quarta-feira, 1 de outubro de 2008
CARTA A MUEDA.
467-José Caseiro
Cacimbo - Manuel Bastos
Carta a Mueda
Mueda terra tão distante e tão perto dos nossos corações.
Terra que tanto odiada foste por muitos e talvez amada por poucos.
O teu cheiro africano que tanto seduzia para a morte os homens que em ti habitavam.
Com o pó das picadas conseguias tapar a visão da morte – deixando-nos indefesos,perante o que nos perseguia em cada passo que era dado – tínhamos conhecimento da sua presença, mas mesmo assim nunca deixamos de caminhar ao seu encontro.
Nas tuas picadas muitas batalhas entre a vida e a morte foram travadas; alguns conseguiram sobreviver; outros ficaram mutilados; mas aqueles para quem a morte foi mais forte e conseguiu vencer, - Paz às suas almas!
Aqui lhes presto a minha homenagem.
Do posto de água 9 ao 34, do 34 a Omar, ou do 34 a Mocimba do Rovuma e a ida a Muera; muitas batalhas de vida e de morte se travaram, onde infelizmente a morte em algumas venceu.
Do China ao Chindorilho, das Águas às Bananeiras, e de ti Mueda a Nanglolo, a morte esteve sempre presente, mas por distracção sua ou porque não estava interessada, a maior parte dessas batalhas foram ganhas por esses valorosos rapazes da C.ART. 3503 e talvez sejam esses que te amam, porque do ódio pode nascer o amor, segundo dizem os filósofos; ou quem sabe, passados estes anos é que o nosso amor por ti tenha nascido.
Hoje recordo as tuas madrugadas frescas pela queda do cacimbo; durante a noite; o teu cheiro africano misturado com o cheiro do pão fresco; que tanto se preocupou o padeiro durante a noite em o ter pronto na hora para que os operacionais o fossem buscar, para depois irem para o mato ou para a picada; que normalmente o mínimo era por três dias.
Pão tão fresquinho que por volta do meio-dia já estava seco devido ao calor que fazia no mato.
Durante o dia, quando no aquartelamento se estava, e os helicópteros se avistavam, era porque algo de mal se passava, porque no hospital pousavam.
Para o hospital se corria a fim de se saber o que se passava – era mais um que morria, e mais uma vez na morte se pensava.
Nas tuas noites, quando se bebia, tudo se esquecia; até a morte que nos esperava no dia seguinte.
Julgávamos por vezes sermos as pessoas mais felizes do mundo, mas quando caíamos na realidade, e sem o efeito da cerveja, agradecíamos a Deus por nos ter dado mais um dia, e pedíamos-lhe que nada de mal nos acontecesse e que nos levasse para junto da família, sãos e salvos.
Tu Mueda, hoje és para mim uma segunda terra mãe, que me ensinaste o valor que a vida tem, lutando muitas vezes contra a morte.
A todos aqueles que em ti lutaram pela vida, um bem ajam.
E tu Mueda, que continuas aí tão distante, será que tens saudades de mim?
Aguarda-me, que um dia, se eu puder, vou aí…
© José Caseiro
VB. A todos os Companheiros que passaram por Mueda,quero deixar aqui esta magnifica homenagem que o José Caseiro faz à aquele local de Moçambique e a todos aqueles que lá perderam a sua vida.
Recordar é viver.
Obrigado Caseiro