domingo, 20 de março de 2011

Voo 2210 GADAMAEL PORTO,OUTRO INFERNO A SUL (1)




Victor Tavares
1ºCbº.Paraqª.
Agueda





Amigo e Camarada Victor Barata.
Comandante Supremo desta Grande Base, mais uma vez me encontro entre vós para te solicitar a publicação de mais uns enxertos da minha convivência operacional no TO na Guiné , esta sobre GADAMAEL PORTO, repartida em 4 partes, se o entenderes fazer .Aproveito também, se o permitires, Saudar com um abraço, o meu Camarada e Amigo Sarg. Mor. DAMASO, que publicamente e através do blogue me deu as boas vindas, e lembrá-lo que ele ainda passou pelo meu pelotão “pouco tempo” antes da sua colocação definitiva no 3º pelotão, substituindo o Sarg. Carlos Ferreira.



GADAMAEL PORTO

«OUTRO INFERNO A SUL»

(PARTE – 1)



Depois de regressados do inferno de GUIDAJE, a CCP 121 encontrava-se

estacionada em Bissalanca gozando um curto período de descanso, após a desgastante acção que tivera no norte da província.

Daí, o Comando Chefe entender que os 4-5 dias de descanso já eram demais e o reforço das nossas tropas que se encontravam em Gadamael ser necessário por se encontrarem em grandes dificuldades, por isso acaba por dar ordens para rumar-mos a Gadamael, para onde partimos a 12-06-1973.

Partindo de Bissau em LDG com destino a CACINE onde chegamos a meio

da tarde deste mesmo dia, como a lancha que nos transportava não conseguia atracar ao cais por falta de fundo fomos fazendo o transbordo por varias vezes em LDM para esta localidade.

Foi então logo na primeira abordagem da lancha que me apercebi, que na mesma estava um indivíduo que pela cara me pareceu familiar no entanto como o mesmo se encontrava vestido de forma tipo civil «calções, camisa aos quadradinhos toda colorida e sandálias de plástico transparente pensei ser por ventura algum civil que andaria por ali no meio da tropa o que seria natural e podia eu estar errado.

Depois de toda a tropa estar desembarcada, indicaram-nos o local onde iríamos ficar num terreno de frente ao quartel de Cacine, instalamos e de seguida fomos dar uma volta pelas redondezas, até que no regresso deparo com a mesma criatura sentada no cais com ar triste e pensativo, como a quem a vida não corre bem, eu vinha acompanhado do Pára-quedistas COSTA “Carneiro Preto” e pelo VELA meu conterrâneo «hoje meu compadre» e perguntei-lhe, houve lá, aquele tipo ali não é, nosso conterrâneo? Responde ele, sei lá, pá, isto e só homens.

Por ali estivemos na conversa mais algum tempo, até que tomei a iniciativa de me dirigir ao fulano uma vez que ele continuava no mesmo sítio, acercando-me dele perguntei-lhe, diz-me lá camarada, por acaso tu não és de AGUEDA?

Responde-me ele, sou, e pergunta-me ele, e você não é de Recardães? E digo- lhe eu, sou, cumprimentamo-nos, e vai daí perguntei-lhe o que é, que estava ali a fazer, porque de militar ele não tinha nada; responde-me que não sabia o que estava ali a fazer, de uma forma triste e ao mesmo tempo em tom desesperado e desanimado.

Entretanto com o desenrolar da conversa, ele perguntou o que estávamos ali a fazer, eu respondi que na madrugada seguinte íamos para Gadamael Porto, qual não é o meu espanto quando ele põe as mãos á cabeça, desesperado e desorientado me diz, não vão porque vocês morrem lá todos.

Tentei acalmá-lo, dizendo-lhe para estar descansado que nada de grave ia acontecer, pedi-lhe para me contar o que se passava, vai daí, começa ele a relatar o que tinha passado de Guileje- Gadamael até chegar a Cacine, na verdade depois de o ouvir não me ficaram a restar dúvidas que ele tinha mais do que sobejas razões para estar no estado psicológico aterrador que se encontrava.

Entretanto informa-me da sua situação militar daquele momento tal como a de outros camaradas que abandonaram Guileje , neste grupo estava também outro meu conterrâneo, que o primeiro foi chamar vindo este a confirmar tudo .

O que mais me chocou foi a forma desumana como estes militares foram tratados depois da sua chegada a CACINE, sendo considerados como desertores e cobardes, quando em meu entender, se alguém tinha que assumir a responsabilidade dessa situação seriam os seus superiores e nunca por nunca os soldados.

Estes homens foram humilhados por muitos dos nossos superiores, «que eram uns grandes heróis de secretaria», foram proibidos de entrar no aquartelamento não lhes davam alimentação, o que comiam era nas Tabancas junto com a população, as primeiras refeições quentes que á longos dias já não faziam, foram feitas por estes dois homens juntamente com os Pára-quedistas , porque o solicitei junto do meu Comandante de Companhia Capitão Pára-quedista ALMEIDA MARTINS , « Hoje TENENTE GENERAL na reserva » ao qual apresentei os dois Camaradas do exército que lhe contaram tudo por que passaram , solicitei ao meu comandante para eles fazerem as refeições junto com o nosso pessoal, prontificando-me a pagar as suas diárias se fosse necessário, tendo este autorizado os mesmos a fazerem as refeições enquanto não tivessem a sua situação resolvida e a nossa cozinha que dava apoio ao Bigrupo que estava de reserva ali se mantivesse, vindo o meu comandante a por o problema destes homens ao comandante do aquartelamento do exercito e solicitando para que o mesmo fosse resolvido com o máximo de brevidade uma vez que a situação não era nada dignificante para a instituição militar.

É de salientar que estes dois homens já não escreviam aos seus familiares á mais de um mês, porque não tinham nada com que o fazer, fui eu que lhes dei aerogramas para o fazerem e os obriguei a escrever, porque o seu moral estava de rastos a vida daqueles militares já não fazia sentido.

Dormiam debaixo dos avançados das Tabancas enrolados em mantas de cor verde, não tendo mais nada a não ser o camuflado.

Estes meus dois conterrâneos que atrás refiro eram o CARLOS que infelizmente já faleceu do lugar de Perrães – Oliveira do Bairro e o Victor Correia de Aguada de Baixo – AGUEDA, este sofre imenso de stress de guerra.

Despeço-me enviando um abraço para todos os Camaradas bloguistas, bons voos e melhores aterragens.


VB: Pois meu Caro Victor, muito se tem falado de Gadamael e da retirada das nossas forças armadas, aliás, existem até algumas obras escritas sobre o acontecimento, estou a recordar-me da “Retirada do Guileje” de autoria do Cor.do Exº. Coutinho e Lima.
Mas a grande realidade dos factos são estas, narradas pela primeira pessoa que os viveram.