António Martins de Matos
Ten. Gen. Pilav. Refº Guiné
Ten. Gen. Pilav. Refº Guiné
Lisboa
Na sequência do Post 876 que regista a passagem de 36 anos sobre a data em que foi abatido o então Ten. Pilav Miguel Pessoa, recebemos este esclarecedor texto do outro Tigre que nessa mesma data estava também em Alerta na Esquadra 121.
Caro amigo
Faz 36 anos ...
Na sequência do Post 876 que regista a passagem de 36 anos sobre a data em que foi abatido o então Ten. Pilav Miguel Pessoa, recebemos este esclarecedor texto do outro Tigre que nessa mesma data estava também em Alerta na Esquadra 121.
Caro amigo
Faz 36 anos ...
ALERTAS
Já por diversas vezes tem vindo à baila a razão pela qual em 25 Março 73 só um dos aviões de alerta foi socorrer o Guileje, o que terá contribuído para uma recuperação lenta do piloto, o meu amigo Miguel Pessoa.
A reunião de Comandos de 15 Maio73 também refere o tema e, na sua douta sapiência, afirma que os aviões têm de voar “no mínimo em parelha”.
E no entanto há um ditado popular que diz “Quem não tem cão ... caça com gato”.
Passo a explicar:
A guerra colonial arrastou-se por 13 anos.
Inexplicavelmente o Estado Maior da Força Aérea em Lisboa nunca produziu uma doutrina de emprego dos meios que pudesse ser usada nas três frentes.
Na ausência desta uniformização cada província limitava-se a adaptar os seus parâmetros de voo em função do saber e da experiência local.
O avião Fiat G-91 possuía quatro “extensões” debaixo das asas, para levar armamento e/ou depósitos de combustível.
Na chamada configuração de alerta, as 2 extensões interiores estavam ocupadas com depósitos de combustível, o que permitia uma autonomia de voo de cerca de hora e meia. As extensões exteriores estavam equipadas com 2 ninhos de foguetes, cada ninho transportava 4 foguetes de 2,75 polegadas.
A somar ao equipamento transportado nas asas, o Fiat G-91 possuía 4 metralhadoras no nariz, cada uma delas municiada com 200 balas de calibre 12,7 mm.
Era esta a configuração normalmente usada nos apoios de fogo.
Já em posts anteriores referi que o armamento que equipava os aviões de alerta era totalmente inadequado, pelas seguintes razões:
- Em relação às metralhadoras e dado que as munições não eram explosivas, bastava o inimigo abrigar-se junto de uma árvore de porte “normal” para ficar a salvo.
- Os foguetes podiam derrubar uma árvore, mas também eles não eram anti-pessoal, pelo que só um impacto directo poderia ter algum sucesso.
Eram estas missões inúteis? Penso que não.
Bastava o ruído da aeronave para se obter um efeito dissuasor no PAIGC e moralizador nas nossas tropas.
O ver surgir o Fiat G-91 fazia com que o pessoal saísse das valas e abrigos e viesse para o centro do quartel, para nos acenarem, esquecidos que ainda há pouco estavam sob fogo inimigo.
À despedida, o “tonneau” executado a baixa altitude sobre o quartel era a cereja no bolo.
Nas configurações usadas em missões pre-planeadas, os depósitos de combustível e foguetes eram retirados, dando origem a duas novas versões, a primeira com 6 bombas de 50 kilos, a segunda com 2 bombas de 200 kilos e 4 de 50 kilos.
A autonomia da aeronave ficava reduzida a 55 minutos.
Foto de arquivo de Especialistas ba12(Direitos reservados)
A partir do verão de 1973 passou a haver uma terceira configuração, 2 bombas de 750 libras, versão que, dado o seu poder destrutivo, só podia ser empregue a mais de 1 quilómetro das nossas forças.
Foi esta a versão mais utilizada quando se tratou de repelir os ataques a Gadamael.
Todos os pilotos de Fiat G-91 tinham consciência das limitações do armamento e, através dos canais competentes já tinham pedido a sua melhoria.
O pedido apresentado na Reunião de Comandos do QGBissau de 15 Maio 73, onde se preconizava a substituição dos Fiat G-91 por aviões Mirage, felizmente que não foi do conhecimento dos pilotos da Esquadra.
No meu entender tal pedido só revelava a falta de sensibilidade de quem geria os destinos da FAP, pois o que os pilotos na altura necessitavam não era a substituição da aeronave, algo que levaria anos a ser efectuada, mas sim a substituição imediata do armamento, foguetes anti-pessoal e 2 canhões 20 mm semelhantes ao usado no Heli-canhão, alterações que poderiam ser concretizadas em curto espaço de tempo.
Tais pedidos devem ter caído em saco roto pois nada foi melhorado. (1)
Com o não melhoramento do armamento e o aumento de actividade do PAIGC houve necessidade de procurar um novo modo de apoiar os quartéis.
A solução encontrada foi a dos dois pilotos de alerta passarem a dispor de quatro aviões preparados para saírem em 10 minutos, dois na versão original, foguetes e depósitos de combustível e dois com bombas.
Desta maneira e em função da ameaça esperada e partindo do pressuposto de que o pedido era claro e preciso, os pilotos escolhiam quais os aviões a voar, com a configuração mais adequada.
