Nuno Almeida
(Poeta)
Esp.MMA
Lisboa
Esp.MMA
Lisboa
Não sei se terá interesse ou se até será viável a publicação no blog.
Deixo a informação ao vosso critério,
Um abraço.
Deixo a informação ao vosso critério,
Um abraço.
Nuno
PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS
Cumpri
muitas missões durante a minha carreira na Força Aérea Portuguesa. A comissão
na Guiné, porém, sobrepôs-se a todas as outras e marcou-me indelevelmente para
o resto da vida. A mim e certamente a todos os que, de algum modo, partilharam
a mesma experiência. É dela ou de acontecimentos com ela relacionados, que vos
irei dando conta…
V – “Madina do Boé, o Algarve na Guiné”
O passar do tempo vai
tornando cada vez mais difícil reavivar os acontecimentos que, por alguma razão
significativa, mas especialmente aqueles que foram episódios de confronto
directo com o inimigo, mereciam ficar registados na nossa memória colectiva. O
detalhe das acções vai-se diluindo no nevoeiro do esquecimento e só a
permanência de alguns flashes e de uns poucos registos me permite recuperar a
sequência daqueles momentos que vivi ou testemunhei e que merecem ser
divulgados.
Dentre esses flashes
que persistem, seleccionei um para construir este meu testemunho dos PEDAÇOS
DAS NOSSAS VIDAS.
A imagem que perdura é clara. Vejo-me no espaço
que existia entre os pré-fabricados onde estava instalado o Grupo Operacional
1201 da Base Aérea nº12, com a sala de equipamentos e as Esquadras de um lado e
a sala de briefings, o bar e sala de estar, gabinete do comandante do Grupo e a
Secretaria, do outro. Sei que foi ao começar o dia de trabalho, pouco depois de
ter chegado à Base vindo de Bissau. Alguém que passa por mim entrega-me um
papel com uma mensagem rádio e é esta mensagem que me vejo a ler com alguma
surpresa e ao mesmo tempo com satisfação porque, finalmente, tinhamos
conseguido desferir um rude golpe nas forças com que o PAIGC matraqueava, há
anos, a companhia do Exército instalada na isolada posição de Madina do Boé, no
Leste do território. Depois de muita pesquisa e com o apoio do ex-comandante da
Ccaç 1790 cheguei à conclusão que este flash da minha memória respeita ao dia
11 de Abril de 1968, uma quinta-feira.
1966, Base Aérea nº12, com a nova pista.
MADINA do BOÉ – O
alvo para a estreia dos cubanos em combate
Desde o início da luta que o PAIGC escolhera o aquartelamento de Madina do Boé como um alvo preferencial. Terá sido até esta a primeira posição do Exército que o inimigo pensou aniquilar ou pelo menos forçar o seu abandono, muitos anos antes de tentar o mesmo com o Guilege. Com essa finalidade criou uma base dedicada em território da Guiné-Conacri, junto à fronteira e a curta distância de Madina do Boé, numa povoação chamada Kambera. Era ali que se organizava para as incursões e era para ali que retirava depois das flagelações.
De facto, Madina era
uma posição em que o apoio de outras unidades terrestres não era viável e o
apoio de fogo da Força Aérea, além de só ser possível durante o dia, só
era imediato em termos relativos, dada a
distância. A posição estava isolada e só podia contar com os seus próprios
meios.
As limitações no apoio
a Madina do Boé, a que se somavam outras vulnerabilidades como era o facto de
estar rodeada de pequenas elevações[1],
são a justificação para que a zona tenha sido escolhida para uma espécie de
campo de exercícios e carreira de tiro do PAIGC. Era ali que os quadros,
regressados dos países onde recebiam formação militar, se exercitavam e
ganhavam experiência. A ideia de que a zona era difícil de proteger levou mesmo
a URSS a prometer ao PAIGC construir uma pista para aviões de transporte
Antonov para apoio logístico directo, assim que conseguissem desalojar os
portugueses daquela posição. Esta ideia era inexequível enquanto a Força Aérea
mantivesse a superioridade aérea mas o PAIGC, segundo declarações de Nino
Vieira, acreditou durante muito tempo nela. Foram essas vulnerabilidades que
também justificaram o facto de Madina do Boé ter sido o alvo escolhido para a
primeira acção de combate com o envolvimento dos cubanos. Amilcar Cabral que
estava nessa altura muito preocupado com a segurança dos seus novos apoiantes
internacionalistas[2],
enviados por Fidel de Castro na sequência da Conferência Tricontinental de
Havana, em Janeiro de 1966, escolheu Madina para fazer uma demonstração das
capacidades dos seus guerrilheiros. Esta decisão, em princípio acertada, não
evitou porém o desastre que, por acaso, foi relatado por uma testemunha
privilegiada, o cubano Oscar Oramas, que foi o embaixador de Fidel em Conacri e
simultâneamente o executivo para o apoio ao PAIGC. É assim que
ele descreve essa acção no seu livro “Amilcar
Cabral para além do seu tempo”.[3]
…............................................
“A primeira operação
militar de envergadura que se realiza com a participação dos assessores cubanos
é a efectuada contra o quartel português de Madina de Boé, em 10 de Novembro de
1966.
Esta instalação militar
conta com uma edificação na sua superfície, a partir da qual combatem os
guineenses fulas incorporados no exército colonial, enquanto os Portugueses se
mantêm em trincheiras e refúgios subterrâneos, onde instalam a sua artilharia.
O comando guerrilheiro,
situa-se para esta operação, a uns 500 metros do quartel, instala um canhão
B-10 junto de uma grande árvore, com a ideia de o proteger do fogo inimigo. A
operação é dirigida pelo Comandante Domingos Ramos, um dos principais
dirigentes do PAIGC. Pela parte cubana encontra-se o tenente Artemio, chefe dos
assessores cubanos, com umas dezenas de combatentes guineenses e cubanos, e Ulisses
Estrada, Chefe da 5a Direcção do Ministério do Interior cubano. Junto deles,
encontra-se a operadora de câmara argentina Isabel Larguia, que participa na
operação com o fim de filmar um documentário que sirva para propagandear,
principalmente na Europa, a luta que o PAIGC está a liderar.
