segunda-feira, 21 de setembro de 2009

VOO 1175 CORREIO AO DOMICÍLIO


Miguel Pessoa
Cor. Pilav. Refº. Guiné
Lisboa

CORREIO AO DOMICÍLIO

Nas missões que efectuavam por todo o território da Guiné os pilotos sabiam da importância que a chegada do correio tinha para o pessoal exilado nos locais mais recônditos, por ser o principal (às vezes o único) elo que tinham com a civilização.
Sucedeu comigo por várias vezes quando voava no DO-27 que, sobrevoando o território no percurso para o aeródromo de destino, ao passar sobre um aquartelamento, era interpelado por um operador de rádio mais ansioso, de que geralmente resultava uma conversa "encriptada", mais ou menos nestes termos:
-"Águia, Águia (ó aviador), aqui XX (código do quartel), informe se tem Sierra (serviço) para este?"
-"XX, Águia, negativo"
-"OK. Confirme que não tem Charlie (correio) para este?"
-"XX, Águia, negativo"
-"OK, Águia, Oscar Bravo (obrigado), o Charlie (comandante) manda um Alfa Bravo (abraço) e uma Bravo Victor (boa viagem)"
-"XX, Águia, um Alfa Bravo para vocês. Terminado"
E lá continuava eu para o meu destino deixando para trás um interlocutor desiludido.
Deve-se reconhecer que os SPM (Serviços Postais Militares) tinham em consideração, sempre que possível, a necessidade que o pessoal tinha de receber notícias fresquinhas - das famílias, das namoradas, dos amigos. Por isso, estava bem organizada a distribuição dos sacos do correio, de modo a embarcarem no primeiro avião disponível para o local.
Para além de embarcarem o correio de acordo com as missões planeadas, sempre que surgiam missões inopinadas (como as evacuações ou um transporte inesperado), as Operações do GO1201 alertavam os SPM e estes, na medida do possível, levavam à placa onde se encontrava o AL-III ou o DO-27 o correio para o aquartelamento em causa, por vezes também para outros aquartelamentos próximos, a quem o correio seria enviado por terra, a partir do primeiro.
Também por vezes os pilotos tinham a iniciativa de mandar embarcar os sacos de correio dirigidos a outros locais em que não iríamos aterrar, mas que sobrevoaríamos; claro que não se adequava levar encomendas frágeis, que se pudessem partir, pois a ideia era "desembarcarmos" o saco pela porta lateral quando passássemos a baixa altitude por cima da área do aquartelamento. Mas para o simples correio era uma boa solução de recurso, principalmente em locais isolados sem pista.
Claro que por vezes as coisas podiam não correr tão bem como gostaríamos - o correio podia cair mais longe do que pretendíamos (e o pessoal do quartel também...) e alguns incidentes também ocorreram: por exemplo, um dos sacos que o meu "ajudante de carga" atirou levou consigo uma antena lateral do DO, outro piloto levou aguerridamente a antena de rádio do quartel. Enfim, foi tudo por uma boa causa, que era afinal a de mitigar as saudades dos nossos camaradas em terra por tudo aquilo que tinham deixado lá longe.
Uma vez, um aviador de Fiat G-91, depois de executar uma missão no sul do território onde largou o "ferro" que levava, quando regressava a Bissalanca detectou uma anomalia suficientemente grave para o fazer dirigir-se de imediato para o sítio mais próximo que fosse apropriado para pôr o "estojo" no chão. Lá fez uma aproximação cuidadosa à pista, conseguindo parar o avião dentro do espaço disponível, sem mais problemas para além do susto inicial.
Ainda a recuperar do stress, enquanto saía do avião, vê que a capacidade de apoio do aquartelamento era superior à que esperaria, pois de imediato se aproximam rapidamente do local vários militares. Só então se apercebe das suas intenções quando um deles lhe dispara a pergunta sacramental: "Traz correio?!"
Miguel Pessoa

JC: Miguel Pessoa, mensagem recolhida e entregue aos destinatários.
Em 1980 estive 3 meses nas Lajes com os FIATs e a correspondência era de enorme importância, pois afastados da família, dos amigos e da namorada, quando a recebíamos era uma festa, pois era um elo de ligação fundamental com a nossa “vida”. Faço uma pequena ideia, da importância acrescida no contexto que te referes.

Saudações Especiais