Em casos omissos ou pouco claros, um dos pilotos seguia no avião com depósitos de combustível, avaliava a situação e, via rádio, dizia qual o tipo de aeronave que o segundo piloto deveria operar. O segundo avião chegava à área cerca de 10 minutos depois e podia largar de imediato o seu armamento.
Esta “técnica” revelou-se extremamente eficaz contra as equipas que operavam os Strelas.
Não foi isso o que se passou no dia 25 Março 73.
O pedido não era claro, descolou um avião (o “Kurica”), o outro piloto (o “Batata”) aguardou junto das aeronaves.
O piloto contactou o quartel mas não chegou a transmitir para Bissalanca o resultado da sua avaliação, tendo sido abatido.
Face a não obter qualquer feedback o segundo piloto descolou no avião de maior autonomia em direcção ao Guileje.
Na tentativa de encontrar algo (o avião, o paraquedas, o piloto, ...) sobrevoou toda a zona do corredor do Guileje, o Mejo, de Gandembel, à fronteira, sem nada encontrar.
O facto de não ter sentido qualquer reacção hostil vinda da mata, fez-lhe pensar que o Pessoa teria tido uma falha mecânica.
Um segundo voo revelou-se igualmente infrutífero.
O terceiro voo revelou-se mais gratificante quando um dos pilotos (TC Brito) (*) localizou um very-light a sair da mata. (2)
Enquanto ele subiu a fim de referenciar a localização exacta na carta, eu desci e voei em círculos junto do local de onde tinha partido o very light a fim de alertar o Pessoa que tinha sido localizado.
Na manhã seguinte procedeu-se à operação de resgate.
O resto está descrito no post do Kurica da Mata. (**)
Notas do António Matos:
(1) A partir de 1975 a FAP acabou por receber aviões FIAT G-91 R3, equipados com 2 canhões de 30mm, bom jeito teriam feito, mas a guerra já tinha terminado.
(2) Cada piloto tinha um conjunto de very-lights e respectivo equipamento de disparo, semelhante ao da foto.
Foto:Conjunto de Very-lights semelhantes aos utilizado pelo Miguel Pessoa para localizar a sua posição às NT
Fotos: António Martins de Matos (direitos reservados)
Fotos: António Martins de Matos (direitos reservados)
...e é como se fosse hoje.
Um abraço
António Matos
Notas de JC:
(*) Tenente Coronel Pilav Almeida Brito, faleceu na Guiné no dia 28 de Março de 1973, atingido, em plena missão aérea a bordo de uma aeronave FIAT G-91, por um míssil "Strella". Ver mensagem no nosso Blog “O ÚLTIMO VOO...35 ANOS DEPOIS” de 28 de Março de 2008
(**) Post 834 “KURICA DA MATA”
JC: António Matos, bem esclarecedor o teu texto dos acontecimentos 36 anos atrás em que estavas de alerta com o Miguel Pessoa. Fica muito clara a razão de estar apenas um piloto no ar naquela missão e as posteriores acções para encontrar o piloto abatido.
Também, lendo com atenção essas razões, me parece um exemplo claro da falta de apoio ou compreensão por parte dos responsáveis em relação aos executantes no terreno, aos problemas por estes sentidos, aos teus argumentos e da, pelo menos aparente, indiferença perante os riscos acrescidos a que os expunham. Como quase sempre, foram estes últimos que se viram obrigados a “inventar” formas de mitigar esses riscos, sempre com a preocupação de manter elevados graus de eficácia afim de não comprometer os resultados. Infelizmente, um tema que continua bem actual.
Uma última nota para algumas das razões que apontas para o efeito dissuasor no IN e por outro lado para o incentivo às NT apenas pela presença das aeronaves, culminando com o tal, sempre espectacular, “tonneau” sobre o quartel, para referir que, para nós que nos lembramos bem da silhueta, do ruído do motor e dessas manobras em voo, basta fechar os olhos por uns momentos e, ao imaginar tudo isso, sermos transportados para a cena e entender perfeitamente os efeitos psicológicos produzidos.
A Linha da Frente agradece o teu contributo e aguardamos para te “receber” em mais uma missão.
Até breve e Saudações Especiais
Post relacionados: 742 “A FAP Também Merece Ser Lembrada”; 770 “A História do Strella na Guiné”; 834 “Kurica da Mata”; 876 “Bom dia Miguel, Venho Comungar Este Dia Contigo!”.
Também, lendo com atenção essas razões, me parece um exemplo claro da falta de apoio ou compreensão por parte dos responsáveis em relação aos executantes no terreno, aos problemas por estes sentidos, aos teus argumentos e da, pelo menos aparente, indiferença perante os riscos acrescidos a que os expunham. Como quase sempre, foram estes últimos que se viram obrigados a “inventar” formas de mitigar esses riscos, sempre com a preocupação de manter elevados graus de eficácia afim de não comprometer os resultados. Infelizmente, um tema que continua bem actual.
Uma última nota para algumas das razões que apontas para o efeito dissuasor no IN e por outro lado para o incentivo às NT apenas pela presença das aeronaves, culminando com o tal, sempre espectacular, “tonneau” sobre o quartel, para referir que, para nós que nos lembramos bem da silhueta, do ruído do motor e dessas manobras em voo, basta fechar os olhos por uns momentos e, ao imaginar tudo isso, sermos transportados para a cena e entender perfeitamente os efeitos psicológicos produzidos.
A Linha da Frente agradece o teu contributo e aguardamos para te “receber” em mais uma missão.
Até breve e Saudações Especiais
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