Domingos dá ordem para
o início das acções e o canhão B-10 começa a disparar acompanhado pelo fogo de
espingardas dos guerrilheiros. A resposta dos Portugueses não se faz esperar;
têm coberta a pequena elevação de onde ataca a guerrilha e as suas granadas de
morteiro começam a produzir impactos certeiros sobre o comando guerrilheiro, provocando
a confusão e a desorganização. Domingos, atrás da árvore onde está situado o
canhão, atira-se para cima do corpo de Ulisses com a clara intenção de o
proteger, quando é atingido por um estilhaço de morteiro, que lhe provoca uma
ferida que sangra copiosamente. Ulisses, ajudado por outro cubano, transporta-o
para o posto médico, situado a uns 100 metros na rectaguarda, mas o seu corpo
chega a este já sem vida.
O grupo guerrilheiro
dispara todas as munições que em Boké haviam decidido utilizar neste combate e
empreende uma retirada desorganizada, a qual é aproveitada pelos Portugueses
para lançar uma salva de morteiros para os atingir.
Ulisses considera que o
mais importante nesse momento é evitar que o cadáver de Domingos caia nas mãos
do Exército português, e acompanhado por outro cubano, toma um camião e
condu-lo até Boké, Republica da Guiné, entregando-o a Aristides Pereira para que
seja enterrado com todas as honras que merece como um dos fundadores da luta do
PAIGC”.
“A primeira
operação militar de envergadura que se realiza com a participação
dos assessores cubanos é a efectuada contra o quartel português de
Madina de Boé, em 10 de Novembro de 1966.
Esta
instalação militar conta com uma edificação na sua superfície, a partir da
qual combatem os guineenses fulas incorporados no exército colonial, enquanto
os Portugueses se mantêm em trincheiras e refúgios subterrâneos,
onde instalam a sua artilharia.
O comando
guerrilheiro, situa-se para esta operação, a uns 500 metros do
quartel, instala um canhão B-10 junto de uma grande árvore, com a ideia de
o proteger do fogo inimigo. A operação é dirigida pelo Comandante
Domingos Ramos, um dos principais dirigentes do PAIGC. Pela parte
cubana encontra-se o tenente Artemio, chefe dos assessores cubanos, com
umas dezenas de combatentes guineenses e cubanos, e Ulisses
Estrada, Chefe da 5a Direcção do Ministério do Interior cubano. Junto deles,
encontra-se a operadora de câmara argentina Isabel Larguia, que participa
na operação com o fim de filmar um documentário que sirva para
propagandear, principalmente na Europa, a luta que o PAIGC está a
liderar.
Domingos dá
ordem para o início das acções e o canhão B-10 começa a disparar
acompanhado pelo fogo de espingardas dos guerrilheiros. A resposta dos Portugueses não se faz
esperar; têm coberta a pequena elevação de
onde ataca a guerrilha e as suas granadas de morteiro começam a produzir impactos certeiros sobre o
comando guerrilheiro, provocando a
confusão e a desorganização. Domingos, atrás da árvore onde está situado o canhão, atira-se para cima do
corpo de Ulisses com a clara intenção
de o proteger, quando é atingido por um estilhaço de morteiro, que lhe provoca uma ferida que sangra
copiosamente. Ulisses, ajudado por
outro cubano, transporta-o para o posto médico, situado a uns 100 metros na
rectaguarda, mas o seu corpo chega a este já sem vida.
O grupo
guerrilheiro dispara todas as munições que em Boké haviam decidido
utilizar neste combate e empreende uma retirada desorganizada,
a qual é aproveitada pelos Portugueses para lançar uma salva de
morteiros para os atingir.
Ulisses
considera que o mais importante nesse momento é evitar que o cadáver de
Domingos caia nas mãos do Exército português, e acompanhado por
outro cubano, toma um camião e condu-lo até Boké, Republica da
Guiné, entregando-o a Aristides Pereira para que seja enterrado com
todas as honras que merece como um dos fundadores da luta do
PAIGC”.
Depois deste episódio
que naturalmente abalou a direcção do PAIGC, as acções contra Madina do Boé só
voltaram a intensificar-se novamente em Outubro de 1967 (na época das chuvas
quando todo o Boé ficava completamente isolado). Dessa vez, durante 13 horas consecutivas a posição foi violentamente
bombardeada, e os combatentes do PAIGC conseguiram mesmo aproximar-se das redes
de protecção. Logo às primeiras horas do dia seguinte, com a chegada do apoio
aéreo e o bombardeamento da zona envolvente pelos G-91, o ataque cessou
imediatamente.
Como apoiámos Madina do Boé em Abril de 1968
Por todos os motivos já
indicados, o apoio de fogo a Madina do Boé pela Força Aérea, era fundamental.
No entanto, a nossa eficácia nessas situações era, na generalidade, muito
limitada. Isso acontecia tanto no caso de Madina do Boé como no dos outros
aquartelamentos apoiados. É certo que quando os aviões chegavam ao local os
ataques terminavam porque o inimigo tinha receio de ser localizado e não se
revelava mas, por outro lado, era muito difícil infligir-lhe danos dada a
dificuldade de referênciar com precisão os alvos. As indicações dadas pelas
forças terrestres em termos de direcção e distância eram apenas estimativas e,
do ar, mesmo que a direcção fosse uma indicação satisfatória já a distância era
impossível de medir a olho, com alguma precisão, sobre o manto verde da
mata. Em Madina, nas curtas visitas dos
DO-27 e em conversa com os comandantes de companhia fomo-nos apercebendo que o
inimigo utilizava repetidamente bases de fogos que já estavam bem identificadas
o que correspondia às características de campo de treino de tiro que a zona
tinha para o PAIGC. Foi por isso que em
10 de Novembro de 1966 a reacção da companhia Ccaç 1416 fora tão
certeira.
No início de Janeiro de
1968 a Ccaç 1790 que na altura se encontrava em Bissau como unidade de
intervenção do Comando Militar, iniciou a sua deslocação para Madina do Boé
onde assumiu a responsabilidade de todo o Boé, com uma pequena guarnição
destacada em Béli.
O ex comandante da Ccaç 1790
descreveu-me assim a posição que foi ocupar: “Madina do Boé é uma pequena povoação com características
físicas específicas. É rodeada por pequenas elevações (com cerca de 300 m de
cota média), que são a continuação na Guiné da cordilheira do Futa Djalon da
Guiné Conacri. Madina fica num vale fértil com muita água, tem um clima
agradável, a ponto de em brincadeira os militares que ocuparam anteriormente a
posição terem ali colocado uma tabuleta com a expressão “Madina do Boé, o
Algarve na Guiné”, e que ali permaneceu até ao fim da presença portuguesa. Não
havia um aquartelamento militar propriamente dito, mas antes uma dezena e meia
de abrigos enterrados dispostos em círculo com um diâmetro de cerca de 1,5 kms
e ocupados, cada um, por 5 a 7 militares. No centro da povoação havia três
casas edificadas. A população que ali vivia também dispunha de abrigos junto
das suas tabancas. Por razões óbvias os abrigos estavam ocupados em
permanência; era ali, e em cada um, que se tomavam as refeições e se fazia a
rotina dos dias. Os montes em redor davam comandamento e capacidade de
observação contínua sobre as nossas posições. Evitávamos, por isso,
ajuntamentos de pessoas que constituíssem alvos fáceis; mesmo quando se jogava
futebol, fazíamo-lo junto de valas a céu aberto onde nos podíamos rapidamente
abrigar em caso de ataque.
O PAIGC atacava
Madina do Boé quase diariamente, normalmente com armas pesadas, morteiros de 82
mm e canhões sem recuo de 75 e de 82mm. A partir dos meados de 1968 passou
também a utilizar atiradores especiais, que embora fazendo tiro a grande
distância, e sempre à mesma hora, acertaram algumas vezes; nunca causaram
mortes, mas provocaram alguns feridos graves, e criaram uma enorme
instabilidade emocional. O desencadear das longas flagelações com armas pesadas
tinha características próprias: ocorria normalmente aos crepúsculos,
especialmente no vespertino, por razões de segurança das unidades do PAIGC que
realizavam o ataque. É que durante a noite não havia operações aéreas na Guiné;
por isso após o pôr-do-sol, estavam seguros que só na madrugada seguinte
poderiam aparecer os Fiat G91; quando atacavam ao raiar da aurora faziam-no
muito rapidamente sendo esses ataques intensos, mas terminando logo de seguida
para evitarem qualquer ataque aéreo de resposta.
….............................................................................................................
Está hoje
completamente comprovado que o PAIGC teve sempre nos arredores de Madina
oficiais e sargentos cubanos que regulavam o tiro das suas armas pesadas com
muita eficácia; como nos montes em redor tinham excelentes postos de observação
de tiro, e meios adequados para o efeito, escolhiam facilmente as zonas a
bater, e faziam correr as salvas por todo o aquartelamento.”
“Madina do Boé é uma
pequena povoação com características físicas específicas. É rodeada por
pequenas elevações (com cerca de 300 m de cota média), que são a continuação na
Guiné da cordilheira do Futa Djalon da Guiné Conacri. Madina fica num vale
fértil com muita água, tem um clima agradável, a ponto de em brincadeira os
militares que ocuparam anteriormente a posição terem ali colocado uma tabuleta
com a expressão “Madina do Boé, o Algarve na Guiné”, e que ali permaneceu até
ao fim da presença portuguesa. Não havia um aquartelamento militar propriamente
dito, mas antes uma dezena e meia de abrigos enterrados dispostos em círculo
com um diâmetro de cerca de 1,5 kms e ocupados, cada um, por 5 a 7 militares.
No centro da povoação havia três casas edificadas. A população que ali vivia
também dispunha de abrigos junto das suas tabancas. Por razões óbvias os
abrigos estavam ocupados em permanência; era ali, e em cada um, que se tomavam
as refeições e se fazia a rotina dos dias. Os montes em redor davam
comandamento e capacidade de observação contínua sobre as nossas posições.
Evitávamos, por isso, ajuntamentos de pessoas que constituíssem alvos fáceis;
mesmo quando se jogava futebol, fazíamo-lo junto de valas a céu aberto onde nos
podíamos rapidamente abrigar em caso de ataque.
O PAIGC atacava Madina
do Boé quase diariamente, normalmente com armas pesadas, morteiros de 82 mm e
canhões sem recuo de 75 e de 82mm. A partir dos meados de 1968 passou também a
utilizar atiradores especiais, que embora fazendo tiro a grande distância, e
sempre à mesma hora, acertaram algumas vezes; nunca causaram mortes, mas
provocaram alguns feridos graves, e criaram uma enorme instabilidade emocional.
O desencadear das longas flagelações com armas pesadas tinha características
próprias: ocorria normalmente aos crepúsculos, especialmente no vespertino, por
razões de segurança das unidades do PAIGC que realizavam o ataque. É que
durante a noite não havia operações aéreas na Guiné; por isso após o
pôr-do-sol, estavam seguros que só na madrugada seguinte poderiam aparecer os
Fiat G91; quando atacavam ao raiar da aurora faziam-no muito rapidamente sendo
esses ataques intensos, mas terminando logo de seguida para evitarem qualquer
ataque aéreo de resposta.
….............................................................................................................
Está hoje completamente
comprovado que o PAIGC teve sempre nos arredores de Madina oficiais e sargentos
cubanos que regulavam o tiro das suas armas pesadas com muita eficácia; como
nos montes em redor tinham excelentes postos de observação de tiro, e meios
adequados para o efeito, escolhiam facilmente as zonas a bater, e faziam correr
as salvas por todo o aquartelamento.”
Quando se chegou ao
final de Março de 1968 o PAIGC começou a aumentar novamente a pressão sobre
Madina do Boé mas dessa vez houve três novos factores que jogaram um papel
fundamental.
O primeiro foi que face
à rotina dos ataques o comandante da Ccaç 1790 desenhou uma quadrícula alfa
numérica de referenciação que se sobrepunha às cartas 1:50.000 que todos
utilizavam. Quando a situação começou a ficar complicada um exemplar desta
quadrícula[4]
foi entregue a um piloto de DO-27 que passou por Madina e depois passou a ser
utilizada como elemento de coordenação entre a CCaç 1790 e os pilotos dos G-91
nas acções aéreas de apoio de fogo.
O segundo factor era
uma vulnerabilidade dos cubanos que utilizavam emissores-receptores nas
frequências da banda FM dos 80 Mhz que podiam ser escutadas nos radios
(transistores) do pessoal. Por essa razão, era normalmente possível ouvir-se em
Madina as comunicações do inimigo, em castelhano, e por vezes deduzir onde iria
caír a próxima salva, e também conhecer os resultados dos ataques aéreos quando
estes se realizavam.
O terceiro factor foi a decisão de pôr uma parelha de G-91 no ar ao fim do dia e tentar o contacto rádio em rota para Madina. Se o inimigo não se tivesse manifestado a parelha entrava em espera, por alturas de Bambadinca, na esperança de poder intervir imediatamente se o PAIGC entretanto desencadeasse alguma flagelação. A espera era efectuada alto para reduzir o consumo de combustível e depois, se tudo corresse de feição, bastavam apenas 6 minutos de voo a 400 KIAS[5] para atingir um alvo na zona de Madina do Boé. Quando os aviões iam armados com foguetes e metralhadoras (caso da parelha de alerta) o tempo de espera podia atingir cerca de 40 minutos mas, nessas condições, com tão baixa capacidade letal, era difícil provocar danos sérios no inimigo. Com bombas nas estações internas, dada a curta autonomia do G-91 sem tanques externos, a espera tinha uma janela muito estreita, no máximo 20 minutos, e portanto era necessário muita sorte.
O terceiro factor foi a decisão de pôr uma parelha de G-91 no ar ao fim do dia e tentar o contacto rádio em rota para Madina. Se o inimigo não se tivesse manifestado a parelha entrava em espera, por alturas de Bambadinca, na esperança de poder intervir imediatamente se o PAIGC entretanto desencadeasse alguma flagelação. A espera era efectuada alto para reduzir o consumo de combustível e depois, se tudo corresse de feição, bastavam apenas 6 minutos de voo a 400 KIAS[5] para atingir um alvo na zona de Madina do Boé. Quando os aviões iam armados com foguetes e metralhadoras (caso da parelha de alerta) o tempo de espera podia atingir cerca de 40 minutos mas, nessas condições, com tão baixa capacidade letal, era difícil provocar danos sérios no inimigo. Com bombas nas estações internas, dada a curta autonomia do G-91 sem tanques externos, a espera tinha uma janela muito estreita, no máximo 20 minutos, e portanto era necessário muita sorte.
Foi com estes preparos
já em força que ao fim da tarde de 9 de abril de 1968, o PAIGC desencadeou uma
flagelação com armas pesadas. Logo após caírem as primeiras salvas o comandante
da companhia conseguiu contacto rádio com os G-91, na frequência do apoio aéreo
(FM 49.0 Mhz), e utilizando a quadrícula de coordenação indicou a localização
da base de fogos do inimigo. Os aviões apareceram rapidamente sobre o local e
atacaram com foguetes 2,75” e metralhadoras as posições indicadas o que fez
parar imediatamente o ataque ao aquartelamento. Logo a seguir o pessoal do
Exército começou a ouvir nos “transistores” vozes cubanas pedindo macas e
enfermeiros para socorrerem as muitas baixas que tinham sofrido. Estes resultados
foram divulgados de imediato através de uma mensagem “relâmpago” que não chegou
ao meu conhecimento.
Lembro-me, no entanto,
que na manhã do dia seguinte, 10 de Abril de 1968, fui escalado para uma missão
com o Cap Vasquez que era na altura o comandante da Esquadra 121. A caminho da
linha da frente disse-me que íamos ver se Madina do Boé precisava de apoio e
que os aviões iam armados com bombas incendiárias e foguetes, para além das
metralhadoras, é claro. Percebi depois que ele estava ciente do resultado do
ataque no dia anterior e pretendia tentar uma segunda oportunidade.
Nem sonhava o que o
destino me tinha reservado quando levantei a tampa que escamoteava o botão
vermelho do STARTER e o cartucho de arranque do motor disparou. Depois, a
rotina das operações aéreas não exigia grandes explicações e, que me lembre,
não houve praticamente quaisquer comunicações entre os dois pilotos. Descolámos
e eu segui o nº1 em escalão de combate a cerca de 300 mts de distância. O
comandante da parelha voava o G-91 5403 e eu o 5427.
Ainda estávamos a subir
acompanhando o Rio Geba quando o nº1 tentou o contacto rádio com Madina do Boé:
-Madina, Madina, Tigres
chamam!
Mal terminara a chamada
ouvimos imediatamente a voz do capitão Aparício, sinal de que estava à espera
que aparecessem aviões na frequência de apoio ar-solo:-Tigres, aqui é Madina!
Informo que o inimigo está a instalar-se a meio da encosta no ponto 2! - disse
isto muito de seguida como se tivesse a informação presa na garganta e
estivesse em pulgas para a soltar.
