domingo, 11 de março de 2012

Voo 2754 O AVIÃO É MEU.VOU FAZER UM CHOURIÇO!





Gabriel Cavaleiro
1ºSargº.Pil.Av.
Olhão





O avião é meu. Vou fazer um chouriço!






Legenda:T-33 matrícula 1909
Foto:Gabriel Cavaleiro (direitos reservados)

O P1/62, o tal curso que levou 2 anos a ser brevetado por congestionamento da Base Aérea de Sintra, levou a várias novidades na Força Aérea, como um curso de T6 feito em Salamanca e pilotos largados em T33 antes de serem brevetados.
Foi esse o meu caso.
Só que o meu último voo antes do brevetamento foi exactamente o voo de largada. E logo a seguir os 3 VCCs que estavam na Ota rumam a Sintra para a grande cerimónia da imposição das asas.
A coisa não foi fácil. Ora não havia asas, ora não havia General para as entregar, ora já não me lembro de mais, mas o certo é que a coisa levou um mês a concretizar-se. Um mês em Sintra.
E lá voltamos à Ota mas já Cabos Milicianos Pilotos.
O Luís Quintanilha, meu Instrutor na altura (comecei com o António e acabei com o Luís mas por vezes trocavam) achou e bem, que um mês sem voar não seria muito saudável para um recém-largado fazer o primeiro voo solo. E vai daí fomos fazer voltas de pista.
Uma espécie de voltas de pista... Porque o homem, depois do toca e anda fazia uma espécie de chandelle e nós aparecíamos no início da perna base, sem saber ler nem escrever. Vá, o avião é teu!
E lá aterrava eu e ele borregava e fazia outra chandelle.
8 vezes.


Legenda:T-33 1914
Foto:Gabriel Cavaleiro
(direitos reservados)
Agora estás bem, é mesmo isso que eu quero! OK, o avião é meu, vou fazer um chouriço!
A chandelle saiu a rapar e aquele tip tank vermelho, do lado direito, a rapar as árvores era uma imagem extraordinária de se ver… especialmente com o cansaço de 14 toca e anda, seguidos de meia manobra mais ou menos acrobática.
Estamos na final e eu de mãos a abanar a apreciar a paisagem porque era o Instrutor a aterrar.
Lembro-me de ouvir, lá muito ao looonge… final curta, uma espécie de buzina tocar muito baixinho, muito a medo. Tão baixinho que ninguém ligou…
Quando ouvi o Luís Quintanilha aos berros olhei em frente e vi o nariz do avião a tocar no chão e pensei, a roda de nariz não saiu! Mas depois percebi que nada tinha saído! Estávamos em plena papada!
1500’ de pista depois, com fumarada a entrar pelo cockpit dentro, avião parado, sem sinais de fogo mas muito fumo à volta, desligo tudo inclusive a bateria, que só se podia desligar no lugar da frente e ponho o pé no chão, coisa estranha para quem estava habituado a usar a escada…
No dia seguinte começa a investigação do acidente.
Mas antes tenho que dizer que o avião não chegou a tocar no chão, ou melhor, a fuselagem. Foi a mais perfeita das aterragens. Gastaram-se os speed-brakes, por debaixo da fuselagem e os flaps. O Pitot, debaixo do nariz, não tocou no chão. Os tip-tanks ficaram intactos. Querem melhor?
O Comandante da Esquadra, Tenente Vasquez, na manhã seguinte, ouviu-me em privado. Contei-lhe tudo que sabia e me lembrava. E a buzina? Ouvi mas muito baixinho. E depois de cortar a bateria? Não ouvi buzina nenhuma! Ó Cavaleiro, disse-me ele, você está a julgar que queremos entalar o seu Instrutor, mas isto é uma investigação de acidente. Queremos saber o que aconteceu e ninguém vai ser penalizado por nada. A buzina? Não tocou! Ok. Amanhã continuamos…
No dia seguinte o diálogo foi exactamente o mesmo e acabava sempre na mesma: não ouvi buzina nenhuma depois de cortar a bateria.
O que se passava era que a buzina estava directamente ligada à bateria e portanto tinha de tocar e devia ser audível no meio do silêncio do reactor parado.
A buzina não tocou!
Ok, Cavaleiro, você vai passar pela vergonha de termos de colocar o avião em cima de cavaletes, simularmos a situação e você vai ouvir a buzina tocar! Então?
Pensei duas vezes e respondi-lhe, finalmente, mas muito à rasca:
- A buzina não tocou!
Muito bem, até amanhã!


Legenda:T-33 1913
Foto:Gabriel Cavaleiro(direitos reservados)
E no dia seguinte apareci no hangar à hora indicada, avião já nos cavaletes, Manutenção a olhar para mim e a pensar, certamente, umas coisas simpáticas, o meu Comandante de Esquadra a controlar tudo, um ambiente de cortar à faca, para mim.
Ok! Desliguem a bateria!
Silêncio…
Afinal a cablagem tinha sido mal montada naquele avião e o esquema eléctrico não estava de acordo com o Manual. A buzina devia tocar, estava OK, mas, parta grande alívio meu, não tocou!
A minha palavra passou a valer ainda mais e ganhei uma amizade mais forte com o Tenente Vasquez que nunca me pressionou com ameaças e com os irmãos Quintanilha porque eu me bati pela verdade e não cedi ao medo de me entalar.
E tudo isto por causa de um chouriço…




Legenda:O autor com o traje de gala
Foto:Gabriel Cavaleiro (direitos reservados)
Algumas imagens pertencem a ilustres desconhecidos a quem peço desculpa por não os nomear.

Origem do Voo:
Blog Rio dos Bons Sinais