Miguel Pessoa
Ten.Pilav. (Cor.Pilav.Ref.) Guiné
Ten.Pilav. (Cor.Pilav.Ref.) Guiné
Lisboa
Caro Victor:
Tendo conhecimento de um texto rigoroso sobre os mísseis Strela na Guiné,assunto elaborado já há uns anos, mas nunca publicado, achei por bem falar com o seu autor, o então Comandante da Esq.121 (Fiats G-91, T-6 e Do-27), (à data Capitão) Pinto Ferreira, incentivando-o a enviar o referido texto para publicação neste nosso blogue..
Pareceu-me importante, dado o menor conhecimento que muitos dos nossos camaradas dos outros Ramos têm desta matéria, o que tem levado alguns a fazer comentários menos justos sobre a acção da Força Aérea no período final da guerra em África - neste caso específico essencialmente virada para a Guiné, no confronto com o PAIGC.
Para além do rigor da informação nele contida (o autor teve a amabilidade de o enviar a pilotos que voaram nessa época na Guiné, para eventuais correcções), parece-me importante dar a conhecer aos leitores interessados um resumo fidedigno do que realmente sucedeu e corrigir de vez o que sobre esta matéria se tem escrito incorrectamente.
Com mais razão, ainda, se justifica a apresentação deste texto num blogue que aglutina um grupo de pessoas que têm um gosto especial pela aviação em geral e pela Força Aérea Portuguesa em particular, como é o caso dos Especialistas da BA12 e todos aqueles que demandam este blogue em busca de informação e esclarecimento.
É um testemunho rigoroso a que deve ser dado o devido crédito, por ter sido preparado por quem, pelas funções que desempenhava na época e pelo conhecimento profundo dos eventos relatados (porque esteve lá na maioria deles), merece toda a credibilidade.
Um abraço.
Miguel Pessoa
A INTRODUÇÃO DO "STRELA" (*) NA GUINÉ
1. O primeiro míssil Strela foi mais "sentido" que visto quando uma parelha de Fiats G-91, pilotada pelos TCor Brito e Ten. Pessoa, executava uma missão junto à fronteira norte, em Campada – S.Domingos, no dia 20 de Março de 1973.
O míssil passou entre os dois aviões sem atingir nenhum deles, mas tão próximo que o TCor. Brito sentiu o impacto da onda de choque do míssil.
Como era habitual sempre que um avião era alvejado, seguindo o rasto de fumo deixado os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo o local de onde tinha sido feito o disparo, utilizando o armamento de que dispunham (bombas, 2x200Kg e 4x50Kg cada avião), com os parâmetros de tiro habituais naquela época (3000 a 4000' de altitude), o que poderia ter sido fatal para aqueles pilotos. No entanto não se verificou resposta por parte do IN.
A pedido do chefe da formação o segundo avião observou o exterior do outro, tentando detectar sinais de algum impacto, não tendo no entanto verificado qualquer anomalia.
Os aviões regressaram à Base sem mais incidentes.
Tendo conhecimento de um texto rigoroso sobre os mísseis Strela na Guiné,assunto elaborado já há uns anos, mas nunca publicado, achei por bem falar com o seu autor, o então Comandante da Esq.121 (Fiats G-91, T-6 e Do-27), (à data Capitão) Pinto Ferreira, incentivando-o a enviar o referido texto para publicação neste nosso blogue..
Pareceu-me importante, dado o menor conhecimento que muitos dos nossos camaradas dos outros Ramos têm desta matéria, o que tem levado alguns a fazer comentários menos justos sobre a acção da Força Aérea no período final da guerra em África - neste caso específico essencialmente virada para a Guiné, no confronto com o PAIGC.
Para além do rigor da informação nele contida (o autor teve a amabilidade de o enviar a pilotos que voaram nessa época na Guiné, para eventuais correcções), parece-me importante dar a conhecer aos leitores interessados um resumo fidedigno do que realmente sucedeu e corrigir de vez o que sobre esta matéria se tem escrito incorrectamente.
