
José Raimundo
Esp.MMA 1ª/68 Mueda-Moçambique
Coimbra
A DOR DE UM ALENTEJANO
PLANALTO DOS MACONDES
AERÓDROMO 51
MUEDA
MOÇAMBIQUE
O Crepúsculo aproximava-se e o sol estava prestes a desaparecer por detrás da linha do horizonte.Mais um dia de trabalho intenso findava.O suor colava-nos a roupa ao corpo,causando desconforto e mau estar.O banho retemperador tardava.
Junto ao portão do hangar,e como era hábito,os mecânicos trocavam impressões sobre as actividades da dia e,como não podia deixar de ser,o tema fugia sempre para o futebol.A nossa Académica de Coimbra ficava normalmente para remate final.
Entretanto,ao longe,avistava-se uma avião em fase de aproximação à pista.Era um Nord-Atlas “Barriga de Ginguba”.-Mas que diabo o traria àquela hora a Mueda?!Bom!Aterragem perfeita e…eis o avião imobilizado na placa.
A nossa curiosidade era natural.Abre-se a porta.Do seu bojo,em “bicha de pirilau”,saem homens,brancos como a cal,com os camuflados ainda pintados de fresco e com o característico cheiro a naftalina.Tinham deixado para trás o regaço de suas mães e o olhar terno e lânguido de suas queridas.Eram os “*checas” do exército,acabadinhos de chegar da metrópole.Dando-lhes as boas-vindas estava o celebre cartaz que toda a gente que pisou aquela terra tão bem conhecia.”Mueda,terra da guerra.Aqui luta-se,trabalha-se e morre-se.”Comentámos uns com os outros:”Mais carne para canhão!...”
Seguiu-se a expectativa de encontrar alguém conhecido que nos trouxesse notícias da nossa terra,que cada vez ia ficando mais distante no tempo.Naquele amontoado de sacos de viagem verdes,bagagens,e um magote de gente,apareceu então uma cara conhecida!Lá vinha um alentejano”dos sete costados!!!”
Amigo de longa data,era o Quim Zé!Também ele tinha sido contemplado com a “lotaria”.O prémio foi uma ida às paragens da incerteza,do medo e da loucura.Era a guerra em África.
Cumpridas as formalidades próprias da altura,vieram as perguntas e respostas da ordem.”Para onde é que ele ia?Aquele local não era nada bom,mas tudo havia de correr bem!...”
Pouco mais se adiantou uma vez que o que eles queriam era dormir.
A partida para o Nangololo estava agendada para o dia seguinte,em coluna.Não se adivinhava tarefa nada fácil,dado o percurso que tinham que fazer.Era uma zona de muito “bicho”…
Lá partiu o bom do Quim Zé com votos de boa sorte…
Volvidos cinco dias (poucos…)foi marcada uma intervenção militar para aquela zona e com aqueles militares.
Chegado o momento,descolaram de Mueda seis Alouettes III com todo o aparato próprio de uma operação daquela envergadura.Eram ao “Índios” e ai iam eles!...O tempo de voo foi curto e o céu apresentava-se limpo.O sol subia brilhante.Era o sol africano!Chegados a Nangololo,recebeu-nos o comandante daquela companhia;os homens estavam sentados no chão,divididos em equipas de cinco.O nosso amigo lá estava,pronto para a sua primeira aventura.
Enquanto aguardávamos o bombardeamento a efectuar pelos aviões G-91 (Fiats)no local determinado,ainda houve uma resta de tempo para tragar um pouco de presunto com sabor a Alentejo e apreciar uma latinha de “Laurentina”.Por sinal estava boa e fresca,veio mesmo a calhar!...
O momento era de descontracção aparente.Eis senão quando.por cima,passam os Fiats com o seu roncar característico.A sua missão estava cumprida.Agora tudo o resto nos pertencia e àqueles homens.O embarque nos aparelhos foi rápido e a tensão enorme.
