domingo, 7 de abril de 2013

Voo 2738 AVIAÇÃO NAVAL, BASE AÉREA Nº6, DFE Nº8, GUINÉ





João Carlos Silva
Esp. MMA
Sobreda





Companheiros,
Sempre que posso, ou seja, quando estou nessa disposição e os afazeres me permitem, gosto de ler tudo o que diga respeito à “Guerra do Ultramar”. No livro que estou presentemente a ler, “Alpoim Calvão – Honra e Dever” , Alpoim Calvão é o militar mais condecorado da Marinha Portuguesa, encontrei um feito cuja passagem gostaria de partilhar convosco.


Vão perguntar porquê se o livro é sobre um militar da Marinha? Bom, porque a personagem deste feito que convosco quero partilhar, veio da Aviação Naval, era 2º Comandante em 1953 e depois 1º Comandante em 1958 da Base Aérea nº6 e por isso contemporâneo nessa base dos nossos “percursores” Especialistas, porque o episódio se passa na Guiné e também porque é revelador de uma postura extraordinária e que me surpreendeu.
Antes de abordar o tema em questão, gostaria de ir um pouco atrás e à “nossa” Base Aérea nº6 que foi sucedânea do Centro de Aviação Naval Sacadura Cabral. As instalações da Base começaram a ser construídas pela Marinha Portuguesa no princípio da Segunda Guerra Mundial com o objectivo de para aí ser transferido o Centro de Aviação Naval de Lisboa, até então instalado na Doca do Bom Sucesso. No entanto, a base acabou por ser só inaugurada em 2 de janeiro de 1953, passando na altura a ser denominada Centro de Aviação Naval "Comandante Sacadura Cabral" e cujo brasão de armas tinha como lema Onde a Terra Acaba e o Mar Começa.


A partir de 3 de março de 1953, com a publicação da Portaria N.º 14.281, o então denominado de Centro de Aviação Naval Sacadura Cabral passou oficialmente a designar-se por Base Aérea nº6.

Brasão actual da Base Aérea Nº 6

Como disse anteriormente, surpreendeu-me a postura, surpreendeu-me por acontecer uns anos depois do período em que serviu no comando da BA6 e de que li alguns relatos e que por isso dele guardava a imagem de uma pessoa de uma certa idade, distante, de que os Especialistas e também o pessoal de Marinha, guardavam respeito e algum receio, com fama de mau, por vezes até um autêntico Adamastor e que portanto não imaginaria “nestas andanças”. Percebi entretanto que essa imagem de pessoa de certa idade e distante se deveria em muito ao facto de o nosso pessoal andar pelos 18 anos enquanto que a nossa personagem andaria pelos 40 e por ter de chefiar uma base operacional repleta de pessoal, tripulações, de Helldivers, PV-2, Beechcraft, Harvard T-6, Widgeon, Allouette II.

Pois qual não foi o meu espanto quando ao ler o livro “Alpoim Calvão – Honra e Dever”, encontro uma passagem deste género:

“... No final de Setembro de 1964... o comandante de Defesa Marítima da Guiné...fora rendido pelo capitão-de-mar-e-guerra Francisco Ferrer Caeiro, oficial inteligente, carismático e de grande coragem moral e física. Este distintíssimo oficial tinha passado pela Força Aérea quando esta se separou da Marinha; fora 2º comandante e depois 1º comandante da Base do Montijo, regressando à Marinha pelo ano de 1963 para comandar a “Bartolomeu Dias” e tendo nessa ocasião... de visita à Guiné, onde veio a encontrar Alpoim Calvão já a comandar o DFE8 (destacamento de fuzileiros especiais). Há muito tempo que este oficial manifestava a vontade de entrar em acção, inclusivamente pretendia combater naquela província comandando uma unidade de fuzileiros. Mas esse desejo era impracticável...pela sua condição de oficial superior. Assim, Ferrer Caeiro requereu ao almirante chefe do Estado-Maior da Armada para ser desgraduado em primeiro-tenente...o CEMA não satisfez essa insólita pretensão...

Inconformado, mal chega à Guiné, uma das principais coisas que o comandante Ferrer faz é manifestar ao tenente Calvão a vontade em tirar o curso de fuzileiro...e lhe ministre uma instrução em acelerado que lhe permita acompanhar os destacamentos.

...Para passar à aprendizagem “on job” fiz constar aos comandantes de destacamento que tinha o maior desejo em os acompanhar dentro das seguintes condições: 
  • Só iria a convite deles
  • Só me interessavam operações em que fosse de esperar forte oposição do inimigo
  • A minha posição hierárquica dentro do destacamento seria a do grumete mais “marreta”
Não se julgue que por ser comandante da Defesa Marítima, Ferrer Caeiro teve a vida facilitada. Nada disso. Como qualquer fuzileiro, lançou-se para o chão, rastejou, fez flexões, subiu às árvores, atolou-se no lodo, desembarcou de botes e lanchas, até ser dado como pronto. Ficou deste modo o comandante Ferrer com uma forte ligação ao DFE8, com quem veio a participar em numerosas operações, na qualidade – ele mesmo o exigia – de grumete mais “marreta”. ...Mas o tenente Calvão, preocupado, destacava sempre dois robustos marinheiros para lhe darem protecção... perante o desespero daquele oficial, que, com uma valentia e desembaraço mais próprios de um jovem segundo-tenente do que de um “mar-e-guerra” de 55 anos, também queria fazer fogo...

Na Sala-Museu dos Fuzileiros, em Vale de Zebro, encontra-se exposta num quadro em ilumira a relação dos efectivos do DFE8...o último nome que aparece na lista, no lugar do grumete mais moderno, é precisamente o de Francisco Ferrer Caeiro.
  
...Ferrer Caeiro a beber água, momento que pôs fim à ideia que este oficial gostava de alimentar de que nunca bebia durante as operações, na "Fecho", 1965
Do livro Alpoim Calvão - Honra e Dever
 Ainda no mesmo livro, uma passagem mais “divertida”:

 "...Ferrer Caeiro tinha uma predileção especial pelo desporto , jogando muitas vezes à bola com os fuzileiros quando estes se encontravam em Bissau. Era conhecido ser um grande “sarrafeiro” mas os marinheiros também não eram meiguinhos e num jogo de bola não se olha às patentes. Sucedeu que uma certa vez no ardor de uma disputa de bola com um cabo radarista, o comandante teve a infelicidade de ser violentamente atingido com um pontapé no baixo-ventre que o lançou para uma cama de hospital a contorcer-se com dores...todos se sentiam na obrigação de o visitar e inteirar-se do estado de saúde ... Passou então a constituir-se aquilo que foi de maneira brincalhona chamado de “romagem aos tomates do Ferrer!”

Aqui partilho convosco este excerto que achei de muito interesse.
Saudações Especiais,
João Carlos Silva

Fontes:
Alpoim Calvão – Honra e Dever; Rui Hortelão, Luis Sanches de Baêna, Abel Melo e Sousa
Força Aérea Portuguesa; http://www.emfa.pt/www/unidade-19-base-aerea-n-6

Wikipédia; http://pt.wikipedia.org/wiki/Base_A%C3%A9rea_do_Montijo
Aviação Portuguesa de Aniceto de Carvalho; http://aerodino.no.sapo.pt/fap261montijo2.html
Reserva Naval de Lema Santos; http://www.reservanaval.pt/almferrercaeiro/diralmferrercaeiro.html

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