Com mais razão, ainda, se justifica a apresentação deste texto num blogue que aglutina um grupo de pessoas que têm um gosto especial pela aviação em geral e pela Força Aérea Portuguesa em particular, como é o caso dos Especialistas da BA12 e todos aqueles que demandam este blogue em busca de informação e esclarecimento.
É um testemunho rigoroso a que deve ser dado o devido crédito, por ter sido preparado por quem, pelas funções que desempenhava na época e pelo conhecimento profundo dos eventos relatados (porque esteve lá na maioria deles), merece toda a credibilidade.
Um abraço.
Miguel Pessoa
A INTRODUÇÃO DO "STRELA" (*) NA GUINÉ
1. O primeiro míssil Strela foi mais "sentido" que visto quando uma parelha de Fiats G-91, pilotada pelos TCor Brito e Ten. Pessoa, executava uma missão junto à fronteira norte, em Campada – S.Domingos, no dia 20 de Março de 1973.
O míssil passou entre os dois aviões sem atingir nenhum deles, mas tão próximo que o TCor. Brito sentiu o impacto da onda de choque do míssil.
Como era habitual sempre que um avião era alvejado, seguindo o rasto de fumo deixado os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo o local de onde tinha sido feito o disparo, utilizando o armamento de que dispunham (bombas, 2x200Kg e 4x50Kg cada avião), com os parâmetros de tiro habituais naquela época (3000 a 4000' de altitude), o que poderia ter sido fatal para aqueles pilotos. No entanto não se verificou resposta por parte do IN.
A pedido do chefe da formação o segundo avião observou o exterior do outro, tentando detectar sinais de algum impacto, não tendo no entanto verificado qualquer anomalia.
Os aviões regressaram à Base sem mais incidentes.
2. O segundo míssil, agora já detectado visualmente em 22 de Março de 1973, foi disparado contra um DO-27, pilotado pelo FUR Moreira, o qual se encontrava empenhado a fazer o "Sector de Bigene".
O piloto voava na área de Bigene e, pensando que se tratava de um disparo de RPG, como era habitual quando alguma aeronave era alvejada pediu ao Centro de Operações Aéreas na BA12 que enviasse para o local a parelha de Fiats de alerta.
A parelha de alerta, armada com foguetes e metralhadoras, descolou para Norte enquanto o DO-27 se mantinha na área. Os dois pilotos dos G-91 eram os Tens. António Matos e Lourenço Marques.Quando chegaram ao local o Fur. Moreira indicou o local do disparo como sendo na margem de uma mata, que corria para norte. Indicou também o local onde o tiro tinha caído, que ainda fumegava e que distava do ponto de disparo cerca de 1,5Km. A distância pareceu logo demasiado grande para um tiro de RPG porque o alcance máximo era de 400 metros.
Os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo a orla da mata, de Sul para Norte.
Neste circuito o nº1 saía para a esquerda e o nº2 para a direita.
Entretanto são verificados dois novos disparos, que não passam perto dos aviões, mas mais uma vez com um grande rasto de fumo e também com grande alcance.
Mesmo assim, a surpresa continuou a funcionar, não tendo ocorrido a nenhum dos pilotos que se pudesse tratar de um míssil.
Perante esta reacção do inimigo e porque entretanto ambos os aviões tinham esgotado o armamento, o nº 1 decidiu pedir mais dois aviões, desta feita armados com bombas, 2x200Kg e 4x50Kg.
O piloto voava na área de Bigene e, pensando que se tratava de um disparo de RPG, como era habitual quando alguma aeronave era alvejada pediu ao Centro de Operações Aéreas na BA12 que enviasse para o local a parelha de Fiats de alerta.
A parelha de alerta, armada com foguetes e metralhadoras, descolou para Norte enquanto o DO-27 se mantinha na área. Os dois pilotos dos G-91 eram os Tens. António Matos e Lourenço Marques.Quando chegaram ao local o Fur. Moreira indicou o local do disparo como sendo na margem de uma mata, que corria para norte. Indicou também o local onde o tiro tinha caído, que ainda fumegava e que distava do ponto de disparo cerca de 1,5Km. A distância pareceu logo demasiado grande para um tiro de RPG porque o alcance máximo era de 400 metros.
