Virginio Briote
Alf.Mil.Comº 65/67 Guiné
Editor Blog Tantas Vidas
Co-Editor Blog Tabanca Grande
Alf.Mil.Comº 65/67 Guiné
Editor Blog Tantas Vidas
Co-Editor Blog Tabanca Grande
Caros Camaradas.
Estive na Guiné entre Jan 65 e Jan 67.
Convivi muito de perto com a Base Aérea.
Como fiz parte dos primeiros cmds do CTIG (Brá), voei muitas vezes nos aparelhos (Dorniers e Al III). Foi o meu grupo que iniciou as ops helitransportadas. 6 Mar 66, Jabadá. Comandava a esquadrilha dos Al II, se a memória não me falha o major Mendonça. Fazia ainda parte da esquadrilha o ten Velez Caldas.
Convivi muito de perto com a Base Aérea.
Como fiz parte dos primeiros cmds do CTIG (Brá), voei muitas vezes nos aparelhos (Dorniers e Al III). Foi o meu grupo que iniciou as ops helitransportadas. 6 Mar 66, Jabadá. Comandava a esquadrilha dos Al II, se a memória não me falha o major Mendonça. Fazia ainda parte da esquadrilha o ten Velez Caldas.
Dos outros pilotos recordo as caras, os nomes foram-se.
Mas o que me leva a contactar-vos, para além de vos felicitar pela contribuição que estão a dar para a reescrita da história contada pelos próprios protagonistas, é solicitar-vos se alguém que vos lê se lembra de ter visto este Dornier ferido.
O piloto, se a memória está certa era um tal ten Lemos.
Transcrevo abaixo, do meu blogue de memórias daqueles anos, ( http://tantasvidas.blog.pt/) o texto do que vivi.
Com um abraço e o reconhecimento que todos nós vos devemos do
V. Briote
"Campo de aviação de Cuntima. O Do 27 aterrara há pouco numa nuvem de pó. Negros e brancos, soldados, cabos, furriéis e alferes, num grande alvoroço à volta da avioneta, apalpam-lhe as asas, festas na fuselagem, um tira fotos a um grupo e o homem do bar, o Fininho a passar para as mãos do piloto uma cerveja gelada.Saco do correio, grades de cerveja, caixa de uísque, medicamentos e o novo Cmdt da CCav 489, o Capitão mil. Tavares Martins, pele muito branca, a escorrer suor, tudo cá para fora.
Minutos depois, abraços e mais abraços, pista desimpedida, motor a trabalhar, portas fechadas. O Dornier a dar a volta devagar para o topo do campo, a roncar com mais força, na cabeça do Gil a imagem, não sabe como, do touro a raspar as patas, para os forcados.De repente aí vai o aviãosinho, a tremer todo, aos saltinhos, a ganhar velocidade, gás no máximo, campo de futebol fora, manobra apertada a evitar as balizas e as árvores.Não ouvira a salva de palmas mas vira da janela, não foi golo mas quase. E, pronto, adeus Cuntima, até um dia.Tinham pousado há minutos em Farim, a mesma cerimónia mas com mais gente e mais graduada. Um alvoroço na pista, o Ten Cor Cavaleiro, o Maj Paixão Ribeiro, 2º Cmdt, e o estado-maior do Batalhão, a trocarem impressões sobre a guerra em Canjambari.Então o alferes já vai para Bissau? Safa-se de boa, escapa-lhe da boca, enquanto fala sobre a resistência que a CCacv 488, do tenente Fernandes Thomaz de Jumbembem, estava a sofrer na zona, até aí santuário do PAIGC.No caminho da fronteira para o Oio, uma autêntica auto-estrada, para todo o tipo de reabastecimentos. Canjambari morocunda, um km ou nem isso para o interior e Canjambari porto, junto ao rio."As NT foram muito bem até Canjambari morocunda, para entrar em Canjambari porto é que é o caralho. Levantam a cabeça para lá, aí vai prémio de morteiro. Às 6 da matina, não precisam de corneteiro para nada, duas morteiradas em cima para lhes abrirem os olhos, ponham-se a pé, tugas preguiçosos, toca a tentar mais uma vez. No final