domingo, 2 de maio de 2010

VOO 1673 O CANTANHÊS.



António Dâmaso
Sargº.Mor Paraqª
Mértola

CANTANHÊS (1)

Aceitando e tentando cumprir a orientação do Blogue do Luis Graça, “ Não deixes que sejam os outros a contar a tua história”, até porque alguns já tentaram contar a minha deles história, ganhei “coragem” para contar na primeira pessoa a minha vivência.

Durante mais de trinta anos, andei tentando esquecer o inesquecível sem conseguir, aquilo por que eu e outros fomos submetidos e em memória daqueles que não têm voz e que pagaram o preço mais elevado, em respeito a estes e por eles, vou tentar narrar aquilo a que assisti e vivi, claro que como o tempo não perdoa, tenho de me socorrer de alguns auxiliares de memória.

CADIQUE NALU

Depois duma operação em Caboxanque, já aqui narrada como “O insólito aconteceu”, fomos de Lancha de Cufar para Cadique, já lá estava o outro Bigrupo da CCP 121, um Pelotão de Engenharia, assim como a CCAÇ 4540 que montou aquartelamento à nossa retaguarda para o lado do rio Cumbijã, tinha por missão fazer a segurança próxima aos trabalhos da estrada que começou a ser construída entre Cadique e Jemberem.



Na foto do Livro (H BCP12) Máquinas em trabalho já depois de Cadique Iala.

Lá foi o meu pelotão de escantilhão, colocado por uma encosta abaixo indo a 1.ª secção para uma pequena bolanha na ponta de Cadique para os lados de Cadique Imbintina, por ser considerado um ponto de risco, foi-me atribuída a honra de ocupar essa posição.

Mais uma vez valas, cavar abrigos, cortar árvores e colocar arame farpado, os abrigos eram constituídos por buracos escavados no solo com acesso às valas, eram colocadas árvores em parapeito ficava um abertura para vigiarmos e fazer fogo, depois uma camada de árvores e rama e palmeira e em seguida uma camada considerável de terra, em resumo muitas bolhas e calos nas mãos, as duas Companhias que nos substituíram apanharam “a papinha feita”, no espaço de uma semana eu e o pessoal do meu pelotão vimo-nos obrigados a cavar abrigos e trincheiras em duas posições.

A posição da ponta do meu pelotão ficava a cerca de 250 metros do local onde confeccionavam as refeições, à hora das mesmas, quando estávamos no acampamento, deixávamos alguém a guardar a posição e lá íamos de marmita e copo de cantil na mão, para a bicha para recebermos a nossa ração, no local debaixo das árvores improvisou-se umas mesas corridas e uns bancos para nos sentarmos a comer, nem sempre cambiam todos e aí os últimos sentavam-se no chão ou onde podiam, claro que nestes casos se procediam a melhoramentos diários, quem nos veio substituir já encontrou melhores condições.

Existia uma tenda montada onde estavam as arcas frigoríficas a petróleo, para guardar alguns géneros e refrescar umas cervejinhas, a tenda servia ainda para guardar medicamentos, material sanitário e outro.

Esta tenda viria a ser atingida no tempo da CCP 122 ou 123, que durante um ataque nocturno, caiu uma morteirada na tenda, incendiando-a estragando material e arcas obrigando o pessoal a beber cerveja quente.

Começamos a actuar em bigrupo, patrulhando Cadique Iala, seguido pela mata do Cantanhez na direcção de Jemberem, dormíamos no mato e regressávamos, recordo que militares da CC AÇ 4540, saíram mais de uma vez com o meu bigrupo para melhor se ambientarem com o comportamento na mata, numa destas saídas estávamos estacionados por baixo de umas palmeiras não muito altas e caiu de lá uma daquelas cobrinhas verdes, cuja mordidela é fatal, houve um pára que a sacudiu e avisou o militar da CCAÇ 4540, da sua perigosidade e acrescentou que alguns naturais que subiam às palmeiras colher o vinho de palma, quando avistavam um bichinho daqueles, preferiam atirar-se de lá para baixo a serem mordidos.

Lá esta a fazer quadrícula, uma coisa que já tinha feito no Leste em 1969 e que não gramava nem de molho de tomate.