Os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro batendo a orla da mata, de Sul para Norte.
Neste circuito o nº1 saía para a esquerda e o nº2 para a direita.
Entretanto são verificados dois novos disparos, que não passam perto dos aviões, mas mais uma vez com um grande rasto de fumo e também com grande alcance.
Mesmo assim, a surpresa continuou a funcionar, não tendo ocorrido a nenhum dos pilotos que se pudesse tratar de um míssil.
Perante esta reacção do inimigo e porque entretanto ambos os aviões tinham esgotado o armamento, o nº 1 decidiu pedir mais dois aviões, desta feita armados com bombas, 2x200Kg e 4x50Kg.
O nº1 desta parelha não chegou a descolar, pelo que só saiu o nº 2 que era o Comandante da Esquadra, Cap. Pinto Ferreira.
Chegado à zona recebe indicações da parelha anterior e inicia o bombardeamento.
À saída do 3º passe de bombas, e já quando passava pelos 5.000 pés, observou, vindo da sua direita, um longo rasto de um míssil em rápida aproximação ao seu avião.
Submetendo o avião aos "Gs" que a velocidade permitia, de imediato sentiu um forte impacto no avião, o que o levou a considerar ter sido atingido.
No entanto, sem indicação na cabina de quaisquer danos, rumou em direcção à Base. Os outros dois aviões seguiram-no.
O Cap. Pinto Ferreira aterra o G-91 em Bissau, constatando-se então não ter sido atingido por qualquer estilhaço.
Mais uma vez, um míssil passou demasiado perto e o que o piloto sentiu foi a onda de choque.
3. O terceiro Strela atingiu o avião do Ten. Pessoa, em 25 de Março de 1973.Sobrevoando o "corredor do Guilege" a 1.000' (300 metros) de altitude para se furtar ao fogo das metralhadoras antiaéreas instaladas na Guiné-Conakry, numa missão de apoio ao quartel do Guilege, o avião do Ten. Pessoa é o primeiro a sofrer o impacto directo do míssil:
"Fui atingido na parte traseira do avião, fiquei sem motor e depois sem comandos, e deu-me a sensação de que não teria sido uma bateria antiaérea. A minha preocupação, quando senti o impacto e a perda do motor, foi tentar pôr o motor a trabalhar normalmente, com a esperança de fazer uma ignição de emergência. Procurei o aquartelamento a que eu estava a fazer apoio de fogo, com vista à ejecção".
"Fui atingido na parte traseira do avião, fiquei sem motor e depois sem comandos, e deu-me a sensação de que não teria sido uma bateria antiaérea. A minha preocupação, quando senti o impacto e a perda do motor, foi tentar pôr o motor a trabalhar normalmente, com a esperança de fazer uma ignição de emergência. Procurei o aquartelamento a que eu estava a fazer apoio de fogo, com vista à ejecção".
O Ten. Pessoa acabou por perder o domínio do avião. Sem motor e sem comandos, sentindo o Fiat afundar-se rapidamente, decidiu ejectar-se. Como voava muito baixo, o pára-quedas não abriu completamente, mas a vegetação travou-lhe a queda, depositando-o no chão com uma perna partida.
Assim que se restabeleceu do choque, começou a procurar um local donde pudesse disparar, relativamente abrigado das vistas do inimigo, a pistola de sinais que lhe permitiria ser localizado pelos aviões.
Avaliando rapidamente as circunstâncias em que fora abatido, concluiu que devia estar próximo do aquartelamento de Guilege, e conseguiu determinar mesmo, e acertadamente, em que direcção ele se encontrava.
Arrastou-se ainda, a muito custo, algumas centenas de metros, mas não conseguiu alcançá-lo, como era seu desejo.Os guerrilheiros não se devem ter apercebido de que o piloto se tinha ejectado, pois a ejecção foi executada a muito baixa altitude.
No decurso da noite, que passou dissimulado no meio da folhagem, Pessoa não detectou qualquer movimentação do inimigo nas cercanias.