Acho que, embora bem
sentado e amarrado, até estremeci. É desta que levam, pensei logo eu. Na
quadrícula verifiquei que o ponto 2 era uma pequena elevação chamada Felo
Gorlige que ficava mais ou menos no enfiamento da pista de Madina. Conhecia
perfeitamente o local. A resposta do Cap Vasquez, no seu estilo peculiar que
mais parecia um sussuro, foi extraordinariamente pausada e lacónica não
deixando transparecer a emergência que subitamente nos caira no colo:
-Madina, entendi que
estão no ponto 2 a meio da encosta. Confirme!
-Afirmativo Tigres,
afirmativo!
Depois destas
comunicações nenhum de nós disse qualquer palavra. Cada um ficou a pensar com
os seus botões. Eu pensava que apesar da situação parecer favorável a indicação
de “a meio da encosta” deixava em aberto uma grande margem de erro. Além disso,
se a vegetação na zona fosse relativamente densa a cobertura ia ser reduzida e,
em consequência, a margem de erro aumentava.
Vi o avião da frente
voltar ligeiramente á direita porque baixou a asa desse lado durante uns
momentos e a seguir começou a descer e a afastar-se, indicação de que estava a
acelerar. Calculei que fosse adquirir à volta de 400 KIAS e foi isso que
aconteceu.
Estávamos nessa altura
a cerca de 60 Kms em linha recta e nessas condições era impossível descortinar
a zona onde se localizava Madina. Na trajectória que seguiamos passámos
praticamente sobre a confluência do rio Corubal com o rio Geba e foi sempre a
descer suavemente que fomos perdendo altitude. Aproveitei para ir ligando o
armamento e certifiquei-me, por diversas vezes, que tinha os “pylons” internos
ligados e os externos, que suportavam as calhas dos foguetes, desligados.
Faltava apenas armar as espoletas o que normalmente se fazia já muito perto do
alvo mas dessa vez resolvi deixar tudo pronto para o ataque. Não queria falhar.
No visor seleccionei 140 milésimos que era a minha referência pessoal para as
incendiárias em voo rasante a 400 KIAS.
Quando cruzámos
novamente o rio Corubal, a cerca de 15 kms de Madina, começámos a perceber os
contornos do terreno e pensei então que o melhor seria largar as bombas no
seguimento do impacto das do nº 1 para tentar aumentar a extensão da zona
coberta. Estas conjecturas foram interrompidas porque entrámos em voo baixo e
deixámos de ver a zona do alvo. De Madina, no prolongamento da pista, o terreno
eleva-se ligeiramente para Oeste e os
aviões vinham a voar abaixo dessa lomba. Foi bom porque isso iria garantir uma
surpresa total e, apesar de por alguns momentos não vermos o objectivo,
sabiamos que os aviões voavam alinhados com ele. A partir desse momento
entrámos numa final longa e alucinante, característica dos ataques a muito
baixa altitude, em que o terreno parecia escorregar freneticamente por debaixo
da barriga do avião. Só quem passou por situações como esta poderá entender o
que senti naqueles momentos porque eu não sou capaz de o reproduzir por
palavras com a eficácia merecida. Os dados estavam lançados e a expectativa do
que estava prestes a acontecer devia estar a injectar-me “toneladas” de
adrenalina no sangue.
Concentrado no controlo
do voo e no seguimento do avião da frente vi de repente o nº1 desaparecer quando passou a pequena lomba antes da pista
e continuou rente ao solo. Segundos depois foi a minha vez e nessa altura já vi
o outro avião parecendo trepar a encosta do Felo Gorlige. De repente vi o
clarão das bombas a explodir mas, à distância, pareceu-me que o espalho não
tinha sido grande coisa.
Focado na encosta onde
ia largar o armamento e com a velocidade que levava, não via mais nada. Não vi
sequer as casas e abrigos do aquartelamento que ficaram á minha direita, mesmo
ali ao lado. Naqueles poucos segundos de acção o meu Mundo encolhera-se
espantosamente e resumia-se ao Felo Gorlige.
Foi então que passei
por uns momentos de confusão porque, de repente, apercebi-me que não era seguro
entrar na fumarada que alastrava sobre a zona do alvo. Não podia largar mais
acima como queria e só me restava a possibilidade de largar mais curto e foi o
que fiz. Foi tudo muito rápido. Depois entrei na nuvem de fumo do lançamento
anterior e limitei-me a puxar o nariz do avião para cima para ter a certeza que
não colidia com o solo.
Ainda estava a subir
voltando apertado pela direita, todo torcido e comprimido na cadeira de
ejecção, a tentar localizar visualmente o avião do Cap Vasquez, quando a voz do
Cap Aparício me encheu o capacete:
- Em cheio Tigres, em
cheio. Era mesmo aí!
De seguida detectei o
nº1 já a voltar sobre o Dongol Dandum numa trajectória que só podia ser para
lançar os foguetes no alvo. Armei também os meus e executámos depois 4
circuitos de tiro em que fomos disparando os foguetes aos pares procurando
bater a zona envolvente ao redor da mancha de fogo. Depois, como o combustível
não dava para mais, o nº1 entrou em contacto rádio com Madina para nos
despedirmos ao mesmo tempo que iniciámos uma subida para os 20.000´ de regresso
a Bissalanca. Ainda me parece, ao recordar este episódio, estar a sentir a
intensa calma que, depois daqueles minutos esfusiantes, pareceu inundar-me o
espírito. Como de costume nestas missões entrámos numa inicial curta com o
COLLECT TANK a debitar e o respectivo indicador a mostrar menos de 250 lbs de
combustivel remanescente.
Duas horas depois,
descolei numa segunda parelha de G-91, armada com foguetes e metralhadoras, que
bateu outros pontos nas imediações do aquartelamento, segundo a orientação dada
pelo comandante da Ccaç 1790. Dessa vez levei o G-91 5401 mas já não consigo
determinar quem foi o outro piloto.
O que disseram os cubanos naquele dia
As comunicações rádio
dos cubanos escutadas em Madina, na sequência deste ataque, prolongaram-se por
várias horas. No essencial pediam apoio para a evacuação da enorme quantidade
de feridos que tinham sofrido e referiam também a existência de cerca de 30
mortos. O tom de aflição e a insistência nos pedidos de socorro reflectiam
claramente uma situação de extrema gravidade. Foi um apanhado dos indicadores
recolhidos nessas escutas que o capitão Aparício plasmou pormenorizadamente
numa nova mensagem “Relâmpago” e que eu tive oportunidade de ler no dia
seguinte de manhã. Foi com alguma surpresa que tomei conhecimento dos
resultados pois nada me indicava com segurança que tinhamos atingido o alvo e
que as consequências tinham sido tão devastadoras para o PAIGC[6].
A única informação que podia ter algum significado fora a dada pelo comandante
de Madina quando largámos as bombas no Felo Gorlige mas essa era uma avaliação
visual a uma distância de 3 Kms, portanto pouco fiável.
Não é pois de estranhar
que este momento me tenha marcado e se tenha somado aos instantâneos que,
passados quarenta e seis anos, ainda perduram na minha memória.
Nos dias 12, 14, 16 e
17 de Abril continuámos a efectuar saídas com os G-91 em apoio de Madina de
Boé. A partir de 16 de Abril desistimos da configuração com foguetes e
metralhadoras e passámos a levar os aviões armados com duas bombas de 200 kgs
nos “pylons” internos e mais duas de 50 Kgs nos “pylons” externos. Só não os
levámos à carga máxima (2 bombas de 200 Kgs e 4 de 50 Kgs por avião) por causa
da resistência ao avanço provocada pelos suportes que tinham de ser montados
nos “pylons” externos com o consequente aumento do consumo de combustível e
redução da autonomia.
A actividade da Força
Aérea em apoio da Ccaç 1790, durante o período mencionado, e que na prática se
manteve com menor intensidade até à desactivação de Madina, acabou por dar
resultado e o inimigo se não “encolheu as unhas” teve que
passar a empregar tácticas menos
favoráveis. Mais do que isso não seria nunca possível, nem em Madina do Boé,
nem em qualquer outra posição periférica dado que o PAIGC e os seus reforços
internacionalistas beneficiavam do santuário proporcionado pelas Republicas da
Guiné-Conacri e do Senegal. Nunca abandonou a zona mas as flagelações
diminuiram de frequência e de intensidade. Foi certamente para compensar esta
quebra nas suas acções ofensivas que passaram a utilizar uma táctica que
escapava completamente à acção punitiva dos aviões: os franco atiradores, como
referiu o ex comandante da Ccaç 1790 no seu testemunho, atrás reproduzido.
A infantaria da Força Aérea também lá esteve (Operação
Diana)
A continuação das
flagelações e depois os tiros com armas de precisão procurando causar baixas na
guarnição de Madina do Boé sugeriu também, na fase que se seguiu às acções
atrás descritas, a utilização de meios terrestres da Força Aérea. O comandante
do batalhão de paraquedistas nº. 12, na altura o Tcor Para Fausto Marques,
deslocou-se a Madina do Boé para perceber melhor a natureza do problema e
engendrar um plano de acção. Com base nos elementos colhidos concluiu que só a
surpresa poderia garantir resultados visto que tudo apontava para que o
aquartelamento estivesse sob observação permanente a partir da vizinha encosta
do Dongol Dandum.
Por essa razão foi iniciado
o transporte diário em DO-27, directamente de Bissalanca para Madina, de
equipas de 4 paraquedistas, simulando voos de rotina. Para encobrir a chegada
deste pessoal o avião aterrava de Este para Oeste e, quando dava a volta no fim
da pista para se dirigir à entrada do aquartelamento (a meio da pista), parava
por momentos para deixar sair os quatro homens que se embrenhavam na mata
próxima. Estes voos começaram no dia 11 de Julho e terminaram no dia 15 de
Julho de 1968 quando o efectivo do grupo de combate comandado pelo Tenente Para
José Manuel Gomes chegou aos 20 elementos.
A missão que lhes foi
atribuída rezava assim:
1 - Reconhecer com efectivos reduzidos, evitando a todo o custo o contacto com elementos inimigos ou população, os trilhos que levam às posições de flagelação inimigas.
2 - Efectuar emboscadas nos pontos que o inimigo costuma
ocupar para flagelar com armas ligeiras a população de Madina e os movimentos
na pista de aterragem.
3 -Emboscar o inimigo nos itenerários de acesso às suas
posições, aniquilando-o e capturando o material.
4 - À ordem armadilhar as pontes do rio Capege e Mael Bane.
A orientação táctica foi para efectuar o reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na medida em que o grupo de combate fosse engrossando. As saídas deviam ser executados principalmente à noite, aproveitando a fase da lua, e durante o dia o pessoal devia manter-se escondido e em repouso. Depois de reconhecidos os trilhos que o inimigo utilizava nos seus movimentos deviam então ser montadas emboscadas nos locais mais prováveis de passagem.
Logo no segundo dia foi
efectuado um reconhecimento ao alvorecer em que foram empenhados os primeiros
quatro paraquedistas que haviam chegado no dia anterior, apoiados por um grupo
de combate da Ccaç 1790. Nesta saída o inimigo, atento a todos os movimentos,
bem instalado no balcão do Dongol Dandum, flagelou o grupo de três direcções,
com um efectivo estimado em cerca de vinte elementos, tendo ferido um guia
nativo. A intenção era reconhecer a área no topo Oeste da pista mas por causa
deste ataque tiveram de inflectir para Este, depois prosseguiram para Norte e a
seguir voltaram para Oeste atravessando a picada para o Che-Che em direcção a
uma pequena elevação conhecida como “Colina de Madina”. Por informação da Ccaç
1790 esta zona era por vezes utilizada pelos guerrilheiros que até já teriam
sido atingidos por uma salva de morteiros e sofrido baixas. De facto,
descobriram os impactos das granadas de morteiro e raminhos partidos com
vestígios de sangue. Para além disso, o terreno amplo e aberto tinha boas
condições para se montar uma emboscada. Depois de reconhecerem toda a zona
subiram a vertente Oeste do Dongol Dandum, desceram pela vertente contrária e
acabaram por regressar ao aquartelamento vindos de Este.
No terceiro dia foram
empregues os oito paraquedistas que já estavam disponíveis. Para efeitos de
dissimulação integraram-se novamente num grupo de combate da Ccaç 1790 que ia
apanhar lenha nas imediações da picada para o Che-Che. Depois seguiram para
Leste até ao rio Barquege (a 1,5 Km) tendo encontrado posições de morteiro a
cerca de 1 Km do aquartelamento. Nesta e
nas restantes saídas houve problemas com os guias[7] porque eles sabiam
perfeitamente por onde os guerrilheiros andavam, tinham medo e também tinham um
grande receio do escuro da noite.

O truque de falha do gerador
No quarto dia sairam às
02H00 12 paraquedistas que foram montar a primeira emboscada junto às posições
de flagelação que tinham sido reconhecidas no dia anterior. Por recomendação do
pessoal da Ccaç 1790 foi simulada uma falha do gerador eléctrico para encobrir
a saída. Em Madina, quando falhava o gerador ficava tudo às escuras até que a
iluminação voltasse a ser reposta. O mais preocupante era a perda da iluminação
do perímetro de segurança, balizado com arame farpado, e por isso era usual os
sentinelas dispararem algumas rajadas para o exterior no sentido de dissuadir
eventuais tentativas de infiltração. Como havia necessidade de encobrir a saída dos paraquedistas foi sugerido ao Ten Gomes que fosse simulada a falha do
gerador para confundir os olheiros do PAIGC. E foi assim, com as luzes apagadas
e os sentinelas ao tiros para o Dongol
Dandum, que os 12 homens do Ten Gomes afastaram o cavalo de frisa que dava
acesso à pista e esgueiraram-se para a direita na direcção Leste.Pouco depois chegaram
ao local pretendido onde montaram uma emboscada mas o inimigo não se revelou
até ao alvorecer. No regresso, já dia
claro, foram flagelados com armas ligeiras a partir da encosta do Dongol Dandum
quando entravam no aquartelamento. Até esse momento, dado que nos primeiros
dois dias as saídas foram feitas juntamente com pessoal de Madina e desta vez
fora aplicado o “truque do gerador” o inimigo nunca se terá apercebido da
presença de outras forças pelo que a vantagem da surpresa ainda se mantinha.
No quinto dia a acção
anterior repetiu-se, desta vez com dezasseis paraquedistas, e o local escolhido
para a emboscada foi entre o topo da pista e a Colina de Madina na zona que
tinha sido reconhecida no segundo dia. No entanto, dessa vez também não houve
contacto e o grupo regressou a Madina já o sol ia alto.
Finalmente a surpresa resultou
No sexto dia[8],
16 de Julho de 1968, sairam pelas quatro horas da manhã dezoito paraquedistas
que rodearam o Dongol Dandum por Leste, seguiram depois pelo vale do rio
Barquege e foram aquietar-se na encosta Sul, um pouco a Norte da antiga tabanca
de Sebere Dandum. Foi nessa posição que às oito horas da manhã ouviram o
tiroteio de uma flagelação a partir da encosta Leste. O Ten Gomes deu então
instruções para o grupo abandonar a
posição e subir para Norte até encontrar o carreiro da guerrilha que levava à
vertente Leste. A deslocação foi inicialmente complicada pela reacção do guia
nativo que os acompanhava dessa vez e que, transido de medo, se recusou a
prosseguir. Teve que ser deslocado para o fim da coluna onde ocupou a última posição e na prática passou a
ser rebocado pelo último paraquedista.
Ao chegarem ao trilho,
a meia encosta, procuraram rapidamente uma zona que proporcionasse um campo de
tiro e montaram um dispositivo em L invertido em que a perna maior, com dez
paraquedistas, se estendia a subir ao longo do trilho e a menor 90º à direita,
de frente a uma pequena clareira. Numa posição recuada em relação à perna maior
ficaram o 1º Cabo enfermeiro Giroto e o homem do rádio.
Poucos minutos depois
avistaram os primeiros guerrilheiros que desciam a encosta completamente
descontraidos e na galhofa[9]
mas apenas cinco entraram na zona de morte que era pequena. Os paraquedistas
viram-se obrigados a abrir fogo porque o guerrilheiro que seguia à frente já
estava apenas a quatro metros de distância. Como este trazia a Kalashnikov em
bandoleira não foi o primeiro a ser abatido, foi o segundo da fila que trazia
binóculos ao pescoço[10]
e a arma em posição de fogo. Só depois o Fur Capucho atingiu o primeiro homem
da fila. A disciplina de fogo que era um dos pontos
fortes das tropas paraquedistas, ao contrário do que sucedia com a generalidade
das nossas forças na Guiné, funcionou aqui em pleno mais uma vez. O terceiro
homem da fila, abatido pelo soldado José Santos, caíu a cerca de seis metros da
emboscada. O quarto também foi atingido e foi nessa altura que o quinto
guerrilheiro o tentou auxiliar tendo chegado a arrastá-lo de nível na clareira,
vários metros para Oeste, ao mesmo tempo que os restantes elementos do grupo
que ainda se encontravam encobertos pela mata abriram fogo ao longo do trilho
na direcção dos paraquedistas. No entanto esses dois guerrilheiros não
conseguiram escapar porque o 2º Sarg Lança movimentou rapidamente a sua equipa
de modo a conseguir posição de fogo e acabaram abatidos também mas não
conseguiram alcançar os corpos para lhes retirar as armas. Do lado dos
paraquedistas a reacção cega do inimigo provocou duas baixas: o Ten Gomes foi
ferido numa perna assim como o apontador da MG 42, 1º Cabo Cabaço, que se
encontrava ao seu lado.
