Giselda Antunes
2ºSarg.Enfª.Paraquedista Guiné
Lisboa
2ºSarg.Enfª.Paraquedista Guiné
Lisboa
UMA ENFERMEIRA PÁRA-QUEDISTA NA GUINÉ
Com este texto pretendo dar uma ideia de como foi a integração das enfermeiras pára-quedistas no ambiente de um Teatro de Operações (neste caso específico, da Guiné) e qual o nosso dia-a-dia naquele território.
Estou naturalmente limitada ao período em que ali estive presente (1972 a 1974), embora com algum conhecimento de situações pontuais de que fui tendo notícia, referentes a épocas anteriores.
Na época que abordo, a nossa coexistência com as "forças no terreno" (dos 3 Ramos) já estava estabelecida, sendo pacífica e normalizada. É um facto que grande parte das dificuldades (se as tinha havido) já tinham sido ultrapassadas em 1972 e que qualquer estranheza pela presença das "mulheres na tropa" já se teria dissipado.
Sabe-se que os pilotos têm bastante tendência a zelar pela sua equipa. Nesse aspecto nunca me considerei marginalizada, pois também fazia parte da equipa: No caso das evacuações, afinal a nossa razão de existirmos, a enfermeira era um dos componentes do sistema, ao nível do piloto e do mecânico, e naturalmente aceite como tal. Por outro lado, no caso particular da Guiné nós conhecíamos todos os tripulantes que operavam no território, e eles conheciam todas as enfermeiras que ali estavam colocadas, o que nos tornava uma grande família, com as suas diferenças, mas unida.
Para mostrar a empatia existente, dou um exemplo curioso: Dirigia-me a pé para o Grupo Operacional quando passa por mim, a grande velocidade, um jipe com vários pilotos. Vejo o jipe dar a volta e travar bruscamente ao meu lado: "Anda daí depressa que já estamos atrasados!"
Pensando que se tratava de uma evacuação meti-me no jipe, mas acabei por perceber que nos dirigíamos ao terminal civil. Quando lhes perguntei o que se passava, explicaram-me que iam ver o avião da TAP que estava a chegar. Argumentei que tinha mais que fazer que ir ver a chegada do avião, pelo que um tentou esclarecer-me "Vamos lá ver as mulheres (as hospedeiras de bordo...) que vêm no avião!". "Mas eu também sou uma mulher!", disse eu. E retorquiu-me o outro: "Eh pá, tu és igual a nós!"
O nosso dia de trabalho decorria normalmente das 08H00 às 18H00, podendo prolongar-se nos dias em que entrávamos de alerta logo de manhã, pelas 06H00 - por vezes entrávamos todas às 06H00, quando havia operações no mato - ou sempre que as missões se alongavam, entrando por vezes pela noite dentro. Embora tivéssemos instalações no Serviço de Saúde para aguardar a chamada para uma missão, no meu caso pessoal optava na maioria das vezes por me manter na zona do GO1201, já com a mochila dos primeiros socorros a meu lado, pronta para embarcar. O tempo para accionar o alerta era reduzido, e assim eu garantia que não seria da minha parte que haveria atraso na saída do meio aéreo.
Já tive ocasião de referir noutro texto que, no caso de certas evacuações de DO-27, durante o voo de regresso à Base, se a enfermeira considerasse que a gravidade do estado do evacuado o justificava as Operações da Base eram alertadas e mandavam preparar um AL-III, fazendo-se a transferência do ferido na placa e prosseguindo o helicóptero directamente para o Hospital, sempre com o apoio da enfermeira.
No apoio a operações executadas em todo o território (por qualquer Ramo) eram muitas vezes destacadas tripulações de alerta, estacionadas em aquartelamentos próximos, o que incluía muitas vezes uma enfermeira para as evacuações. Passei muitos dias nesses destacamentos, compartilhando com a nossa tropa as suas condições de vida e por vezes ouvindo mesmo os seus desabafos.
Poucos dias houve em que não tenha sido solicitada para qualquer evacuação; pelo contrário, quando as coisas corriam mal para as nossas tropas, podia chegar a fazer 3 e 4 evacuações, algumas delas à zona de combate.
Periodicamente éramos designadas para acompanhar os militares evacuados do Hospital de Bissau para os Hospitais Militares em Lisboa (Estrela e Belém). Eram Boeings 707 (com um misto de passageiros e evacuados, estes colocados na parte traseira) ou DC-6 cheios de pessoal em estado grave ou que, pelas características das suas lesões, necessitavam de cuidados e recuperações prolongados na metrópole. Não eram voos fáceis pois, se já é traumático acompanhar e apoiar um ferido nosso num voo local na Guiné, imagine-se o que é fazê-lo com um grande número de feridos e doentes, muitos deles a precisarem da nossa atenção. Restava-lhes a consolação de estarem a afastar-se daquele inferno.
Durante as horas de serviço, o local das nossas refeições dependia da nossa disponibilidade e dos gostos pessoais de cada uma; no meu caso pessoal, muitas vezes tinha que tomar as minhas refeições nos aquartelamentos para onde era destacada, juntamente com as tripulações; quando estava na Base tanto podia almoçar no BCP12 como na messe de oficiais da BA12 (poucas vezes no entanto); na maior parte das vezes contentava-me em comer qualquer coisa no Clube de Pilotos, área de apoio às Esquadras de Voo e próxima destas, por ser o local mais apropriado para responder a qualquer pedido de evacuação. Era também o local de que tinha que me socorrer quando chegava tarde das evacuações e já não serviam almoços nas messes. E por vezes não almoçava...
Terminado o nosso trabalho, afastávamo-nos um pouco da vida da Base, pois habitávamos um apartamento (tipo "república") no Largo do Liceu, em Bissau, onde não havia separação entre oficiais e sargentos - afinal éramos todas enfermeiras. No mesmo prédio e noutros próximos habitava outro pessoal da BA12 e do BCP12, alguns com as respectivas famílias. Em média, na nossa casa estavam três/quatro enfermeiras, embora estivessem previstas cinco. Também, o facto de periodicamente estar uma em diligência em Lisboa, acompanhando a evacuação de feridos ou doentes para o Hospital Militar Principal, na Estrela, ou Hospital Militar de Belém, justificava o número mais reduzido das presentes.
Fora das horas de serviço acabávamos por ser bastante caseiras, pois estávamos cansadas do dia de trabalho. Vivendo na cidade de Bissau, podíamos por vezes ir jantar a um dos vários restaurantes ali existentes.
Embora houvesse enfermeiras graduadas em Oficiais ou em Sargentos, a todas era autorizado o acesso às Messes de Oficiais - talvez porque fosse difícil distinguir-nos... No entanto não eram locais que eu apreciasse particularmente, até pela cara enjoada de umas tantas utilizadoras frequentes que não gostavam de nos ver aparecer por lá. O Clube da Marinha, ao lado da respectiva Messe, tinha um ambiente interessante e era talvez o local em que nos sentíamos melhor.
Mas, muito frequentemente, aos serões a nossa casa acabava por ser invadida, quer pelos vizinhos, quer por pessoal da Base que ali procurava refúgio. Por isso, paz e sossego era coisa pouco frequente entre nós...
Tenho boas recordações do modo como me recebiam nos locais onde aterrávamos; mas devo dizer que essa hospitalidade era alargada aos tripulantes do AL-III ou do DO-27 em que eu seguia; e quanto mais isolado fosse o aquartelamento, melhor era a recepção, pois estes eram momentos de contacto com a "civilização" que esporadicamente lhes eram permitidos. Por isso nunca tive razão de queixa quanto à maneira como era recebida nos aquartelamentos por onde passava - ou onde muitas vezes acabava por ficar grande parte do dia, em missões de alerta.
Se algum conflito surgiu no terreno com pessoal mais graduado do Exército, parece-me que não eram casos isolados envolvendo apenas a enfermeira; também os pilotos se queixavam por vezes das dificuldades de relacionamento com alguns dos responsáveis no terreno, talvez por haver a tendência para, com base no posto, pretenderem meter-se em áreas que não eram da sua competência.
Na Força Aérea talvez pudesse haver aqui ou ali algum espírito marialva que em certas ocasiões nos pudesse ter tratado com alguma condescendência, mas a verdade é que por norma também não dávamos motivos para reparos; embora, quando se tratasse da nossa área profissional, fossemos firmes nas nossas posições, o que poderia desagradar a alguns.
