LINO DE FREITAS FRAGA
Jornalista do Correio dos Açores
Todos nós ao longo da vida convivemos com inúmeras pessoas, algumas, anos depois, não as reconhecemos, mas outras existem que, por uma, ou outra razão, nunca mais as esquecemos.
É o caso do nosso interlocutor, de hoje, que embora não sendo açoriano de nascença, é uma pessoa por demais conhecida e que tenho o prazer de conhecer desde o dia 18 de Agosto de 1966, quando embarcamos na Gare Marítima de Alcântara com destino a Angola, no navio Uíge.
Logo no segundo dia de viagem, cerca das 10H00 da manhã, ouvi uma algazarra na coberta do navio e fui ver o que se passava. Qual não foi o meu espanto quando vejo um 1º.Sargento da Força Aérea, que era o único, aos saltos e em alto “alarido”, no meio dos outros colegas do Exército que se mantinham num silêncio ensurdecedor, a dizer: “Eu sou 1º. Sargento Piloto Aviador, nunca fiz, nem faço, Sargento Dia, prefiro ir preso. Podem ir dizer ao Comandante (Coronel)”. Fiquei estupefacto, pensei, este homem está maluco, vão dar-lhe uma “porrada”. Nunca mais o esqueci pela sua coragem.
O certo é que este 1º.Sargento, que ia fazer a sua segunda comissão de Guerra, nem fez serviço, S.D., nem foi castigado. Chegados a Angola nunca mais nos encontramos.
Mais de 20 anos depois, por razões profissionais, encontramos no Aeroporto do Pico, obviamente, que o reconheci e quando lhe disse que o conhecia desde 18-08-66 e a razão de nunca o ter esquecido, ficou admiradíssimo e fartamos de rir. A partir daí nunca mais perdemos o contacto.
Pois é, este 1º.Sargento Lopes, é o famoso e popular Comandante, Rogério Lopes, um grande profissional, conhecido em todas as ilhas e que serviu a SATA e os açorianos durante trinta anos, com mais de dezasseis mil (16.000) horas de voo. Ainda hoje mantém o recorde de ser o Comandante que mais anos serviu a SATA.
Escutei, várias vezes, nos aeroportos das chamadas “ilhas de baixo”, quando as condições atmosféricas eram adversas, os passageiros a perguntar, “quem será o comandante” e quando a resposta era, “o Lopes”, ficavam mais tranquilos e diziam: “Ah, se é o Lopes, só não vem se não puder e se vier é porque não há perigo”. Julgo que este é o melhor elogio que um grande profissional pode receber de passageiros anónimos.
Legenda: Rogério Ferreira Lopes,ex-Piloto da FAP.
Foto: Correio dos Açores(direitos reservados)
Rogério Ferreira Lopes nasceu em Alverca a 13 de Fevereiro de 1939. Depois da escolaridade obrigatória, estudou no Liceu Passos Manuel, em Lisboa, “mas como eu era um grande cábula, passei pelo Camões e pelo Gil Vicente, não completando o 7º. ano. Bem me lixei por causa disso”.
Como quando foi chamado para o serviço militar, já tinha o Brevet de piloto particular, tirado na escola da Mocidade Portuguesa, logo foi enviado para a Força Aérea, tirando o curso militar na B.A.7 em Aveiro e na B.A.1 em Sintra, onde recebeu as segundas asas, as militares, em Junho de 1961. Terminado o curso, foi colocado na Base da OTA, passando a voar nos jactos T-33 e regressou à B.A.7, já como instrutor, onde permaneceu do Verão de 1961 até 1963 treinando pilotos para a Guerra do Ultramar.
Lopes fez duas brilhantes comissões, na Guiné de 63/65 e em Angola de 66/68.
Para a primeira comissão, seguiu para a Guiné a 11 de Novembro de 63. “Parti com muitos maus pressentimentos, porque já haviam morrido dois pilotos e um tinha sido capturado vivo e feito prisioneiro no Senegal. Já tinha 1500 horas de voo, que davam alguma experiência, mas, uma coisa é treino e outra bem diferente é a guerra ao vivo”.
Ao longo da comissão, Lopes participou em todo o tipo de missões, muitas evacuações de feridos, distribuição de correio e muitas e muitas acções de bombardeamento, com os aviões T6, “OS TIGRES”, em toda a Guiné, chegando a aterrar 26 vezes num só dia.
Não foi por acaso que, o Sargento Rogério Lopes foi condecorado com a Cruz de Guerra, mas sim, por feitos heróicos ao serviço da Pátria, nos matos da Guiné.
Quanto às missões mais difíceis nas comissões, responde: “Os bombardeamentos nocturnos, com condições atmosféricas muito adversas e sem qualquer ajuda rádio”.
Foi atingido, duas vezes, pelo fogo do inimigo, o seu “Baptismo de Fogo”, aconteceu, por ironia do destino, num avião desarmado, um “Auster”, numa missão de queimar capim ao longo de uma picada, para evitar emboscadas às nossas tropas terrestres.
O segundo foi num T6, que era uma aeronave que se adaptava e cumpria muito bem uma série de missões de combate, utilizando bombas de 12 e 50kg e Rockets de 37mm, levando “ninhos” de 36 em cada asa, etc.
Lopes estava de prevenção e recebeu um pedido de auxilio de tropas terrestres que tinham sido emboscadas perto de Buba. “Cinco minutos depois eu já estava a voar no T6 carregado com Rockets e passados vinte minutos já estava a atacar o inimigo. Quando fiz a segunda passagem de ataque ao solo, senti o impacto de uma bala no avião, mas como não havia qualquer anomalia no painel de instrumentos e como sabia que tinha atingido o inimigo em cheio, voltei a fazer mais uma passagem, para acabar com eles de vez, largando o resto dos Rockets. Despedi-me das nossas tropas, das quais, recebi vivas e obrigado, mas na viagem de regresso apercebi-me que o depósito do lado direito tinha sido atingido e estava a perder combustível, não declarei emergência porque faltava menos de 15 minutos para atingir a Base e aterrei com normalidade”.
É justo referir o importante papel que a FAP teve na guerra, quer nas evacuações de feridos, por vezes pondo em sério risco a vida das tripulações, quer no abastecimento das tropas, quer ainda nos ataques ao solo na ajuda às tropas terrestres.
Refira-se, também, que o inimigo tinha medo da nossa aviação como o diabo da cruz.
Lopes deixa um apelo: “Se há algum militar, açoriano, ou não, que eu tenha ido evacuar ferido, na Guiné ou Angola, gostava de nos podermos encontrar”. Obrigado C. Lopes.
P.S. – Admiro o Comandante Rogério Lopes, porque, além de ter sido um grande profissional, é um homem vertical, honesto, de convicções fortes, por vezes explosivo, mas capaz de reconhecer os seus erros.
Este homem só não foi condecorado, segunda vez com a Cruz de Guerra, em Angola, por se recusar dobrar a cerviz a superiores hierárquicos. O mesmo aconteceu quando foi delegado sindical, em que a SATA passou por uma greve, que foi, só, a mais longa greve de pilotos em todo o Mundo, três meses e meio.
Pelo contrário, abomino, os invertebrados rastejantes que, além de repelentes e como não têm cerviz, adaptam-se a qualquer cor, e, ou buraco, para se dissimularem cobardemente e tirarem dividendos, (promoções), quando deviam era estar atrás das grades e serem liminarmente erradicados da sociedade.
VB.Este artigo foi publicado no Jornal "Correio dos Açores" em15.03.2009 e é seu autor
Lino de Freitas Fraga