quinta-feira, 13 de maio de 2010

VOO 1703 INCONFIDÊNCIAS.






António Loureiro

Fur.Mil.Policia Aérea
Figueira da Foz


Ao camarada Sotero

Ainda relacionado com as cobras

Ambriz - Norte de Angola - 1975


Dá-me licença senhor Comandante

Oh Sotero - ainda as cobras

Breve apresentação do meu amigo Pedro, também aviador.
Brasileiro de nacionalidade, por força das circunstâncias terminou o seu tempo como piloto da Força Aérea Brasileira onde era Oficial, 2º Ten, se a memória não me falha.
Como Portugal vivia a guerra ultramarina e ele tinha a mania das guerras, rumou até Lisboa com a intenção de ao abrigo da dupla nacionalidade, colocar as suas competências ao serviço da FAP.
Levou com os pés, porque a FAP não aceitou.
Não esmoreceu e foi para França onde se alistou na Legião Francesa com paraquedista.
Os seus intentos também foram defraudados porque naquela altura a única operacionalidade que aquela força tinha, eram acções de policiamento na Nova Caledónia e em Djibuti e quanto a guerra, nada.
Resolveu desistir, pediu demissão, e eles deram-lhe um "atesto" de porrada para mudar de ideias, partiram-lhe um braço e ele quando pode fugiu e rumou novamente para Lisboa.
Resolveu então dar volta ao assunto e ofereceu-se como missionário para o Norte de Moçambique.
Pelo menos uma parte da sua ambição estava cumprida, estava numa zona de guerra.
Quando lhe surgiu oportunidade, abandonou a sua acção de missionária, e ofereceu-se para as milícias onde esteve até 74 não me lembro se em Cabo Delgado se no Niassa.
Vim a conhecê-lo em Salisbúria-Rhodésia.
Em 75 apareceu-me em Ambriz-Norte de Angola.
Naquela altura, de comer, pouco ou nada havia, e quando algum cantineiro tinha feito uma viagem ao Kongo para se e nos reabastecer, a fila, porque agora parece mal dizer bicha, não vá alguém dar-me uma descompustura, durava enquanto houvessem produtos para comprar, uma vez estive lá uma noite inteira para comprar uma lata de leite em pó, que foi o que havia de comer quando chegou a minha vez e um volume de cigarros OKAPI.
O que fazer do leite? não queiram saber, foi um dia grande, enquanto houve leite houve batidos de banana, já estávamos fartos de banana frita, banana assada, banana cozida, banana crua, um batidinho foi diferente, teve mais pinta.
É nas circunstâncias difíceis que se vêem os amigos, é ali que os homens "saltam" e mostram os seus valores, é ali que o sentimento da partilha ganha outra dimensão, palmadinhas nas costas quando está tudo a correr bem, obrigado mas também passo.
Agora é que vem a cobra ó Sotero.
Reparei num aglomerado de camaradas à fogueira e isso era bom sinal, lá me fui chegando para ver o que havia por lá e se fosse de comer também abancava.
E era mesmo, o camarada Pedro tinha morto uma giboia e não se fez rogado, amanhou-a, cortou-a às postas e brasas com ela.
O meu estômago dava voltas e mais voltas e punha a interrogação: Será que sou capaz de comer aquilo? E a cabeça respondia, claro, és menos do que os outros?
Quando ficou pronta há que distribuir, e a mim também calhou uma postazinha.
Agarrei no bocadinho da cobra e afastei-me um pouco para me convencer que era capaz de comer aquilo, mas não foi fácil, e embrulhei num papel e pus num bolso e andei por lá a "pastar a vaca" para ver se arranjava coragem.
Passado mais de meia hora teve que ser, seja o que Deus quiser e dei a primeira dentada, para minha surpresa aquilo era bom e papei o resto, se calhar também era por causa da fome.
Regressei apressadamente ao brasido na esperança de haver por lá mais algum bocado, mas não tive sorte nenhuma, já tinham comido tudo.
O Pedro, que se tinha apercebido da minha relutância, na brincadeira lá foi dizendo, oh Loureiro, agora já vens tarde, já acabou, demoraste muito tempo, para a outra vez corre melhor.
Serviu-me de lição, não se pode demorar muito tempo para nos decidirmos, porque se não fizermos, outros farão por nós.
1 abração especial a toda a tripulação.
Vão dar uma vista de olhos ao blog da ANPA-Associação Nacional da Polícia Aérea, somos os primeiros