É possível que em algumas ocasiões tenhamos recebido um tratamento quase VIP nos locais por onde passávamos, por sermos mulheres; mas, se naquela época se via suceder isso em locais considerados muito mais normais, não me admira que tal também pudesse suceder nesses recantos em que a civilização chegava com tanta dificuldade. Afinal, quero crer que a nossa presença, nessas situações, fazia lembrar aos militares as irmãs, as mães (embora não fossemos muito mais velhas...) e também as namoradas. E o facto é que não senti qualquer sinal de desrespeito por parte deles em todas as minhas deslocações - embora em muitas delas, dada a gravidade da situação, não tivesse tido tempo para analisar o ambiente existente.
Por vezes, a presença de uma mulher - ainda por cima da tropa, como eles - podia provocar nos militares a vontade de "apertar" com a enfermeira; lembro-me de um alerta que fiz num aquartelamento em que, não tendo tido nada que fazer, ia folheando algumas revistas existentes. Aproveitando a minha ausência momentânea o pessoal aproveitou para as substituir por um conjunto de "Playboys" e ficou-se por ali, preparado para assistir a uma possível reacção escandalizada da minha parte. Pelo ar deles quando regressei, desconfiei que alguma me tinham preparado; por isso, quando vi as revistas não demonstrei qualquer reacção e folheei-as evidenciando a maior calma e interesse, como se estivesse a ler a "Flama" ou o "Século Ilustrado"... E o pessoal deve ter chegado à conclusão de que não valia a pena continuar a tentar "apertar" comigo...
Embora correndo o risco de generalizar aquilo que é afinal um ponto vista muito pessoal, espero que estas linhas possam ter esclarecido aqueles que, por estarem mais distantes, tinham uma ideia vaga ou até deturpada do que era o dia-a-dia das enfermeiras no Teatro de Operações da Guiné.
Giselda Pessoa
VB:Companheiros,este depoimento com que a Giselda nos brinda,só peca pela sua pequenez,na realidade a vida destas mulheres na Guerra da Guiné(falo deste local porque foi aqui que com elas partilhei os meus dias de trabalho operacional) era muito,mas muito mais do que isso,no entanto ainda preserva hoje a humildade desses tempos.
Poderei ser cansativo e fastidioso para vós,leitores deste espaço,pelo facto de insistentemente falar e defender a actividade destas SENHORAS,a quem muitos dos vivos de hoje neste país devem a vida e,alguns,nunca mais delas se lembraram!
Recordo ainda à bem pouco tempo uma anunciada iniciativa da ADFA,o sentido de prestar homenagem aos Pilotos,Mecânicos e...Enfermeiras Paraquedistas,como nunca mais ouvi falar em nada,espero que esta Associação que,infelizmente,foi a que mais se socorreu dos seus serviços,não tenha deixado cair em "saco roto" tal iniciativa.
A Giselda ao falar da maneira como algumas (felizmente poucas)vezes determinados elementos do Exército nos tratavam,esqueceu-se de dizer que esses eram "aqueles"que só necessitariam dos nossos serviços para dar uma volta de avião e do delas quando o ar condicionado avariava e lhes provocava uma"constipação".
Nunca em tempo algum,das diversas evacuações em que participei com elas,me lembro de alguém lhes faltar ao respeito,embora fossem completamente destemidas,a presença do piloto e mecânico também lhes transmitia um pouco de segurança.
Hoje sinto uma enorme revolta com o País a que pertenço,pelo facto de tantos desses "constipados" a quem elas socorreram e,eles próprios, viram socorrer aqueles que se calhar já consideravam ser mais um para enterrar,verdadeiramente iluminados pelas estrelas que ostentam,nunca se terem lembrado destas MULHERES que se calhar muitas vezes os envergonharam como OPERACIONAIS DA GUERRA DO ULTRAMAR!
Permitam-me aqui a distinção a um GRANDE COMPANHEIRO(aí se eu trata-se assim alguns!?...),que por algumas vezes em que tenho tido o privilégio de com conviver, verifiquei por a sua componente HUMANA acima do estrelato,o único (peço desculpa se esta afirmação está errada)que na realidade RECONHECEU o mérito a estas MULHERES DE GUERRA!