Apenas no dia seguinte, quando os helicópteros e os aviões começaram a voar na zona, é que eles poderão ter suspeitado da existência de pessoal militar no terreno.
Mas quando tetaram localizar o piloto, já era tarde: pelas onze horas do dia 26 de Março de 1973, um grupo integrando elementos das Operações Especiais e de paraquedistas do BCP12, depois de o localizar, transportou-o para um helicóptero onde a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes lhe prestou os primeiros socorros e o assistiu na sua evacuação para o Hospital Militar de Bissau. A heli recuperação do Ten. Pessoa esteve longe de ser pacífica, tendo sido feitos disparos de mísseis contra os aviões de apoio à operação, nomeadamente a um T6 do Fur. Carvalho, mas não causando estragos.Apenas no dia seguinte, quando os helicópteros e os aviões começaram a voar na zona, é que eles poderão ter suspeitado da existência de pessoal militar no terreno.
4. Três dias mais tarde, a 28 de Março de 1973, o Comandante do Grupo, TCor. Brito não teve a mesma sorte da primeira vez em que fora alvejado, juntamente com o Ten. Pessoa, sendo atingido à vertical de Madina do Boé, por um míssil que provocou a explosão do seu avião.
Por volta das 12H00, o Centro de Operações informara que, segundo a DGS, estaria em curso uma reunião de altos quadros do PAIGC, em Madina do Boé, considerada a capital do território independente da região abandonada em 1968 pelas nossas Forças Terrestres (todo o sul do rio Corubal).
Embora se suspeitasse de uma armadilha, foi tomada a decisão de se fazer um reconhecimento visual da zona, a baixa altitude, pelo que foi accionada a parelha de alerta, constituída pelos TCor. Brito e Cap. Pinto Ferreira.
Chegados à área, a parelha comandada pelo TCor. Brito percorre para sul a estrada que vai até à base do PAIGC na Guiné Konacri, conhecida por Kamberra, a baixa altitude, o que permitiu observar um cenário de viaturas militares destruídas, desde a altura em que o Exército abandonou aquela região.
Não se verificou qualquer reacção do inimigo, mesmo quando sobrevoam Kamberra .
Atingida a fronteira sul, os aviões rumam a norte em direcção a Madina do Boé. À vertical daquela posição, o nº2 da formação, Cap. Pinto Ferreira, a voar a cerca de 500 pés sobre o terreno, é surpreendido pela explosão do avião do TCor. Brito - que voava um pouco mais alto á sua frente - atingido por um Strela. O IN lança outro míssil para o nº 2, que graças a manobras evasivas (mais de 3 "G, s") e à baixa altitude, não é atingido.
De regresso à Base e reunidos os mais altos responsáveis do Comando da Região Aérea e do Q.G., foi decidido não voltar àquele local para a recuperação do corpo do TCor. Almeida Brito, apesar de haver voluntários para a operação.
Por volta das 12H00, o Centro de Operações informara que, segundo a DGS, estaria em curso uma reunião de altos quadros do PAIGC, em Madina do Boé, considerada a capital do território independente da região abandonada em 1968 pelas nossas Forças Terrestres (todo o sul do rio Corubal).
Embora se suspeitasse de uma armadilha, foi tomada a decisão de se fazer um reconhecimento visual da zona, a baixa altitude, pelo que foi accionada a parelha de alerta, constituída pelos TCor. Brito e Cap. Pinto Ferreira.
Chegados à área, a parelha comandada pelo TCor. Brito percorre para sul a estrada que vai até à base do PAIGC na Guiné Konacri, conhecida por Kamberra, a baixa altitude, o que permitiu observar um cenário de viaturas militares destruídas, desde a altura em que o Exército abandonou aquela região.
Não se verificou qualquer reacção do inimigo, mesmo quando sobrevoam Kamberra .
Atingida a fronteira sul, os aviões rumam a norte em direcção a Madina do Boé. À vertical daquela posição, o nº2 da formação, Cap. Pinto Ferreira, a voar a cerca de 500 pés sobre o terreno, é surpreendido pela explosão do avião do TCor. Brito - que voava um pouco mais alto á sua frente - atingido por um Strela. O IN lança outro míssil para o nº 2, que graças a manobras evasivas (mais de 3 "G, s") e à baixa altitude, não é atingido.
De regresso à Base e reunidos os mais altos responsáveis do Comando da Região Aérea e do Q.G., foi decidido não voltar àquele local para a recuperação do corpo do TCor. Almeida Brito, apesar de haver voluntários para a operação.
Naturalmente que, a perda do Leader do Grupo Operacional da Guiné, causou grande perturbação nos pilotos, na sua maioria jovens pilotos.
5. Em 6 de Abril de 1973, agora no Norte do território da Guiné, a fortuna foi ainda mais madrasta para o Grupo Operacional 1201 da Guiné.
Nesse dia, muito cedo, um DO-27 pilotado pelo Furriel Baltazar da Silva partiu de Bissalanca para uma missão de apoio a um sector de Batalhão a norte do rio Cacheu. Numa das movimentações, transportando um médico e um sargento de Bigene para Guidaje, o avião não chegou ao destino.Tendo-se perdido o contacto com aquele avião, de Bissalanca descolaram meios aéreos para tentar localizá-lo e, quase em simultâneo, descolou outro DO-27 incumbido de proceder a uma evacuação sanitária pedida pelo aquartelamento do Guidaje.
Nesse dia, muito cedo, um DO-27 pilotado pelo Furriel Baltazar da Silva partiu de Bissalanca para uma missão de apoio a um sector de Batalhão a norte do rio Cacheu. Numa das movimentações, transportando um médico e um sargento de Bigene para Guidaje, o avião não chegou ao destino.Tendo-se perdido o contacto com aquele avião, de Bissalanca descolaram meios aéreos para tentar localizá-lo e, quase em simultâneo, descolou outro DO-27 incumbido de proceder a uma evacuação sanitária pedida pelo aquartelamento do Guidaje.
O avião era pilotado pelo Fur. Carvalho e levava a bordo a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes.
Também este avião não chegaria ao seu destino: alvejado por um míssil Strela, que o não alcançou por muito pouco, os comandos do DO-27 ficaram tão danificados pela acção da onda de choque, que teve de regressar à base de origem. [Giselda Antunes e Miguel Pessoa vieram a casar mais tarde, tornando-se, com toda a probabilidade, num casal único em todo o mundo: ambos foram alvejados por mísseis terra-ar Strela, e escaparam os dois à morte.]
Entretanto, para substituir o avião danificado partiu de Bissalanca outro DO-27, pilotado pelo Fur. António Carvalho Ferreira.
Tendo embarcado em Bigene o Major Mariz, comandante do Batalhão ali estacionado, este avião aterrou por fim em Guidaje, donde descolou mais tarde com quatro pessoas a bordo: o piloto, o major, um militar ferido e um enfermeiro (Cabo Cóias, da BA12) para o assistir durante a viagem para Bissau.
Apenas se sabe que, dadas as características da pista, descolou para norte, entrando por território do Senegal. Nunca mais foi visto!O primeiro DO-27 desaparecido acabou por ser localizado algures no mato, entre Bigene e Guidaje.
Transportado de imediato para o local em helicópteros, um pelotão de pára-quedistas limitou-se a constatar a morte dos quatro ocupantes.
Nessa altura, voando na área em protecção da acção terrestre, o T-6 do major Mantovani foi abatido por outro míssil Strela, tendo o piloto morrido na queda do aparelho.
Manuel dos Santos, o homem que chefiara o grupo do PAIGC enviado à União Soviética para aprender a operar os mísseis, e que então acumulava as funções de comissário político da Frente Norte com as de comandante dos mísseis em todo o território, podia dar-se por satisfeito: naquelas poucas semanas do primeiro semestre de 1973, os seus homens desferiram um duro golpe na capacidade operacional do inimigo.
6. O último avião a ser abatido por um Strela, antes da independência, teve lugar 9 meses depois, em 31 de Janeiro de 1974, numa missão de apoio próximo ao quartel de Canquelifá, no leste da Guiné; a parelha de Fiats era constituída pelos TCor. Vasquez e Ten. Gil.
