terça-feira, 21 de junho de 2011

Voo 2380 RECORDAÇÕES DE MANSABÁ.





Manuel Dâmaso
Sargº.Môr Paraqª.
Azeitão








Em 1969 estava eu na minha segunda comissão na Guiné, Tinha-me oferecido por estar à bica para ser nomeado para Moçambique e estar convencido que a duração da comissão ainda era de 18 meses, camaradas tinham-me dito que as operações em Moçambique eram muito longas, andava-se muito e passava-se muita sede, mais uma vez fruto da minha outra especialidade de mecânico, devido ao desempenho na comissão anterior, tinha sido colocado no Pelotão de Manutenção Auto que pertencia à CMI, (Companhia de Material e Infra-estruturas).

Estava nesta situação havia cerca de um mês e meio, inopinadamente no 29 de Maio a uma sexta-feira fui ler a Ordem de Serviço antes de sair do Quartel como militar que se preze deve fazer, qual não foi o meu espanto, ao ler que eu sem ninguém me ter dito “água vai”, tinha sido transferido para a CCP 122.

Como simplório que sempre fui, não perguntei nada a ninguém do porquê desta transferência, uma vez que quando para lá fui estava a contar que podia ser colocado de início numa Companhia operacional.





Legenda: Alguns elementos da CCP 122 onde eu aterrei, militarem muito aguerridos

No sábado dia 30 de Maio de 1969 fui logo a caminho de Mansabá, não foi obra do acaso que fui colocado no pelotão que passados estes anos todos não me lembro, nesta altura a CCP 122 estava em Mansabá que pertencia ao COP 6 a fazer segurança a colunas auto entre Mansôa e Mansabá e vice-versa, fazia segurança à construção na Estrada que estava a ser construída entre Mansabá e Farim.

A CCP 122, quando fui para lá estava a ser comandada por um tenente, e vinha com uma série de êxitos eram muito experientes, tinham passado por Gandembel e por outros buracos idênticos obtinham resultados das operações semanais que vinha realizando, fazendo muitas baixas, capturas de guerrilheiros e muito material de guerra.

Legenda: Pessoal e Material capturados pela CCP 122 na operação “Titão” no Morés em 24 de Abril de 1969 (Foto H BCP 12)

A segurança às colunas requeria alguma atenção, pelo menos nos pontos mais críticos propícios a emboscadas, constava que faziam buracos no alcatrão, colocavam minas anti-carro e tapavam com bosta de vaca para disfarçar.

O tempo de espera em Mansôa era ocupado com uns jogos de matraquilhos

Legenda: Mesa de Matrecos

No trajecto fazia-me impressão como é que estava no meio do nada, um minúsculo acampamento em Cútia, quantos ataques terão sofrido?

Havia também um ponto crítico chamado de a Serração

Em Mansabá dormia numa camarata cuja parede era arejada por buracos quadrados, os catres estavam equipados com uns colchões muito velhos e sujos e sujos.

Um belo dia num Sábado em Bissau estava em casa depois de ter tomado banho, estava à mesa e apareceram-me uns bichinhos achatados a passear sobre os meus sobrolhos, fiquei mais que encavacado, foi uma “chatice”, só depois associei o caso aos colchões velhos.

Legenda: A Caserna esburacada dos “chatos” em Mansabá (Foto H BCP 12)

Uma noite saímos do Aquartelamento e fomos emboscar num ponto alto para o lado esquerdo da estrada em construção no sentido de Farim, quando o dia começou a clarear começou toda fauna a mexer, galinhas de mato e toda a passarada a esvoaçar de árvore em árvore, a fazer-se ouvir nos seus trinados próprios, até que oiço por cima da minha cabeça um som característico de uma perdiz, som que eu já conhecia desde criança, ao mesmo tempo que estava encantado com aquilo tudo, olho para cima e vejo uma perdiz bem grande pousada num galho da pequena árvore onde eu estava por baixo, quando a ave resolveu fazer as necessidades para cima de mim, aí veio ao cimo aquele sentido animalesco de predador e de lhe apontar a arma e manter o dedo no gatilho, mas como estava emboscado, tive de fazer um grande esforço para não puxar o gatilho, numa emboscada tem se manter o silêncio absoluto.

Foi uma experiência porque desconhecia que as perdizes pousavam sobre as árvores, no Alentejo nunca tinha visto, recentemente alguém me disse que as viu levantar muitas vezes de oliveiras e chaparros, em miúdo encontrei ninhos de perdizes, enjeitavam com muita facilidade, os perdigotos camuflavam-se bem e eram muito difíceis de apanhar.

Legenda: Uma galinha-do-mato


Legenda: Uma perdiz Africana


Legenda: Largada de Pára-quedistas na Guiné (Foto Álbum de memórias do BCP 12)

Um dia que não me lembro a data resolveram ir de avião para Mansabá e saltar, existia lá uma boa zona de lançamento, eu como não fui com eles, também fui de avião DO 27 mas não saltei.

Legenda: Uma DO 27 a levantar voo

Quando ia para aterrar vi uma grade acácia de flores vermelhas, que tomei como ponto de referência, sempre que voei na Guiné ia atento aquele tipo de acácia e até cheguei a enviar sementes para cá, que não chegaram ao destino.

Legenda: Uma acácia rubra igual à que existia em Mansabá

Durante o mês de Junho a Companhia continuou com o ritmo operacional de uma operação por semana, Mansabá tinha uma coisa boa que era uma água levezinha como não bebi na Guiné em lado nenhum, cheguei a levar água para Bissau em garrafões de 10 litros, nunca mais esqueci Mansabá por ter sido a minha primeira experiência na Guiné da guerra a sério, mesmo nas duas operações em que tomei parte, apesar de não ter dado um único tiro, fizeram-se prisioneiros, apanhou-se muito material de guerra, queimaram-se cubatas e destruiu-se arroz, mas presenciei situações que me recuso a transcrever e que me marcaram, vi como a guerra transforma os seres humanos em “bichos” perdendo a vertente humana, a partir daí pela maneira como fui lançado para a situação, ia sempre que era nomeado, mas não se pode dizer que me sentisse muito feliz por lá andar.

A minha estadia em Mansabá não chegou a um mês, porque fui para lá no dia 30 de Maio e no dia 28 de Junho já estava a caminho de Teixeira Pinto, gostei de ter conhecido Mansabá comparada com outros buracos por onde andei era um oásis, passei lá pela estrada quatro anos depois, indo do K3 (Farim) para Bissalanca em 2 de Junho de 1973, regressando de Guidage da Operação “Mamute doido”, da estrada observei que tinha aumentado muito em casernas novas.

Saudações Aeronáuticas

Dâmaso