Como não tinha comando de tropa, acompanhava o Alferes a que por vezes também se juntava o Comandante da Companhia que acompanhava sempre o 2.º bigrupo, mesmo em actuação a nível de companhia preferia aquele pelotão, eu como tinha a mania que percebia de topografia, por vezes lá ia dando uns palpites sobre a nossa localização, no entanto, como não tinha outras preocupações, ia aproveitando para estudar as características de todos os homens do pelotão, tendo em conta o seu comportamento em variadas situações.

Lembro-me só numa saída ter comandado uma secção e em plena progressão na mata, haver a rotação habitual de esta ir para a frente, perguntei a quem calhava ir em primeiro da fila, disseram alguns que era o fulano tal, este insurgiu-se dizendo que era sempre ele, eu não sabia se era assim ou não, podia-lhe ter dado ordem para ir e cumpria e mais mas nada, mas por considerar que por um indivíduo contrariado naquela posição podia aumentar o risco, disse-lhes que não havia problema, eu já há muito tempo que não ia à frente, que ia eu e quando me calhasse, ia ele na minha vez, a minha atitude caiu bem e dali para a frente ficaram a saber que eu não os mandava fazer nada que não fosse capaz de fazer.

O militar que ia à frente tinha de ter três sentidos em alerta permanente:

A visão, tinha de se concentrar no que a vista abarcava para a frente e para os lados, depois de uma visão geral vinha o pormenor se os arbustos ou capim mexiam sem ser por acção da brisa, ver os troncos e ramagem das árvores;

O ouvido tinha de estar apurado em todos os ruídos e por vezes silêncios;

Depois vinha o olfacto, tinha de saber identificar os cheiros.

Mas havia ainda uma posição que eu não gostava nada que era o último, levava-se o tempo a olhar para trás e sempre que havia uma paragem, tinha fazer a segurança à retaguarda e sempre que era necessário correr por qualquer motivo, era o cabo dos trabalhos para manter a ligação, entre as duas preferia a primeira.

Enquanto estive em Cadique, o meu bigrupo não teve nenhum “encontro imediato”, tivemos contactos em actuação a nível de companhia, mas pelo menos um ataque nocturno junto do arame farpado e mais dois à distância tivemos, no primeiro ainda tive um acordar sobressaltado, depois passou a ser rotina.

No primeiro (ataque junto do arame farpado), do lado da picada para Cadique Iala, eu depois de jantar, quando me dirigia para o meu abrigo já era noite, vi algum pessoal da população, sentado a conversar junto de um abrigo que eles lá tinham, só depois do ataque é que pensei no assunto e cheguei à conclusão que eles sabiam que se ia dar o ataque.

Neste ataque, além de me testar a mim mesmo, registei ainda o comportamento dos homens que estavam junto de mim.

Nos dias seguintes em que houve ataques, nunca mais os vi lá quando passava, provavelmente iam depois de eu passar.

A 18DEZ72, 0 primeiro bigrupo da Companhia quando procedia a um patrulhamento na região de Cacine, foi flagelado por um grupo de guerrilheiros, estimado em cerca de 10 elementos, teve uma reacção pronta tendo causado dois mortos e e apreendido 1 LGF RPG 2 , 1 metralhadora pesada Degtyarev, 1 espingarda Mosin Nagant e 3 granadas de LGF RPG2.

Passamos o Natal e Ano Novo em Cadique, recebi uma encomenda com um bolo-rei e uma garrafa de Porto, que foram divididos pelo pelotão todo.

Foi utilizado um sistema de triangulação com postos de observação, sempre que havia um ataque nocturno, os vigias dos postos tiravam um azimute aos clarões do local do ataque, os dados eram de imediato transmitidos para Cufar que marcava na carta os azimutes e onde estes se cruzavam era o local provável, apontava para lá os obuses e varria a zona.

Apesar de estar em Cadique estava atento ao que se passava do outro lado do rio Bixanque, foi assim que no dia 3 de Janeiro de 73, depois das 20 horas durante um ataque a Caboxanque, ouvi no rádio que uma granada de foguetão de 122 mm, acertou num local onde estava pessoal da outra companhia de páras fazendo 4 feridos entre eles um alferes e um major e que tiveram de ser evacuados em Zebros (botes de borracha) para Cufar.

A minha permanência em Cadique durou até 19JAN73, no regresso a Bissalanca fomos transportados em avião NORATLAS.

Passei mais duas vezes por Cadique em base de partida para operações

António Dâmaso

VB. Que passagens interessantes que nos contas do Cantanhês,local extremamente difícil de gerir pelas nossas tropas,mas que tu conheces como ninguém.