceitar a nossa verdade,julgando ter sido alguma brincadeira a causa do acidente,e por isso insistia com perguntas impertinentes,o que provocou da minha parte um não me chateie,pouco disciplinar.
Valeu-me a pronta intervenção a meu favor,do Comandante de Esquadrilha,que fez ver ao nosso superior não estar em condições de saúde para ser interrogado,nem responsável pelo que dizia,em seguida levaram-me para o hospital,do Triângulo de Tancos,onde estive mal tratado e mal alimentado.
Basta dizer que por incúria,deixaram infectar o ferimento que tinha na cabeça.Na baixa,como entrei ao entardecer,não fui observado e só nas quarentas e oito horas seguintes fui à consulta do médico,o que provocou a infecção.Sou levado imediatamente para a sala de operações e operado de urgência,operação sem anestesia,só com anestésico éter,pelo que senti praticamente todas as dores consequentes.
Vinguei-me dessa situação insultando o médico,o enfermeiro e ajudantes durante toda a operação,mimoseando-os com aquelas palavras vernáculas que a caserna me ensinara.
Como o hospital era militar,o médico Tenente e o enfermeiro Furriel,ameaçaram-me com prisão e não sei com que mais terríveis castigos.
Valeu-me,servir-me do nome de um tio,Ten.Cor. médico,e a ameaça de que lhe iria escrever para que pedisse um inquérito à forma como tinha sido tratado e a causa da infecção.Mal eles sabiam que o tal meu tio já tinha morrido à cerca de um ano!O que é certo é que mesmo do outro mundo salvou-me de ser castigado,que em boa verdade,me desgostaria sobremaneira.
A coisa pegou,comecei a ter melhor tratamento e nunca mais se falou em castigos.Só mais tarde,quase prestes a ter alta,o Tenente médico,como quem não quer a coisa,perguntava-me muito amável em que serviços estava o meu tio.Respondo com evasivas e que não valia a pena falar mais no assunto,visto já estar curado.
Contemporizando esquece por sua vez os insultos que lhe fiz,bem como ao pessoal de enfermagem.
Após a alta,regresso à minha esquadrilha e à rotina da vida da Base,voos de treino,dias de serviço e a tudo que dizia respeito à minha profissão.
O voo que motivou o acidente não me pertencia.O camarada para ele cedeu-mo por lhe faltarem horas de voo para completar o semestre.
É de prever o estado em que ficou quando a patrulha apareceu na Base com a notícia do desastre e da...minha morte!É verdade,morte!Porquê?Quando o resto da patrulha deu pela reparação da aterragem de emergência,não sei porque infeliz observação,ao localizarem o avião,só reconheceram o Alf.Cardoso a fazer sinais já fora do aparelho destruído.O meu camarada ofereceu-se para fazer parte da brigada de salvamento e,com que alegria me abraçou ao verificar o engano.Para disfarçar a emoção,brindou-me com os palavrões do costume.Bom amigo,solidário e generoso.
Para cumulo do azar,quando inutilizei o seu passe-montagne de bom couro inglês de que tanto se orgulhava.
Com a pressa da troca comigo,emprestou-mo para poupar tempo.
Por coincidência curiosa o primeiro voo que fizemos,eu depois de ter saído do hospital,oAlf.Cardoso após o gozo da licença que pedira a seguir ao desastre,calhamos na mesma missão.
Quando chega o avião e me vê pronto para a partida,olha-me curioso,sorri e faz-me sinal para subir.
VB. Palavras para que?!...
É o nosso patrono!...