A zona de salto era já ali.Os aparelhos tomam as posições costumeiras.As conversas entre tripulações,nestas circunstâncias,eram sempre as mesmas…O primeiro héli aproximava-se.Deixa a sua carga e sai.Segundo dentro,segundo fora!...Terceiro dentro,terceiro fora!...e por ai diante.Após o último salto,os homens embrenham-se na mata entregues à sua sorte.Estava ali,bem na sua frente,o Vale de Miteda,com todos os seus perigos e mistérios.
Marcámos encontro para quatro dias depois.Proceder-se-ia,nessa altura,ao reabastecimento de alimentos e água.O dia seguinte amanheceu com uma chuva miudinha e chata,mas o sol,demonstrando a sua pujança,ditou a lei do mais forte.Era rei e o dia ai estava,de novo esplendoroso.
Surge,entretanto,em correria,direito ao bar,o meu companheiro de serviço às comunicações.
-Quem está de alerta?
-É o Moleiro Lopes! –responderam alguns… Há uma evacuação de zero horas!...
O Moleiro Lopes estava a terminar um jogo de cartas.Não querendo interromper aquele momento de pausa,ofereci-me para ir em seu lugar.A evacuação era precisamente para os lados do Vale de Miteda.Na sala de operações foram vistas e revistas as coordenadas e assinalado o local na carta.Aqueles “gajos”começaram a ser “abonados”
Piloto Aristides,enfermeira páraquedista Lurdes e eu como mecânico,compunham a tripulação.Descolámos rumo à zona de operações.Esperava por nós mais uma vitima daquela estúpida guerra!
O dia continuava lindo.Lá em baixo,o tapete verde da mata,entrecortado por trilhos e alguns cursos de água,era deslumbrante.(maldita guerra que não nos deixava gozar toda aquela paisagem de sonha!...)Nos auscultadores começávamos a ter contacto com as forças terrestres.Ai estavam as indicações para a aterragem.
A clareira tinha sido aberta a poder de catanas,a protecção estava montada e ai íamos nós numa descida de “malucos”.
Não havia tempo a perder…As rodas tocavam no chão,o pó e as folhas secas levantadas pelo rotor principal provocavam uma nuvem sufocante.O ruído da turbina era ensurdecedor.Gritei com quanta gana tinha.
-Tragam o ferido!...A altura não dava para mais.Conhecedor nato daquele sítio,não tinha tempo a perder.Da orla da mata surge,então,um homem de cabeça ligada,amparado por dois dos seus companheiros.Sentaram-no no banco de trás,como mandavam as regras.Ficou,a partir desse momento,entregue aos primeiros cuidados da enfermeira Lurdes.As portas fecham-se e ai vamos nós em mais uma subida vertiginosa,-na vertical-,que o tempo e o perigo mandavam!...
De novo em linha de voo,e após aquela tempestade de gestos e palavras,voltei-me para ver o que se passava lá atrás.
-Não!...Não podia ser!...Era o meu amigo Quim Zé!!!” O Alentejano dos sete costados…”
O sangue gelou-se-me nas veias.Com um olho dilacerado,o corpo com estilhaços e o camuflado,há pouco pintado de fresco verde e castanho,era agora uma pasta vermelha.Numa emboscada,uma granada de mão estilhaçada,acabava de o atirar para o hospital.Era nessa direcção que voávamos.Com toda a sua dor,estava entre a vida e a morte.Tinha-lhe saído uma vez mais, “lotaria”,só que desta,era a “taluda”!
Terminava para ele a aventura naquelas paragens.Bonitas,mas traiçoeiras,ele nem sequer tivera tempo de as apreciar!...
O Quim Zé.”o Alentejano dos sete costados”,hoje está vivo e,penso,recuperado na medida do possível.
José Raimundo
PLANALTO DOS MACONDES
AERÓDROMO 51
MUEDA
MOÇAMBIQUE
O Crepúsculo aproximava-se e o sol estava prestes a desaparecer por detrás da linha do horizonte.Mais um dia de trabalho intenso findava.O suor colava-nos a roupa ao corpo,causando desconforto e mau estar.O banho retemperador tardava.
