terça-feira, 16 de março de 2010

VOO 1548 "A ATRACAGEM".


Victor Sotero Cavaleiro
Esp.EABT
Damaia

Meu Comandante:
Cá estou a saudar não só este Comando mas tambem toda a nossa Linha da frente.

...já não se viam os contornos da nossa costa quando já tarde, a sirene do navio toca para o almoço.
Os militares da Força Aérea, mal se conheciam mas unidos, como é nosso apanágio, entravam por uma porta do refeitório e saiam por outra com uma maçâ nas mãos. Era a fruta da refeição porque esta, só de olhar, não nos trazia apetite nenhum.
Foi, a quase todas as refeições, durante toda a viagem de onze dias o que acontecia.
Valianos o pequeno almoço que não sendo nada de extraordinário, pelo menos, comia-se.
Valianos tambem o sargento Velêz, controlador aéreo.
Seguia no andar superior do navio juntamente com os oficiais e para alem dos nossos, tambem os sargentos do exército.
Quase sempre o Velêz vinha ter connosco a saber se era preciso alguma coisa!
Muitas sandes, cervejas e cafés ele nos facultou!
Tocava piano e acordeão no salão do navio para os oficiais e sargentos e depois vinha ter connosco para a coberta. Por lá ficávamos até ás tantas ouvindo os acordes que tirava da sua viola. Grandes serenatas!
No camarote onde me "instalei", lerpa, montinho, sueca...Entretanto, as nossas fardas começavam a ficar imundas!
Começamos a andar à civil dentro do navio.
O Comandante de Bandeira, um Major do Exército, sendo o mais graduado, era no fundo o Comandante das forças embarcadas.
O quê?... Não podia ser!... Andar à civil num navio cheio de militares fardados?
Foi-lhe dito pelos nossos sargentos que não tinhamos outra farda e lá fomos andando à civil.
Fomos avisados de que haveria um ou mais exercícios de abandono do navio. Para uma eventualidade, estariamos aptos a proceder de acordo com os exercícios.
Assim aconteceu. Ouvimos a sirene durante muito tempo e lá fomos a correr para junto das baleeiras.
Cada um de nós, sabia agora qual a baleeira para onde correr, caso houvesse outro exercicio de abandono do navio!
- Se fosse a sério, não sei o que aconteceria, tal era a desordem!
Terminado o exercício, lá voltamos aos camarotes, às nossas tarefas, à batota.
Era a melhor maneira de "ver" passar os dias, já que de noite, para quem queria, podiam-se ver filmes.
O ecram, ficava próximo da "ré" entre dois mastros.
- Costas para a "prôa", olhos para a "ré". Por mais que se tentasse olhar, Lisboa estava muito distante. Apenas se via água.
Aquando da segunda vêz que as sirenes se fazem anunciar para mais um exercicio, faltavam quatro dias para chegarmos ao nosso destino.
Os "ZÉS" que não tinham achado piada nenhuma ao primeiro exercício, desta vêz não se fizeram anunciar. Faltamos ao exercicio.Por ordem do Comandante de Bandeira, foram três dias de detenção. Ninguem nos pôde safar.
Na minha caderneta militar consta:
"Segunda classe de comportamento artº 188 do R.D.M."
(por no dia 03fev68, pelas 10h15, ter faltado sem motivo justificado à formatura para exercicio de abandono de navio)
"inflingiu o dever 6º do artº 4º do R.D.M."
Dizia-se que quando chegássemos a Luanda a "pena" seria agravada pelo Comando da 2ª Região Aérea, mas não foi.
Aquando da visita a Angola do Primeiro Ministro Marcelo Caetano, creio que em Março de 1968, todos fomos amnistiados. O pior é que a "mancha" ficou para sempre.
Tornava-se insuportável o calor que se fazia sentir nos camarotes!
Viam-se já os peixes voadores saltarem fora da água. Angola aproxima-se.
Para atenuar o calor, retiramos dos armários as portas e vai de as "entalar" pelo buraco das vigias. O Pior é que com a deslocação do ar, as portas dobraram.
Sentia-se assim que pelo menos havia corrente de ar e lá fomos até Luanda.

No dia 08 de Fevereiro de 1968, "atracavamos" finalmente em Luanda. Ficavamos adidos à B.A.9.
Já sabiam que tinha havido "porradas" a bordo.Esperamos pelas colocações e dizem-me que vou para o mato. -A.B.3, era mato? Claro que fiquei apreensivo!
Passada uma semana lá nos meteram num NORD e pouco depois de uma hora de voo estavamos no A.B.3, Unidade de muita camaradagem.
Nesse mesmo dia eu apanhei a maior "bebedeira" que se pode imaginar.
Legenda: No AB3 jogando futebol com o Pinto.
Foto:Sotero Cavaleiro (direitos reservados)
Foi na camarata 6, de onde nunca mais saí.
No dia a seguir fizemos então a apresentação pelas Esquadras e Esquadrilhas da Unidade.
Na "célebre camarata 6", eu tinha ficado instalado junto do "ZÉ ESPECIALISTA", M.M.A. Maciel.....(Açoreano da Ilha Terceira)....

Nota.: - No navio, era nossa intenção provocarmos um levantamento de rancho.
- Quase que o conseguiamos se não fosse o Major do exército.
- Eram muitos militares do Exército e alguns...

Meu Comandante:
Para o Comando e para a magnifica linha da frente, as minhas mais cordiais saudações.
Despeço-me com um até breve.

Sotero