Manuel Bastos
Fur.Mil.Ex. Operações Especiais
Coimbra
A Enfermeira que vinha do céu – Final
Custam-me a sair as palavras. Era assim que acontecia sempre que morria um dos nossos. Uma coisa sem sossego no peito e nós todos calados de os olhos postos no chão.
Mas se nos calarmos, que seja por pouco tempo, o minuto cerimonial e mais nada, depois falemos, contemos a toda a gente quem foi a enfermeira pára-quedista Piedade Gouveia. Ela merece ser recordada de cabeça levantada e em continência, como só os verdadeiros heróis merecem.
Chamei-lhe "A enfermeira que vinha do céu" e todos os soldados que um dia combateram perceberam logo porquê.
Um dia foi-lhe confiada a minha vida, e na meia hora mais dramática que vivi até hoje, a Piedade cuidou dela com desvelo.
Eram dias dramáticos, tinha-se um sentimento de vida à beira do abismo, de experiência limite, e todos nós, os que combatíamos, obrigados ou não, sentíamos, pelo menos durante algum tempo, que cumpríamos um dever inelutável.
Outros momentos dramáticos se sucederam neste país limítrofe, sempre à beira de um abismo qualquer; mas ser combatente não é só ter capacidade para pegar em armas, e o exemplo das enfermeiras pára-quedistas, as únicas mulheres combatentes na guerra colonial, são exemplo de como a coragem para enfrentar o perigo e o medo, e a generosidade e a disponibilidade para com os outros, podem salvar-nos a todos do recorrente abismo. Nós que as conhecemos, não deixemos que os portugueses se esqueçam disso.
Hoje partiu a enfermeira que vinha do céu. Vai só.
O héli que a leva não regressará com ela para nos salvar quando tombarmos de novo. Ficámos mais sós também.
mcbastos
Legenda: Esta foto feita no dia 21 de Julho de 2009,assinala o reencontro do Manuel com a Piedade quarenta anos após a data em que esta lhe salvou a vida.