Junto ao portão do hangar,e como era hábito,os mecânicos trocavam impressões sobre as actividades da dia e,como não podia deixar de ser,o tema fugia sempre para o futebol.A nossa Académica de Coimbra ficava normalmente para remate final.
Entretanto,ao longe,avistava-se uma avião em fase de aproximação à pista.Era um Nord-Atlas “Barriga de Ginguba”.-Mas que diabo o traria àquela hora a Mueda?!Bom!Aterragem perfeita e…eis o avião imobilizado na placa.
A nossa curiosidade era natural.Abre-se a porta.Do seu bojo,em “bicha de pirilau”,saem homens,brancos como a cal,com os camuflados ainda pintados de fresco e com o característico cheiro a naftalina.Tinham deixado para trás o regaço de suas mães e o olhar terno e lânguido de suas queridas.Eram os “*checas” do exército,acabadinhos de chegar da metrópole.Dando-lhes as boas-vindas estava o celebre cartaz que toda a gente que pisou aquela terra tão bem conhecia.”Mueda,terra da guerra.Aqui luta-se,trabalha-se e morre-se.”Comentámos uns com os outros:”Mais carne para canhão!...”
Seguiu-se a expectativa de encontrar alguém conhecido que nos trouxesse notícias da nossa terra,que cada vez ia ficando mais distante no tempo.Naquele amontoado de sacos de viagem verdes,bagagens,e um magote de gente,apareceu então uma cara conhecida!Lá vinha um alentejano”dos sete costados!!!”
Amigo de longa data,era o Quim Zé!Também ele tinha sido contemplado com a “lotaria”.O prémio foi uma ida às paragens da incerteza,do medo e da loucura.Era a guerra em África.
Cumpridas as formalidades próprias da altura,vieram as perguntas e respostas da ordem.”Para onde é que ele ia?Aquele local não era nada bom,mas tudo havia de correr bem!...”
Pouco mais se adiantou uma vez que o que eles queriam era dormir.
A partida para o Nangololo estava agendada para o dia seguinte,em coluna.Não se adivinhava tarefa nada fácil,dado o percurso que tinham que fazer.Era uma zona de muito “bicho”…
Lá partiu o bom do Quim Zé com votos de boa sorte…
Volvidos cinco dias (poucos…)foi marcada uma intervenção militar para aquela zona e com aqueles militares.
Chegado o momento,descolaram de Mueda seis Alouettes III com todo o aparato próprio de uma operação daquela envergadura.Eram ao “Índios” e ai iam eles!...O tempo de voo foi curto e o céu apresentava-se limpo.O sol subia brilhante.Era o sol africano!Chegados a Nangololo,recebeu-nos o comandante daquela companhia;os homens estavam sentados no chão,divididos em equipas de cinco.O nosso amigo lá estava,pronto para a sua primeira aventura.
Enquanto aguardávamos o bombardeamento a efectuar pelos aviões G-91 (Fiats)no local determinado,ainda houve uma resta de tempo para tragar um pouco de presunto com sabor a Alentejo e apreciar uma latinha de “Laurentina”.Por sinal estava boa e fresca,veio mesmo a calhar!...
O momento era de descontracção aparente.Eis senão quando.por cima,passam os Fiats com o seu roncar característico.A sua missão estava cumprida.Agora tudo o resto nos pertencia e àqueles homens.O embarque nos aparelhos foi rápido e a tensão enorme.
A zona de salto era já ali.Os aparelhos tomam as posições costumeiras.As conversas entre tripulações,nestas circunstâncias,eram sempre as mesmas…O primeiro héli aproximava-se.Deixa a sua carga e sai.Segundo dentro,segundo fora!...Terceiro dentro,terceiro fora!...e por ai diante.Após o último salto,os homens embrenham-se na mata entregues à sua sorte.Estava ali,bem na sua frente,o Vale de Miteda,com todos os seus perigos e mistérios.
Marcámos encontro para quatro dias depois.Proceder-se-ia,nessa altura,ao reabastecimento de alimentos e água.O dia seguinte amanheceu com uma chuva miudinha e chata,mas o sol,demonstrando a sua pujança,ditou a lei do mais forte.Era rei e o dia ai estava,de novo esplendoroso.