do dia também tocam a recolher.Isto nunca mais chega ao fim. A comissão, que é que havia de ser? Oio, k3, Komo, o Komo, pá, e agora o Cavaleiro com esta merda de Canjambari a cinco meses do fim.Há dois dias, o cap de uma das Companhias na conversa com o Coronel, pela rádio, disse-lhe que não conseguia passar a ponte. Não é que ontem, o gajo se apresentou em Jumbembem, integrado numa coluna do Pel Rec do Corte-Real e diz para o capitão, vamos então ver se passamos ou não da ponte.Na picada de Jumbembem para Canjambari, claro, quando chegaram à ponte, aí vai aço, morteirada para cima deles. O pessoal todo deitado, um fogachal danado, o capitão agachado também e o Coronel de pé. Capitão, estou a falar consigo, ponha-se a pé, está a falar com o seu comandante, porra. Dezanove meses de comissão, estás a ver?", o Mealha todo suado.O avião estava com a carga no limite, o capelão, com um saco de pão fresco em cima das pernas, sentara-se à frente, ao lado do piloto. Atrás, encostado à janela um sargento enfermeiro segurava um frasco de vidro com um líquido qualquer a escorrer às gotas para o braço de um preto, com uma perna toda entrapada. Do outro lado, o Gil com o saco do correio na mão.Tudo ok, o piloto, tenente Lemos de auscultadores. Que no trajecto para Bissau faria um desvio para a área de Canjambari, a pedido do Coronel, largar os dois sacos às nossas tropas e que, quando levantasse o polegar, e repetira, só quando o polegar estivesse virado para cima, deveriam lançá-los pela janela. Dornier no ar, fumos aqui e ali a subir das matas, charcos de água a espelharem. O ferido, medo estampado nos olhos muito abertos, a farda nova ainda, verde azeitona, seria do PAIGC? O enfermeiro, a fazer ginástica com o frasco e com a cabeça a dizer que sim.O capelão à frente, suor a escorrer, a cara muito branca, mãos amarradas ao saco com o pão ainda quente. Sol alto, o piloto a falar com a base, olho num lado e noutro. Estavam em cima de Canjambari, iriam baixar. A planar, quase parado, como um milhafre, a descer lentamente, os olhos deles arregalados para a mata.Onde é que está a nossa malta? Mais uma volta. Estão ali, debaixo daquela árvore, não? O tenente Lemos não estava certo.Desceram mais, até alguns metros acima das copas das árvores, são eles, não são? Os outros não responderam, não paravam de olhar. São eles, não são?Força, abrir janelas, mãos nos sacos, como se já não estivessem, a turbulência a sentir-se. Nova passagem, agora é mesmo, olhem para a minha mão, polegar para cima, janela fora com os sacos já, o piloto.Gil num segundo viu a árvore, viu-os lá em baixo a correr, àquela altura as fardas deles pareceram-lhe iguais à do ferido que ia com eles. Quando o piloto levantou o polegar, hesitou, ficou com o saco do correio na mão, o do pão já tinha saído.Mesmo mais tarde, tentando rever a sucessão dos acontecimentos, não era capaz de dizer o que sentiu primeiro. Tudo ao mesmo tempo, uma rajada longa, gritos dentro da avioneta, um ciclone lá dentro, um barulho como uma câmara-de-ar imensa a esvaziar-se, o Dornier a balançar para cima e para baixo, para a esquerda, para a direita.
No voo para Bissau, o guerrilheiro ferido gritou o tempo todo, atingido na mesma perna, mais um tiro, soube-se depois, o Dornier dançou sempre, a turbulência aumentou e um cheiro a cocó borrou-os a todos.Na pista, finalmente, de costas no chão, Agfa na mão, os buracos das balas na barriga do Dornier.
E uma grande roda escura também, nas calças do capelão."
Minutos depois, abraços e mais abraços, pista desimpedida, motor a trabalhar, portas fechadas. O Dornier a dar a volta devagar para o topo do campo, a roncar com mais força, na cabeça do Gil a imagem, não sabe como, do touro a raspar as patas, para os forcados.De repente aí vai o aviãosinho, a tremer todo, aos saltinhos, a ganhar velocidade, gás no máximo, campo de futebol fora, manobra apertada a evitar as balizas e as árvores.Não ouvira a salva de palmas mas vira da janela, não foi golo mas quase. E, pronto, adeus Cuntima, até um dia.Tinham pousado há minutos em Farim, a mesma cerimónia mas com mais gente e mais graduada. Um alvoroço na pista, o Ten Cor Cavaleiro, o Maj Paixão Ribeiro, 2º Cmdt, e o estado-maior do Batalhão, a trocarem impressões sobre a guerra em Canjambari.Então o alferes já vai para Bissau? Safa-se de boa, escapa-lhe da boca, enquanto fala sobre a resistência que a CCacv 488, do tenente Fernandes Thomaz de Jumbembem, estava a sofrer na zona, até aí santuário do PAIGC.No caminho da fronteira para o Oio, uma autêntica auto-estrada, para todo o tipo de reabastecimentos. Canjambari morocunda, um km ou nem isso para o interior e Canjambari porto, junto ao rio."As NT foram muito bem até Canjambari morocunda, para entrar em Canjambari porto é que é o caralho. Levantam a cabeça para lá, aí vai prémio de morteiro. Às 6 da matina, não precisam de corneteiro para nada, duas morteiradas em cima para lhes abrirem os olhos, ponham-se a pé, tugas preguiçosos, toca a tentar mais uma vez. No final do dia também tocam a recolher.Isto nunca mais chega ao fim. A comissão, que é que havia de ser? Oio, k3, Komo, o Komo, pá, e agora o Cavaleiro com esta merda de Canjambari a cinco meses do fim.Há dois dias, o cap de uma das Companhias na conversa com o Coronel, pela rádio, disse-lhe que não conseguia passar a ponte. Não é que ontem, o gajo se apresentou em Jumbembem, integrado numa coluna do Pel Rec do Corte-Real e diz para o capitão, vamos então ver se passamos ou não da ponte.Na picada de Jumbembem para Canjambari, claro, quando chegaram à ponte, aí vai aço, morteirada para cima deles. O pessoal todo deitado, um fogachal danado, o capitão agachado também e o Coronel de pé. Capitão, estou a falar consigo, ponha-se a pé, está a falar com o seu comandante, porra. Dezanove meses de comissão, estás a ver?", o Mealha todo suado.O avião estava com a carga no limite, o capelão, com um saco de pão fresco em cima das pernas, sentara-se à frente, ao lado do piloto. Atrás, encostado à janela um sargento enfermeiro segurava um frasco de vidro com um líquido qualquer a escorrer às gotas para o braço de um preto, com uma perna toda entrapada. Do outro lado, o Gil com o saco do correio na mão.Tudo ok, o piloto, tenente Lemos de auscultadores. Que no trajecto para Bissau faria um desvio para a área de Canjambari, a pedido do Coronel, largar os dois sacos às nossas tropas e que, quando levantasse o polegar, e repetira, só quando o polegar estivesse virado para cima, deveriam lançá-los pela janela. Dornier no ar, fumos aqui e ali a subir das matas, charcos de água a espelharem. O ferido, medo estampado nos olhos muito abertos, a farda nova ainda, verde azeitona, seria do PAIGC? O enfermeiro, a fazer ginástica com o frasco e com a cabeça a dizer que sim.O capelão à frente, suor a escorrer, a cara muito branca, mãos amarradas ao saco com o pão ainda quente. Sol alto, o piloto a falar com a base, olho num lado e noutro. Estavam em cima de Canjambari, iriam baixar. A planar, quase parado, como um milhafre, a descer lentamente, os olhos deles arregalados para a mata.Onde é que está a nossa malta? Mais uma volta. Estão ali, debaixo daquela árvore, não? O tenente Lemos não estava certo.Desceram mais, até alguns metros acima das copas das árvores, são eles, não são? Os outros não responderam, não paravam de olhar. São eles, não são?Força, abrir janelas, mãos nos sacos, como se já não estivessem, a turbulência a sentir-se. Nova passagem, agora é mesmo, olhem para a minha mão, polegar para cima, janela fora com os sacos já, o piloto.Gil num segundo viu a árvore, viu-os lá em baixo a correr, àquela altura as fardas deles pareceram-lhe iguais à do ferido que ia com eles. Quando o piloto levantou o polegar, hesitou, ficou com o saco do correio na mão, o do pão já tinha saído.Mesmo mais tarde, tentando rever a sucessão dos acontecimentos, não era capaz de dizer o que sentiu primeiro. Tudo ao mesmo tempo, uma rajada longa, gritos dentro da avioneta, um ciclone lá dentro, um barulho como uma câmara-de-ar imensa a esvaziar-se, o Dornier a balançar para cima e para baixo, para a esquerda, para a direita.
No voo para Bissau, o guerrilheiro ferido gritou o tempo todo, atingido na mesma perna, mais um tiro, soube-se depois, o Dornier dançou sempre, a turbulência aumentou e um cheiro a cocó borrou-os a todos.Na pista, finalmente, de costas no chão, Agfa na mão, os buracos das balas na barriga do Dornier.
E uma grande roda escura também, nas calças do capelão."