O avião do Ten. Gil foi atingido ao fim do dia, durante a recuperação de um passe de bombas (a cerca de 7.000'), eventualmente feito sem a necessária aceleração, entrando assim no envelope do míssil. O piloto ejectou-se, conseguido fugir para Norte, passando a noite para lá da fronteira com o Senegal. Ao amanhecer, iniciou uma caminhada para sul, a fim de tentar encontrar a estrada Nova Lamego – Buruntuma.
Entretanto, estavam já na zona os meios de busca e salvamento, constituídos por um DO-27 e Parequedistas transportados em ALIII, bem como uma parelha de Fiats em alerta, estacionada em Nova Lamego, com o Cap. Pinto Ferreira e o Ten. Matos.
O Ten. Gil avistou os aviões que o procuravam, só que, quando tal aconteceu, já se encontrava demasiado a Sul (que jeito teria feito um rádio... - só apareceram uns meses depois) ; continuou a andar e, cansado e cheio de sede, resolveu entrar numa tabanca onde pediu água;Foi recebido de um modo amistoso, deram-lhe água e laranjas, o que o levou a oferecer 1000 Pesos a quem o levasse a um quartel da tropa.
À vista de tal quantia, foi o próprio "homem grande" da tabanca que, pegando na sua bicicleta, o levou ao posto da tropa mais próximo - Dunane, situado na estrada Piche-Canquelifá.
Aí chegados e como os militares eram todos africanos, o piloto pediu que o levassem até um quartel com militares brancos, o que fez o "homem grande" pedalar rijo até Piche.Foi desse posto avançado FT que, cerca das 17:00 e via rádio, informaram os Fiats que o "Papá Índia Lima Oscar Tango Oscar ia para (as duas letras do indicativo de Piche) de Bravo Índia Charlie Índia Charlie Lima Echo Tango Alfa".
Chegado a Piche, o Ten. Gil pagou a dívida ao "homem grande" e foi transportado no Dakota para Bissau, onde chegou cerca das 23H00.
Devido aos excessos da comemoração acabou a noite no Hospital de Bissau; aí chegado, e como não houvesse camas disponíveis, foi obrigado a dormir na área da Psiquiatria; o enfermeiro, que entretanto entrara de serviço, como o viu demasiado agitado (era do "chagrin" ...) e estando na área dos PSICOS, resolveu amarrá-lo à cama, donde só muito mais tarde se conseguiu libertar.
Regressou à Base na manhã de 2 Fevereiro, sem mais problemas.
7. Em síntese, o sucesso inicial do PAIGC, teve como principal origem a falta de informações sobre o sistema do míssil, seu envelope e capacidades, que deveriam ter sido antecipadas aos operadores daquele teatro de operações.
Recorde-se que, o "Strela" ou SAM 7, era já bem conhecido da guerra do Vietname.
Foi preciso perderem-se 6 aviões e 4 pilotos, para se passar a operar com contra-medidas adequadas, o que permitiu não ter mais perdas durante cerca de 9 meses.
Refira-se que o PAIGC continuou a utilizar o Strela na Guiné, evoluindo para mísseis mais sofisticados, em que desapareceu o rasto de fumo que, no início permitia o avião aperceber-se da sua aproximação supersónica, passando mais tarde a ser possível vislumbrar apenas um foco de luz, proveniente da cabeça do míssil.
Assim, a partir de Abril de 1973, na zona do objectivo o Fiat G-91 passou a manobrar por forma a manter um mínimo de 3 a 4 G,s e a retaliar de forma intensiva , com bombas de 750 libras, sempre que era lançado um míssil.
Este tipo de armamento, chegou a ser utilizado no apoio próximo a aquartelamentos na fronteira, caso do Guidaje onde foram largadas bombas de 750 libras no arame farpado! Aliás este aquartelamento deixou de ser abastecido por terra, uma vez que as colunas militares não conseguiam passar. Ao ponto de uma coluna de veículos militares, carregados de armamento e explosivos, ter sido emboscada e abandonada pelo nossas FT, e ter sido dada a ordem ao Cap. Pinto Ferreira, para bombardear e destruir a referida coluna, o que foi feito.