Em nome dos Especialistas da Força Aérea Portuguesa,por quem sei que também nutre uma invejável admiração,o meu BEM-HAJA COMPANHEIRO GENERAL Taveira Martins!
Com este texto pretendo dar uma ideia de como foi a integração das enfermeiras pára-quedistas no ambiente de um Teatro de Operações (neste caso específico, da Guiné) e qual o nosso dia-a-dia naquele território.
Estou naturalmente limitada ao período em que ali estive presente (1972 a 1974), embora com algum conhecimento de situações pontuais de que fui tendo notícia, referentes a épocas anteriores.
Na época que abordo, a nossa coexistência com as "forças no terreno" (dos 3 Ramos) já estava estabelecida, sendo pacífica e normalizada. É um facto que grande parte das dificuldades (se as tinha havido) já tinham sido ultrapassadas em 1972 e que qualquer estranheza pela presença das "mulheres na tropa" já se teria dissipado.
Sabe-se que os pilotos têm bastante tendência a zelar pela sua equipa. Nesse aspecto nunca me considerei marginalizada, pois também fazia parte da equipa: No caso das evacuações, afinal a nossa razão de existirmos, a enfermeira era um dos componentes do sistema, ao nível do piloto e do mecânico, e naturalmente aceite como tal. Por outro lado, no caso particular da Guiné nós conhecíamos todos os tripulantes que operavam no território, e eles conheciam todas as enfermeiras que ali estavam colocadas, o que nos tornava uma grande família, com as suas diferenças, mas unida.
Para mostrar a empatia existente, dou um exemplo curioso: Dirigia-me a pé para o Grupo Operacional quando passa por mim, a grande velocidade, um jipe com vários pilotos. Vejo o jipe dar a volta e travar bruscamente ao meu lado: "Anda daí depressa que já estamos atrasados!"
Pensando que se tratava de uma evacuação meti-me no jipe, mas acabei por perceber que nos dirigíamos ao terminal civil. Quando lhes perguntei o que se passava, explicaram-me que iam ver o avião da TAP que estava a chegar. Argumentei que tinha mais que fazer que ir ver a chegada do avião, pelo que um tentou esclarecer-me "Vamos lá ver as mulheres (as hospedeiras de bordo...) que vêm no avião!". "Mas eu também sou uma mulher!", disse eu. E retorquiu-me o outro: "Eh pá, tu és igual a nós!"
O nosso dia de trabalho decorria normalmente das 08H00 às 18H00, podendo prolongar-se nos dias em que entrávamos de alerta logo de manhã, pelas 06H00 - por vezes entrávamos todas às 06H00, quando havia operações no mato - ou sempre que as missões se alongavam, entrando por vezes pela noite dentro. Embora tivéssemos instalações no Serviço de Saúde para aguardar a chamada para uma missão, no meu caso pessoal optava na maioria das vezes por me manter na zona do GO1201, já com a mochila dos primeiros socorros a meu lado, pronta para embarcar. O tempo para accionar o alerta era reduzido, e assim eu garantia que não seria da minha parte que haveria atraso na saída do meio aéreo.
Já tive ocasião de referir noutro texto que, no caso de certas evacuações de DO-27, durante o voo de regresso à Base, se a enfermeira considerasse que a gravidade do estado do evacuado o justificava as Operações da Base eram alertadas e mandavam preparar um AL-III, fazendo-se a transferência do ferido na placa e prosseguindo o helicóptero directamente para o Hospital, sempre com o apoio da enfermeira.
No apoio a operações executadas em todo o território (por qualquer Ramo) eram muitas vezes destacadas tripulações de alerta, estacionadas em aquartelamentos próximos, o que incluía muitas vezes uma enfermeira para as evacuações. Passei muitos dias nesses destacamentos, compartilhando com a nossa tropa as suas condições de vida e por vezes ouvindo mesmo os seus desabafos.
Poucos dias houve em que não tenha sido solicitada para qualquer evacuação; pelo contrário, quando as coisas corriam mal para as nossas tropas, podia chegar a fazer 3 e 4 evacuações, algumas delas à zona de combate.
