domingo, 25 de maio de 2014

Voo 3142 BEM FORA DO SEU AMBIENTE...





Giselda Pessoa
2ºSargº.Enfª.Paraqª
Lisboa




 
NO FIM DO MUNDO

Na preparação de uma conversa sobre as enfermeiras paraquedistas em que fui convidada a participar, lembrei-me de imediato de um episódio que vivi na Guiné, que ficou inesquecível na minha memória.
A camaradagem e a solidariedade sempre orientaram a minha vida e, sendo algo característico da vida militar, parecem ter tido ainda mais relevo no território da Guiné. Se é habitual haver um grande companheirismo entre os paraquedistas, tive a oportunidade de ver exemplos desse companheirismo junto de outros grupos na Força Aérea, fossem pilotos ou mecânicos da BA12.
Também nas minhas deambulações pela Guiné (em 26 meses de comissão(*) tive a possibilidade de chegar aos sítios mais invulgares, em que afinal muitos tiveram que viver) pude testemunhar as manifestações de camaradagem e solidariedade que sempre mostraram ter para com os tripulantes dos DO-27 e AL-III que por ali passavam e particularmente para com a enfermeira que os acompanhava.
Este episódio que acima referi, sendo algo que me tocou profundamente, narro-o aqui.
No decorrer de uma evacuação que tinha como objectivo um aquartelamento no
nordeste da Guiné, o helicóptero aterrou na placa, onde embarcou o evacuado. No decorrer dessa operação, aproximou-se do AL-III um Furriel daquela unidade, o qual se me dirigiu com um pedido fora do vulgar.
Explicou-me que com ele estava naquele quartel a sua mulher, sendo ela a única branca que ali vivia; e que, não vendo nenhuma branca há já muitos meses, certamente apreciaria falar comigo por uns momentos. Avisei-o do facto de transportarmos um ferido e do pouco combustível de que dispúnhamos não permitir prolongar a nossa estadia ali. Mesmo assim, ele montou a sua motoreta e foi buscar a mulher, para a levar junto de nós.
A espera prolongou-se por mais tempo do que aquele de que dispúnhamos, o que levou o piloto a decidir-se por descolar, com grande pena minha. Já no ar, tive a possibilidade de ver aproximar-se da placa a motoreta com o Furriel, trazendo a mulher à boleia. Ali chegados, apenas teve ela tempo para nos acenar enquanto o AL-III rodava em direcção a Bissau.
Senti naquele momento um desgosto enorme por não ter podido proporcionar àquela mulher um momento de carinho e de solidariedade, de que ela tanto necessitaria; e imagino a sua frustração quando não lhe foi possível partilhar de uns momentos de proximidade com alguém que lhe recordaria outras companhias e outros ambientes deixados há muito para trás.
Giselda Pessoa


(*) As comissões das enfermeiras paraquedistas variavam entre seis meses e um ano, o que provocava uma constante rotação do nosso pessoal. Vá-se lá saber porquê, fui optando por prolongar a minha estadia na Guiné, muito provavelmente devido ao óptimo ambiente que ali se vivia e também por me sentir realizada no trabalho que ali desenvolvia, numa atmosfera que não deixava esconder a guerra que nos rodeava.


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