Surge,entretanto,em correria,direito ao bar,o meu companheiro de serviço às comunicações.
-Quem está de alerta?
-É o Moleiro Lopes! –responderam alguns… Há uma evacuação de zero horas!...
O Moleiro Lopes estava a terminar um jogo de cartas.Não querendo interromper aquele momento de pausa,ofereci-me para ir em seu lugar.A evacuação era precisamente para os lados do Vale de Miteda.Na sala de operações foram vistas e revistas as coordenadas e assinalado o local na carta.Aqueles “gajos”começaram a ser “abonados”
Piloto Aristides,enfermeira páraquedista Lurdes e eu como mecânico,compunham a tripulação.Descolámos rumo à zona de operações.Esperava por nós mais uma vitima daquela estúpida guerra!
O dia continuava lindo.Lá em baixo,o tapete verde da mata,entrecortado por trilhos e alguns cursos de água,era deslumbrante.(maldita guerra que não nos deixava gozar toda aquela paisagem de sonha!...)Nos auscultadores começávamos a ter contacto com as forças terrestres.Ai estavam as indicações para a aterragem.
A clareira tinha sido aberta a poder de catanas,a protecção estava montada e ai íamos nós numa descida de “malucos”.
Não havia tempo a perder…As rodas tocavam no chão,o pó e as folhas secas levantadas pelo rotor principal provocavam uma nuvem sufocante.O ruído da turbina era ensurdecedor.Gritei com quanta gana tinha.
-Tragam o ferido!...A altura não dava para mais.Conhecedor nato daquele sítio,não tinha tempo a perder.Da orla da mata surge,então,um homem de cabeça ligada,amparado por dois dos seus companheiros.Sentaram-no no banco de trás,como mandavam as regras.Ficou,a partir desse momento,entregue aos primeiros cuidados da enfermeira Lurdes.As portas fecham-se e ai vamos nós em mais uma subida vertiginosa,-na vertical-,que o tempo e o perigo mandavam!...
De novo em linha de voo,e após aquela tempestade de gestos e palavras,voltei-me para ver o que se passava lá atrás.
-Não!...Não podia ser!...Era o meu amigo Quim Zé!!!” O Alentejano dos sete costados…”
O sangue gelou-se-me nas veias.Com um olho dilacerado,o corpo com estilhaços e o camuflado,há pouco pintado de fresco verde e castanho,era agora uma pasta vermelha.Numa emboscada,uma granada de mão estilhaçada,acabava de o atirar para o hospital.Era nessa direcção que voávamos.Com toda a sua dor,estava entre a vida e a morte.Tinha-lhe saído uma vez mais, “lotaria”,só que desta,era a “taluda”!
Terminava para ele a aventura naquelas paragens.Bonitas,mas traiçoeiras,ele nem sequer tivera tempo de as apreciar!...
O Quim Zé.”o Alentejano dos sete costados”,hoje está vivo e,penso,recuperado na medida do possível.
José Raimundo
* Designação dada aos recém-chegados a Moçambique.
VB.O Raimundo é um companheiro por quem eu nutro uma certa admiração.
A sua humildade e boa disposição(muitas vezes sem vontade...)fazem com que seja uma figura sempre procurada no seio desta grande família ESPECIAL.
Sensibilizou-me ainda este sábado passado por altura da romagem que o Núcleo de Coimbra da AEFA fez à sepultura do nosso companheiro Pita,a sua atitude,sabendo que eu iria chegar um pouco mais atrasado em virtude das condições climatéricas que se faziam sentir na região Centro,esperou por mim na capela do Cemitério para me levar ao local onde repousa esse nosso Companheiro.
Estes actos retratam o carácter das pessoas,embora para mim não tenha essa expressão, à muito que o ZÉ é para mim um grande exemplo de HUMANISMO!
Talvez te não mereça tanto,ZÉ?!...
Obrigado Companheiro.