Periodicamente éramos designadas para acompanhar os militares evacuados do Hospital de Bissau para os Hospitais Militares em Lisboa (Estrela e Belém). Eram Boeings 707 (com um misto de passageiros e evacuados, estes colocados na parte traseira) ou DC-6 cheios de pessoal em estado grave ou que, pelas características das suas lesões, necessitavam de cuidados e recuperações prolongados na metrópole. Não eram voos fáceis pois, se já é traumático acompanhar e apoiar um ferido nosso num voo local na Guiné, imagine-se o que é fazê-lo com um grande número de feridos e doentes, muitos deles a precisarem da nossa atenção. Restava-lhes a consolação de estarem a afastar-se daquele inferno.
Durante as horas de serviço, o local das nossas refeições dependia da nossa disponibilidade e dos gostos pessoais de cada uma; no meu caso pessoal, muitas vezes tinha que tomar as minhas refeições nos aquartelamentos para onde era destacada, juntamente com as tripulações; quando estava na Base tanto podia almoçar no BCP12 como na messe de oficiais da BA12 (poucas vezes no entanto); na maior parte das vezes contentava-me em comer qualquer coisa no Clube de Pilotos, área de apoio às Esquadras de Voo e próxima destas, por ser o local mais apropriado para responder a qualquer pedido de evacuação. Era também o local de que tinha que me socorrer quando chegava tarde das evacuações e já não serviam almoços nas messes. E por vezes não almoçava...
Terminado o nosso trabalho, afastávamo-nos um pouco da vida da Base, pois habitávamos um apartamento (tipo "república") no Largo do Liceu, em Bissau, onde não havia separação entre oficiais e sargentos - afinal éramos todas enfermeiras. No mesmo prédio e noutros próximos habitava outro pessoal da BA12 e do BCP12, alguns com as respectivas famílias. Em média, na nossa casa estavam três/quatro enfermeiras, embora estivessem previstas cinco. Também, o facto de periodicamente estar uma em diligência em Lisboa, acompanhando a evacuação de feridos ou doentes para o Hospital Militar Principal, na Estrela, ou Hospital Militar de Belém, justificava o número mais reduzido das presentes.
Fora das horas de serviço acabávamos por ser bastante caseiras, pois estávamos cansadas do dia de trabalho. Vivendo na cidade de Bissau, podíamos por vezes ir jantar a um dos vários restaurantes ali existentes.
Embora houvesse enfermeiras graduadas em Oficiais ou em Sargentos, a todas era autorizado o acesso às Messes de Oficiais - talvez porque fosse difícil distinguir-nos... No entanto não eram locais que eu apreciasse particularmente, até pela cara enjoada de umas tantas utilizadoras frequentes que não gostavam de nos ver aparecer por lá. O Clube da Marinha, ao lado da respectiva Messe, tinha um ambiente interessante e era talvez o local em que nos sentíamos melhor.
Mas, muito frequentemente, aos serões a nossa casa acabava por ser invadida, quer pelos vizinhos, quer por pessoal da Base que ali procurava refúgio. Por isso, paz e sossego era coisa pouco frequente entre nós...
Tenho boas recordações do modo como me recebiam nos locais onde aterrávamos; mas devo dizer que essa hospitalidade era alargada aos tripulantes do AL-III ou do DO-27 em que eu seguia; e quanto mais isolado fosse o aquartelamento, melhor era a recepção, pois estes eram momentos de contacto com a "civilização" que esporadicamente lhes eram permitidos. Por isso nunca tive razão de queixa quanto à maneira como era recebida nos aquartelamentos por onde passava - ou onde muitas vezes acabava por ficar grande parte do dia, em missões de alerta.
Se algum conflito surgiu no terreno com pessoal mais graduado do Exército, parece-me que não eram casos isolados envolvendo apenas a enfermeira; também os pilotos se queixavam por vezes das dificuldades de relacionamento com alguns dos responsáveis no terreno, talvez por haver a tendência para, com base no posto, pretenderem meter-se em áreas que não eram da sua competência.
Na Força Aérea talvez pudesse haver aqui ou ali algum espírito marialva que em certas ocasiões nos pudesse ter tratado com alguma condescendência, mas a verdade é que por norma também não dávamos motivos para reparos; embora, quando se tratasse da nossa área profissional, fossemos firmes nas nossas posições, o que poderia desagradar a alguns.