Diga-se, em abono da verdade, que o apoio próximo habitual às tropas no terreno, com o DO-27 a fazer PCV com foguetes e o T-6 no acompanhamento das colunas no seu trajecto, deixou ser exequível.
O DO-27 ficou limitado às evacuações e o T-6 foi abolido.
Os Fiats e os Helicópteros, com contra-medidas adequadas, continuaram a cumprir as suas missões.
José Manuel PintoFerreira
P.S. Tomei a iniciativa de acrescentar a este texto do meu camarada e amigo Pinto Ferreira uma razoavelmente comprida nota de rodapé, preparada com base no conhecimento que ao longo destes episódios fui (fomos) adquirindo:
(a) Desde o seu aparecimento em 20 de Março de 1973, até à saída da Força Aérea do território da Guiné, foram assinalados quase 60 disparos de mísseis SAM-7 Strela, tendo o último sido registado já depois de 25 de Abril de 1974, contra um AL-III (Alf. Cruz Dias?) que cruzava o rio Tombali, na zona da Pobreza, embora sem danos para o helicóptero.
(b) As ondas de choque sentidas pelos aviões eram derivadas da velocidade atingida pelo míssil, que rondava Mach 1,5 (1,5 vezes a velocidade do som), provocando no seu percurso uma onda de choque que podia ser sentida pelos aviões quando o míssil passava "a raspar".
(c) Por sua vez os mísseis tinham um alcance de 11.000'/12.000', o que, por não poderem ser lançados na vertical, permitia supor que uma altitude de 10.000' seria segura para cruzar os céus da Guiné - método seguido pelos DO-27 e pelos "aviões da pesada" nas deslocações longas, bem como pelos Fiat G-91 nos percursos para e no regresso da zona de operação (o Fiat G-91 passava com relativa facilidade dessa altitude para baixas altitudes).
Já o AL-III, assim como o DO-27 em percursos curtos, faziam as suas deslocações a baixa altitude, de modo a evitar o míssil (que, disparado com um ângulo pequeno em relação ao horizonte, podia ser atraído pelo calor irradiado pelo terreno, falhando o alvo).
Já o AL-III, assim como o DO-27 em percursos curtos, faziam as suas deslocações a baixa altitude, de modo a evitar o míssil (que, disparado com um ângulo pequeno em relação ao horizonte, podia ser atraído pelo calor irradiado pelo terreno, falhando o alvo).
(d) Da experiência recolhida pelos pilotos de Fiat G-91 no seu "contacto" com o Strela, verificou-se por mais que uma vez, que os mísseis passavam (ou acertaram, no caso de 31JAN74) pelo avião alvejado a uma altitude entre os 4.000' e os 7.000' (1.300 a 2.300 metros), em situações de recuperação adequadas (o que significava forças de 5 a 6 G's em volta).
(e) Em todo o conflito o Fiat G-91 nunca foi equipado com sistemas passivos ou activos de defesa contra este tipo de armamento do PAIGC.
Como já foi referido no texto anterior, as contra-medidas tomadas foram, fundamentalmente, a utilização de novos parâmetros de voo, a vigilância mútua das aeronaves nos voos de formação (de modo a detectar atempadamente qualquer disparo contra uma delas) e um maior cuidado nas recuperações dos passes (com recurso a manobras mais apertadas, nos limites de operação do Fiat G-91), de modo a evitar que o míssil conseguisse obter uma curva de perseguição adequada para o abate do avião.
Como já foi referido no texto anterior, as contra-medidas tomadas foram, fundamentalmente, a utilização de novos parâmetros de voo, a vigilância mútua das aeronaves nos voos de formação (de modo a detectar atempadamente qualquer disparo contra uma delas) e um maior cuidado nas recuperações dos passes (com recurso a manobras mais apertadas, nos limites de operação do Fiat G-91), de modo a evitar que o míssil conseguisse obter uma curva de perseguição adequada para o abate do avião.
