sábado, 14 de fevereiro de 2009

789 DO 27 NO CHARCO DE COMO.



Miguel Pessoa
Ten.Pilav (Hoje Cor.Pilav.Ref.)
Lisboa



Caro Victor:
Segue a história da queda da Giselda no Como, de que já tínha enviado um pequeno reporte, no fundo servindo apenas para legendar as fotos que então te disponibilizei.
Resolvi agora aprofundar um pouco mais o tema.Junto umas fotos para acompanhar o texto - escolhe as que quiseres - tive o cuidade de escolher fotos diferentes das publicadas anteriormente no blogue. Numa delas podes ver o piloto - Fur. Ivo Mota - junto dos restos do Do-27.Não tenhas pressa em publicar.
Ainda poderá estar na memória das pessoas o que então enviei para o blogue sobre o mesmo acontecimento, tornando este artigo algo redundante.
Um abraço
Miguel Pessoa DO-27
NO CHARCO DO COMO
Na manhã do dia 17 de Novembro de 1973 o Centro de Operações do Go1201, na BA12, recebe um pedido de evacuação, vindo de Catió, tendo de imediato destacado um DO-27 para efectuar essa missão.
A equipa de alerta era constituída pelo Fur. Ivo Mota, da Esq. 121, e pela Enfª Paraquedista Giselda Antunes, e a eles se juntou a Enfermeira Paraquedista Natália Santos, acabada de chegar à Guiné e que, por ser "pira", acompanhava as "veteranas" nas evacuações, para "ganhar calo".
Estava-se já na época pós-Strela, que tinha trazido diversas restrições à navegação aérea.
Entre a opção de subir para 10.000', descendo depois à vertical do destino, o piloto optou pela outra opção possível, que era a de efectuar todo o voo a baixa altitude (50' a 100' sobre o terreno - o correspondente a 15 a 35 metros).
Para evitar zonas mais perigosas o Fur. Mota decidiu então seguir ao longo da linha de costa, sobre a água, contornar a ilha de Como (refúgio do PAIGC), subir o rio Cumbijã e, atingido Cufar, dirigir-se em linha recta para Catió.
O voo decorria normalmente a baixa altitude; à passagem por Bolama tiveram a oportunidade de ver o navio que fazia o transporte de víveres e material, que se dirigia para sul.
O DO-27 não parecia ressentir-se de qualquer problema resultante do incidente da véspera.
O avião sofrera um choque com um pássaro que lhe tinha acertado no hélice, mas a inspecção feita ao avião no intervalo dos dois voos não tinha detectado qualquer anomalia.
Quando sobrevoavam os tarrafos ao lado da ilha de Como, o avião resolveu "apagar-se" - o motor parou repentinamente, obrigando o piloto a uma reacção rápida para preparar uma aterragem de emergência.
Dada a baixa altitude a que seguiam, a única solução era "poisar o estojo" na direcção em que seguiam, em pleno tarrafo, o que o piloto fez - diga-se - com bastante êxito, pois o avião ficou atolado no lodo, mais ou menos direito, tendo os ocupantes saído ilesos desta aterragem (ou mais propriamente "alodagem").
Quem esteve na Guiné sabe bem as diferenças no contorno das margens (no mar ou nos rios) entre a maré cheia e a maré vazia. Neste caso era hora da maré baixa e a água, tendo descido, deixara o tarrafo coberto de uma espessa camada de lodo.
Rapidamente, os ocupantes abandonaram o avião procurando, atascados no lodo, alcançar uma zona de águas mais profundas, onde pudessem, mergulhados, ficar menos expostos a olhares da margem e ser eventualmente "pescados" pelo navio que pouco antes tinham visto a navegar naquela direcção.
Ter-se-iam passado duas horas desde a aterragem forçada no local quando detectaram uma embarcação do tipo Zebro que se aproximava do local, atraída pela silhueta do DO-27 atolado. Desconfiados, continuaram metidos na água pois a distância não permitia uma identificação eficaz do pessoal que se aproximava.
Com a aproximação do zebro puderam verificar que os tripulantes eram brancos, o que os levou a chamar a sua atenção.
Rapidamente foram recolhidos e levados para o navio de guerra a que o zebro pertencia e que se aproximava entretanto do local.Na BA12, entretanto, alertados pela falta de reportes do DO-27, tinham mandado descolar um Fiat G-91 que, seguindo o percurso mais provável voado pelo DO veio rapidamente a localizá-lo no tarrafo. Imediatamente a Força Aérea pediu a colaboração da Armada, que deslocou uma segunda embarcação para o local.Terá então havido aqui alguma falta de comunicação pois o segundo navio atarefava-se na busca do piloto no local quando este já se encontrava no primeiro navio. Mas mais vale a mais do que a menos...O facto é que, depois de recuperada pela Armada, mesmo sem dispôr de material (perdido no acidente) a enfermeira Giselda ainda foi fazer a evacuação a Catió, num outro avião entretanto disponibilizado, que "serviço é serviço"...
No dia seguinte, uma LDG da Armada iniciou os trabalhos de recuperação do avião, aproveitando a fase da maré alta, que permitiu a aproximação ao local. A içagem do avião infelizmente não correu tão bem como se pretendia.
Na primeira tentativa o DO acabou por cair novamente na água, ficando ainda mais danificado... Provavelmente foram maiores os estragos nessa altura do que na altura da queda!
Não foi no entanto importante, pois o destino dele seria sempre a sucata. A deformação da estrutura e a corrosão da água do mar tinham provocado danos irreparáveis no avião.
Podemos imaginar que o fim feliz deste acontecimento se deveu a um conjunto de factores favoráveis que podiam muito bem não ter acontecido:O facto de o avião voar bastante baixo, não sendo observável das tabancas existentes;A aproximação final do avião ao ponto de queda com o motor parado, não tendo, pelo seu silêncio, alertado ninguém próximo (detectou-se depois uma tabanca com população presumivelmente hostil a cerca de 700 metros);A existência de um navio da Armada, em missão de vigilância próximo do local, o que permitiu a rápida recuperação dos ocupantes do DO-27.
Miguel Pessoa