É possível que em algumas ocasiões tenhamos recebido um tratamento quase VIP nos locais por onde passávamos, por sermos mulheres; mas, se naquela época se via suceder isso em locais considerados muito mais normais, não me admira que tal também pudesse suceder nesses recantos em que a civilização chegava com tanta dificuldade. Afinal, quero crer que a nossa presença, nessas situações, fazia lembrar aos militares as irmãs, as mães (embora não fossemos muito mais velhas...) e também as namoradas. E o facto é que não senti qualquer sinal de desrespeito por parte deles em todas as minhas deslocações - embora em muitas delas, dada a gravidade da situação, não tivesse tido tempo para analisar o ambiente existente.
Por vezes, a presença de uma mulher - ainda por cima da tropa, como eles - podia provocar nos militares a vontade de "apertar" com a enfermeira; lembro-me de um alerta que fiz num aquartelamento em que, não tendo tido nada que fazer, ia folheando algumas revistas existentes. Aproveitando a minha ausência momentânea o pessoal aproveitou para as substituir por um conjunto de "Playboys" e ficou-se por ali, preparado para assistir a uma possível reacção escandalizada da minha parte. Pelo ar deles quando regressei, desconfiei que alguma me tinham preparado; por isso, quando vi as revistas não demonstrei qualquer reacção e folheei-as evidenciando a maior calma e interesse, como se estivesse a ler a "Flama" ou o "Século Ilustrado"... E o pessoal deve ter chegado à conclusão de que não valia a pena continuar a tentar "apertar" comigo...
Embora correndo o risco de generalizar aquilo que é afinal um ponto vista muito pessoal, espero que estas linhas possam ter esclarecido aqueles que, por estarem mais distantes, tinham uma ideia vaga ou até deturpada do que era o dia-a-dia das enfermeiras no Teatro de Operações da Guiné.
Giselda Pessoa
VB:Companheiros,este depoimento com que a Giselda nos brinda,só peca pela sua pequenez,na realidade a vida destas mulheres na Guerra da Guiné(falo deste local porque foi aqui que com elas partilhei os meus dias de trabalho operacional) era muito,mas muito mais do que isso,no entanto ainda preserva hoje a humildade desses tempos.
Poderei ser cansativo e fastidioso para vós,leitores deste espaço,pelo facto de insistentemente falar e defender a actividade destas SENHORAS,a quem muitos dos vivos de hoje neste país devem a vida e,alguns,nunca mais delas se lembraram!
Recordo ainda à bem pouco tempo uma anunciada iniciativa da ADFA,o sentido de prestar homenagem aos Pilotos,Mecânicos e...Enfermeiras Paraquedistas,como nunca mais ouvi falar em nada,espero que esta Associação que,infelizmente,foi a que mais se socorreu dos seus serviços,não tenha deixado cair em "saco roto" tal iniciativa.
A Giselda ao falar da maneira como algumas (felizmente poucas)vezes determinados elementos do Exército nos tratavam,esqueceu-se de dizer que esses eram "aqueles"que só necessitariam dos nossos serviços para dar uma volta de avião e do delas quando o ar condicionado avariava e lhes provocava uma"constipação".
Nunca em tempo algum,das diversas evacuações em que participei com elas,me lembro de alguém lhes faltar ao respeito,embora fossem completamente destemidas,a presença do piloto e mecânico também lhes transmitia um pouco de segurança.
Hoje sinto uma enorme revolta com o País a que pertenço,pelo facto de tantos desses "constipados" a quem elas socorreram e,eles próprios, viram socorrer aqueles que se calhar já consideravam ser mais um para enterrar,verdadeiramente iluminados pelas estrelas que ostentam,nunca se terem lembrado destas MULHERES que se calhar muitas vezes os envergonharam como OPERACIONAIS DA GUERRA DO ULTRAMAR!
Permitam-me aqui a distinção a um GRANDE COMPANHEIRO(aí se eu trata-se assim alguns!?...),que por algumas vezes em que tenho tido o privilégio de com conviver, verifiquei por a sua componente HUMANA acima do estrelato,o único (peço desculpa se esta afirmação está errada)que na realidade RECONHECEU o mérito a estas MULHERES DE GUERRA!
Em nome dos Especialistas da Força Aérea Portuguesa,por quem sei que também nutre uma invejável admiração,o meu BEM-HAJA COMPANHEIRO GENERAL Taveira Martins!