quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Voo 2009 OPERAÇÃO "MAMUTE DOIDO"(4)



António Dâmaso
Sarg.Môr Parqª.
Azeitão



OPERAÇÃO “MAMUTE DOIDO” (3)

O REGRESSO

Fotografia de alguns elementos do 3.º Pelotão da CCP 121, tirada dias antes de partir para Guidage

Legenda:

1- Cabo Gonçalves, foi ferido no ataque ao Navio Patrulha em 20MAI73
2- Soldado António das Neves Vitoriano, morto em combate na emboscada de Cuféu em 23MAI73(a) (b)
3- Soldado José de Jesus Lourenço, morto em combate na emboscada de Cuféu em 23MAI73(a) (b)
4- Soldado A Ferreira Carvalho, morto em Combate em 22JUL73 em Cubonge
5- Soldado Manuel da Silva Peixoto, morto em combate na emboscada de Cuféu em 23MAI73(a) (b)
6- Soldado Fernando Jorge Ferreira Dias, morto na Operação «Gato Zangado I» N. Lamego em 05FEV74

(a) Ficaram sepultados em Guidage
(b) Os restos mortais foram resgatados e entregues às famílias em Julho de 2008

No dia 30 de Maio pelas 06H30 saímos do Guidage, saí com um misto de alívio por me ver livre daquele inferno e uma tristeza enorme por deixar para trás aqueles três Bravos rapazes que abnegadamente tinham dado a sua vida pela Pátria, ao sair deitei um último olhar para as campas desejando paz às suas almas, mesmo armado em “duro”, senti um nó na garganta e um ardor nos olhos, foi como se tivesse deixado ali três irmãos mais novos que não consegui proteger, o Lema dos Pára-quedistas NINGÉM FICA PARA TRÁStinha sido quebrado.
A minha Companhia ia em guarda de flanco esquerdo no sentido Guidage Binta, os Fuzileiros iam no flanco direito, estávamos arrasados, alguns dos meus homens estavam mesmo em baixo, antes da saída pedi-lhes que fizessem um esforço, pelo que acederam e lá nos dispusemos a palmilhar os quase 20 km de distância, mas depois de passar a zona mais perigosa, ordenei aos que estavam com maior dificuldade para subirem para as viaturas, mas eu como tinha de dar o exemplo, fiz um esforço para aguentar.

Ao passar pela última vez pelo Cuféu lá estavam os esqueletos espalhados comidos pelos bichos, dando uma imagem fantasmagórica, um dos meus homens ia a olhar para a esquerda, de repente olha em frente, depara-se com dois esqueletos junto a uma árvore, fez uma ligeira paragem repentina, mais de respeito do que medo e no momento lembro-me de lhe ter dito para não se preocupar que aqueles já não lhe faziam mal, ao todo passei pelo Cuféu 4 vezes.
Desta vez os guerrilheiros do PAIGC, optaram por não nos incomodar, fiquei com a impressão que eles gostavam mais de atacar pessoal que passava lá pela primeira vez, pelo que chegamos a Binta sem incidentes, ficámos a aguardar por uma lancha que no dia 01JUN73 nos transportou até Farim, nessa noite fomos dormir no Kapa3, no dia 02JUN73 seguimos em escolta a uma coluna de viaturas de Farim para Bissau, na estrada entre o Kapa 3 e Mansabá, que eu quatro anos antes tinha por lá andado a fazer segurança à construção da mesma, viam-se algumas viaturas na berma que tinham sido incendiadas, no trajecto entre Mansabá e Mansôa, reconheci os pontos críticos por também ter feito segurança a várias colunas quatro anos antes, chegamos a Bissalanca pelas 15 horas depois de 15 dias de martírio.
Era fim-de-semana depois de proceder à operação de recolha do material e do entregar na arrecadação, deixei os homens na camarata e dirigi-me aos meus alojamentos, como o bar de sargentos ficava em caminho, fui lá para matar a longa sede, ao chegar ao jardim fronteiriço dei uma cambalhota em frente e soltei um grito estridente, deixando escapar toda a raiva e emoções contidas naqueles dias, os presentes já estavam informados do que tinha acontecido, as más notícias sabem-se logo, entreolharam-se e pensaram: “Este gajo vem apanhado de todo, este não é o primeiro-sargento que nós conhecemos”, não se enganaram porque nunca mais fui o mesmo que tinha de lá saído quinze dias antes, noutras circunstâncias ter-se-iam farto de gozar mas a situação era grave, soube disto por confidência de um deles mais tarde em conversa.
Resumindo naquelas duas Operações, “Ametista Real” e “Mamute Doido”, sofremos ataques/flagelações em Bigene nos dias 18 e 19 de Maio à noite; na noite de 20 quando eram-mos transportados no Navio Patrulha que navegava no rio Cacheu, este foi atacado, tendo o meu Pelotão sofrido um ferido que teve ser evacuado; Na noite de 21 fomos atacados no Cais de Binta; no dia 23 sofremos uma emboscada na Zona do Cuféu, onde o meu Pelotão teve três mortos e o 2.º teve um ferido grave que acabou por morrer mais tarde, das seis vezes que passamos na zona de Ujeque, fomos flagelados três; não contabilizei as vezes que fomos Flagelados em Guidage nos oito dias que lá estivemos onde num desses ataques uma só granada provocou sete vítimas.
“Diz-se que foram quinze dias para esquecer” mas o pior de tudo é que não se conseguem esquecer, têm-me dado muitos pesadelos e tirado milhares de horas de sono.

Saudações Aeronáuticas

Dâmaso

Voos de Ligação: