quinta-feira, 9 de maio de 2019

Voo 3529 FUI ESPECIALISTA DA 2ª/66.




Manuel Pina
Esp.METEO
Crato





Fui Especialista da 2/66
Diz o ditado, bem antigo, que as forças armadas são “uma escola de homens”. Quem não? Pessoalmente, entrei na Força Aérea Portuguesa – FAP – um garoto que acabava justinho de ultrapassar os 17 anos. Quantos mais? Que sabíamos da vida? Que “saber fazer” possuíamos? Que responsabilidades já nos pesavam sobre os ainda frágeis ombros? Mas como eu, lá fomos, inúmeros, milhares: uns guiados pelo desejo, outros pela obrigação, uns quantos por “devoção” e alguns, acredito, até por curiosidade.
A iniciação, chamada “recruta”, não era osso fácil de roer, a prova é que alguns pretendentes acabaram desistindo. Não se tratava de brincadeira de adolescentes, eram provas dolorosas até para homens já completamente constituídos, que dizer para mancebos imberbes, alguns, que talvez tenham pensado que se tratava de brincadeira. O regime era pesado, pois o destino que nos esperava era muito mais pesado que aquilo que ali vivenciávamos. Que o digam nossos heróis que enfrentaram os horrores e maus estares da guerra colonial. Ali era para valer. Matar ou morrer. Sobreviver era preciso.
Quero falar de uma categoria sobre a qual considero que recai boa parte da carga de manter a FAP em perfeito funcionamento. Não pretendo coloca-la acima de qualquer outra, mas também não a considerarei inferior a outra qualquer, por mais estrelas que tenha nos ombros: refiro-me àqueles que ficaram vulgarmente conhecidos como “Zés Especialistas”.
Antes de mais nada, a maioria era de voluntários. Questiono-me, que “vontade” era essa que nos impelia a nos oferecermos para um destino quase certo – a guerra nas colónias? Acredito que a parentela de cada um de nós também não entendeu muito bem, principalmente num período em que os menos afoites fugiram do país para não enfrentarem a situação. Nós, os que fomos voluntários, ou que não se negaram a cumprir seu serviço, não somos mais corajosos que aqueles que a ele se negaram, não posso sequer falar em questões ideológicas, pois entre nós, elas eram as mais variadas, da falta de noção do perigo, ao cumprimento de obrigatoriedade, passando pelo desprezo da causa que não era nossa, de tudo podíamos encontrar um pouco, mas fomos lá.
Num período em que a educação – refiro-me à educação profissional – no país era ainda incipiente e extremamente retardatária, a oferta desses cursos de formação de especialistas da FAP, foi como jogar combustível em fogo brando. O “Especialista” era, acima de tudo um técnico altamente qualificado nas funções que exercia. Basta olhar um pouco a vida dos já anciãos especialistas e perceber que em sua maioria foram contratados por empresas de grande porte, para exercerem funções de alta responsabilidade. As principais, mas não só, foram as empresas aéreas e os aeroportos, por falar apenas nestes. E não foram só as empresas nacionais, muitas estrangeiras recorreram aos prestimosos serviços do “Zés Especialistas” que, em virtude disso se espalharam um pouco por todo mundo.
Diria 
que estávamos escrevendo uma parte da saga da diáspora lusitana.
Portugal cresceu após o 4/74, principalmente do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico e não cresceu mais, pois não soube aproveitar condignamente a força jovem que estava surgindo, ou melhor dizendo, ressurgindo das cinzas, qual Fênix, da guerra do ultramar, pois muitos, entre os quais me incluo, fomos obrigados a abandonar o país pelo qual tínhamos arriscado nossas vidas, por falta de atenção devida a cada um de nós devuda. Conheço casos de rejeição de oferta de emprego, “por ter vindo do ultramar e quem vem de lá vem louco”. E lá fomos nós, cada um com seus sonhos e carregando suas esperanças, tentar a vida noutro país. Levar nosso saber para ser colocado a serviço de quem não nos devia nada. Talvez por isso tenham aceitado, de bom grado, a oferta do nosso saber fazer. Quantos estão fora do país, ainda hoje? Quantos, por se sentirem abandonados à própria sorte, nunca mais voltaram a Portugal? Quantos já decidiram que nunca mais voltarão?
Se a guerra já não era nossa e ao seu fim não reconheceram minimamente o nosso valor, só nos restava o orgulho, sempre, de ter sido um “Zé Especialista”, de ter dado o nosso melhor e os melhores anos de nossas vidas a quem nada fez por merecer tal sacrifício. Alguns se deram bem, mas nem todos tiveram a mesma sorte de uma vida digna. Muitos, infelizmente demasiados, estão ainda hoje enfrentando uma situação de moradores de rua, completamente abandonados, enrolados numa bandeira de um país que os não reconhece, para tentarem minimizar os efeitos do frio. Quantos vivem dramas psicológicos graves sem o menor apoio que lhes garanta uma existência minimamente estável? É triste. Já restamos poucos e ao passar dos anos, para não dizer meses ou dias, vão ficando menos. Logo seremos completamente esquecidos das autoridades institucionalizadas, mas estaremos para sempre presentes e imortalizados na HISTÓRIA de um país pequeno que não foi grande o suficiente para nos valorizar.
Eu fui especialista com muito orgulho.
Ex – Op.Meteo. Com vinte oito meses em Moçambique.
OBS: Manuel José PINA Fernandes, hoje sou, ainda, funcionário do Ensino Superior - Professor com Doutorado em História da Educação num país que só me conheceu e aceitou quando eu já linha completado 28 anos.


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