(f) Segue-se uma explicação das fotos que complementam o texto do ex-Cap. Pinto Ferreira, então Comandante da Esq. 121 (já agora, informo que ele saíu da Força Aérea com o posto de Tenente-Coronel):
(g) A primeira é cópia de um comunicado do PAIGC em que relata, em versão "hardcore", os "resultados" obtidos no dia 25 de Março. Como se pode ver por este panfleto de propaganda do PAIGC, os resultados reportados eram muito superiores aos realmente obtidos, de tal modo que, a serem verdade, a Força Aérea teria ficado sem aviões... e ainda ficava a dever uns tantos!Embora pareça pouco nítida, a foto suporta perfeitamente uma ampliação, sendo totalmente legível (para quem perceba francês...).
(h) A segunda mostra a versão "softcore" do outro lado, que todos nós devemos ter sentido em muitas ocasiões. O regime suavizava toda a informação negativa que pudesse desmoralizar o cidadão comum. Por isso eu tive uma simples avaria e saí daquilo impecável...
(i) A terceira foi tirada nas matas do Guileje enquanto me transportavam para a orla, onde estava o AL-III para me evacuar.
Agradeço ao Sarg. Paraquedista Delgadinho Rodrigues ter-me proporcionado uma boa reportagem do acontecimento (que guardo com grande estima), bem como a oferta dos respectivos negativos, o que me dá à-vontade para te enviar esta foto sem lhe dar cavaco... Mas esta referência ao responsável pela foto é perfeitamente merecida.
Agradeço ao Sarg. Paraquedista Delgadinho Rodrigues ter-me proporcionado uma boa reportagem do acontecimento (que guardo com grande estima), bem como a oferta dos respectivos negativos, o que me dá à-vontade para te enviar esta foto sem lhe dar cavaco... Mas esta referência ao responsável pela foto é perfeitamente merecida.
(j) A última tem o crédito do Sargento Coelho, da Secção Fotográfica da BA12 que, para além do trabalho operacional de revelação dos fimes tirados pelos Fiat G-91 nas missões de reconhecimento, também se dedicava às "reportagens fotográficas" dos eventos mais significativos da BA12, e que amavelmente me ofereceu este negativo. Foi tirada na placa da Base quando da minha vinda do hospital, a caminho da enfermaria da Base. Podes ver nela a enfermeira paraquedista Giselda Antunes, que acompanhou toda a minha evacuação.Aqui justifica-se uma explicação para o facto de eu segurar uma garrafa de espumante na mão, enquanto era transportado na maca...
Não, não fazia parte do meu "kit" de sobrevivência, nem eu estava a soro!
Não, não fazia parte do meu "kit" de sobrevivência, nem eu estava a soro!
Na minha transição do local da evacuação para o hospital, o heli aterrou primeiro no aquartelamento do Guileje, onde alguém resolveu presentear-me com a referida garrafa. Devo dizer que nunca cheguei a bebê-la pois, tendo sido mais tarde evacuado para Lisboa, resolvi deixá-la à guarda das nossas enfermeiras paraquedistas, as quais confirmaram a boa qualidade do produto e o gosto requintado do pessoal do Guileje.
(k) Compreendo que, para um texto generalista sobre o Strela, as fotos são demasido ligadas a um único acontecimento, o que pode parecer um pouco chauvinista da minha parte.
No entanto, como deves compreender trata-se do único material de que disponho.
No entanto, como deves compreender trata-se do único material de que disponho.
Farás o favor de utilizar aquele que achares melhor.
Um abraço
Miguel Pessoa
(*)Míssil SAM-7, nome de código "Grail", conhecido como "Strela" ("Flecha" em russo)
VB: Pois é Miguel,era bom que muito "boa gente"interpreta-se este texto,provavelmente continuaria com a mesma ideia,mas talvez a consciência,em função do que temos lido em relação à actividade no TO da Guiné,não fosse o mesmo.
Peço-te desculpa de só agora proceder à sua publicação,pois já tens alguns dias em meu poder,mas o tempo tem sido curto.