Com dois feridos e com
um número indeterminado de guerrilheiros em posições mais elevadas não foi
possível explorar melhor o sucesso mas a equipa do 2ºSarg Lança encontrou
rastros de sangue ao longo da mata de onde o grupo inimigo tinha surgido. Nas
circunstâncias foi necessário quebrar o contacto para trazer os feridos
imediatamente para Madina e evacuá-los. No entanto o grupo ainda foi flagelado
sem consequências, desta vez de um ponto mais para Sudoeste da zona. A retirada
fez-se para Este, mantendo o nível da meia encosta e foi protegida com alguns disparos para as matas mais acima.
O Ten Gomes teve que ser amparado por outro paraquedista e o 1º Cabo Cabaço que
estava em pior estado, foi carregado por dois companheiros. Ao aproximarem-se
de Madina começaram a avistar pessoal da Ccaç 1790 que tinha saído do
aquartelamento e se dirigia ao seu encontro na tentativa de dar apoio.
Coube-me a mim efectuar
a evacuação dos dois feridos. Comigo viajou o Tcor Fausto Marques e por um
feliz acaso alguém fez uma foto do DO-27 3460 aterrado na pista de Madina onde
eu, o Ten Gomes e um soldado da Ccaç 1790 aparecem. É a única prova que ainda
tenho de que alguma vez estive “no Algarve na Guiné”...
[1] O próprio aquartelamento ficava
no sopé de uma elevação chamada Dongol Dandum com cerca de 100 metros de altura
[2] Testemunho de Ulisses Estrada
Lescaille em “Recordando a Amílcar Cabral, líder anticolonialista de Guinea
Bissau” no dia 21 de Maio de 2003:
“Una
vez concluida la misión en el Uvero, en noviembre de 1966, a pesar de la
preocupación de Amílcar - que no se encontraba en el país, por temor a la
muerte o captura de uno de nosotros en los frentes de batalla, me uno a las
guerrillas comandadas por Domingo Ramos, comisario político del PAIGC, en la
primera operación militar de envergadura en la que participan los instructores
militares cubanos, bajo el principio de convertir el combate en una escuela.”
[3] Note-se como Oramas, numa lógica
de culto da personalidade, tradicional nas ditaduras comunistas, fantasia sobre
a acção do chefe guerrilheiro para a acomodar ao seu estatuto de herói nacional,
apesar do desaire sofrido. Não me parece nada credível que o movimento de
Domingos Ramos tenha sido para cobrir o Ulisses que é um preto matulão. Era
mais digno e honroso que se atirasse para cima da Isabel. O mais provável é que
Domingos Ramos que estava de pé, pois era o chefe e só assim conseguia ver os
impactos do B-10, tenha sido atingido e desfaleceu caindo sobre o Ulisses que
estava ao seu lado.
[4] Esse exemplar da quadrícula para
o apoio aéreo a Madina do Boé ainda existe.
[5] KIAS – Knots Indicated Air Speed
(velocidade ar indicada em milhas náuticas por hora)
[6] Testemunho do ex comandante da
Ccaç 1790 actual Tcor Inf (R) José Aparício após uma visita à Guiné em 1994:
“Regressados a Madina
visitámos os montes circundantes de onde éramos atacados. Constatei que a
quadrícula alfa numérica que utilizávamos estava correcta, e os vários pontos
eram efectivamente as bases de fogo que referenciámos na quadrícula.
Um dos elementos que nos
acompanhava, e que desempenhava as funções de governador do Gabu, mas que nos
tempos da nossa permanência pertencia às forças do PAIGC estacionadas na zona,
pediu-me para o seguir sózinho, que me queria mostrar um local; pediu-me para
não tirar fotografias e não falar do assunto aos jornalistas e operadores de
imagem que nos acompanhavam, o que cumpri, naturalmente. Chegados ali, na
contraencosta de um dos montes à volta de Madina, na direcção (E), mostrou-me o
local onde foram enterrados os mortos do PAIGC na zona, descrevendo-me a
maneira como enterraram os corpos. Quem ficou constrangido e embaraçado pela
situação, fui eu, e por respeito não ousei voltar a olhar com insistência para
o espaço e estimar o número de sepulturas, mas que eram muitas. Na longa
conversa que ali mantivemos, referiu-me os ataques aéreos de 9 e 10 de Abril de
1968 confirmando o juízo que ao tempo tínhamos formulado das circunstâncias de
então. Falou-me também das dificuldades que tinham nas evacuações de feridos,
já que os hospitais de que o PAIGC dispunha na região com médicos cubanos, se
encontravam longe, em Boké a (S) e Kundara a (N). As forças do PAIGC à volta de
Madina tinham enfermeiros cubanos, que nos dias dos citados ataques se viram
ultrapassados pela situação passando toda noite a pedir auxílio para
transportar os muitos feridos existentes, o que foi ouvido em Madina.”
[7] Os guias nativos eram soldados do
recrutamento local que estavam agregados às companhias metropolitanas. Eram
necessários não só porque conheciam o terreno mas também porque eram os
intérpretes quando eram feitos prisioneiros ou se encontrava população.
[8] 16 de Julho de 1968.
[9] Faziam aquilo praticamente todos
os dias.
[10] O homem dos binóculos (e com um
relógio russo) era um cabo verdeano que declarou ser o chefe de um grupo de
sete elementos que efectuava as flagelações com armas ligeiras a Madina.
Faleceu alguns minutos depois.
Voo de Ligação:
Gen.Pilav. Nico
Revista "Mais Alto" 413
Voo de Ligação:
Gen.Pilav. Nico
Revista "Mais Alto" 413
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