José Leal
Fur.Mil.PA Tete
Caminha
Fur.Mil.PA Tete
Caminha
DO INÍCIO DA CARREIRA MILITAR AO 1ºDIA EM TETE
Zé, com 18 anos, sai do Liceu e em Junho de 70 está nas Caldas da Rainha para iniciar a sua carreira militar.Está na 5ª Companhia, um grupo especial, e no seu pelotão tem como camarada Néne,jovem internacional de futebol, acabado de chegar de Inglaterra coma Selecção. Jogador da Académica de Coimbra, assina três semanas depois pelo Sporting. Era uma das maiores esperanças do futebol português e quis o destino que nunca jogasse pelo seu novo clube. Depois de assinar o contrato, vai passar o fim-de-semana a casa e perde a vida no despiste do seu mini, numa estrada que liga a Coimbra à Figueira da Foz. Foi um rude golpe para os seus camaradas militares.Também fazia parte do pelotão Tito, jovem locutor de rádio açoriano, que se tornou dos melhores amigos do Zé. Todos os dias saiam até à meia-noite,palmilhando todos os locais limítrofes das Caldas.Óbidos,Peniche,S.Pedro de Moel,S.Matinho do Porto,foram percorridos pelos dois em grandes noitadas de divertimento.Numa sexta-feira,na carreira de tiro da Torrada, localizada a cerca de 10 Km das Caldas da Rainha,Tito surpreende Zé, de chofre, com uma proposta surpreendente:-Vens comigo para Lisboa e segunda estamos na Suécia.Zé, apesar da situação, não fica surpreso, pois conhece o modo de pensar de Tito em relação à guerra colonial:-Sabes que é o que me apetece fazer…daqui por 6 meses estou na guerra…ma não te posso acompanhar…sorte para ti amigo…
Na quarta-feira seguinte,Zé recebe um postal ilustrado de Estocolmo, enviado pelo Tito.Três meses nas Caldas da Rainha e mais três na Escola Prática de Cavalaria de Santarém, onde o regime militar era levado até ás últimas consequências. São três meses de militarismo em último grau, duros na instrução, em que o Saraiva, jovem de Castelo Branco, amigo do Zé, fica pelo caminho num acidente estúpido durante uma patrulha nocturna, entre a Serra dos Candeeiros e Santarém.O destino seguinte é a Base Aérea 3 de Tancos. Ali a vida é mais calma. A Força Aérea era outra loiça sobre todos os aspectos. A Base de Tancos era das mais importantes, pois tinha como missão principal a formação de pilotos e com a situação da guerra no terreno, formar rapidamente muitos pilotos tornava-se indispensável.
9 de Março de 71.4 da madrugada.Zé acaba de chegar à Base, no Triumph azul desportivo do Teixeira, depois de um fim de semana em casa.Está a deitar-se e é sobressaltado por um estrondo impressionante. Vem-lhe de imediato à memória a tremor de terra sentido dois anos antes e que ainda o traumatiza. Reage como um tiro e corre para a porta dos quartos. Aquilo a que assiste inquieto-o ainda mais. No hangar em frente, sobem grandes labaredas pelo telhado, associadas a outros rebentamentos mais fracos que o inicial. No meio de grande agitação, acaba por concluir que foram colocadas bombas no hangar, levando à destruição de 20 aviões e helicópteros.A manhã que chega 3 horas depois, enxameia a base de agentes da Pide. Quem estava na Base é interrogado até à exaustão.O Ângelo, companheiro habitual de umas jogatanas de lerpa, não se apresenta ao serviço. Tinha acabado o curso de piloto de helicópteros e embarcava dois dias depois para a Guiné.Em lugar do embarque, tem a sua fotografia nos jornais diários, pedindo a sua captura, por co-autor do atentado bombista. Sabe-se mais tarde que Ângelo está na Checoslováquia e que é elemento da ARA-Acção Revelocionária Armada-braço armado do Partido Comunista Português. Ângelo tinha introduzido na Base especialistas em armadilhas, com a finalidade de colocar bombas. Spínola, Comandante militar da Guiné, que tinha pedido desesperadamente helicópteros e aviões para a guerra, ficou pendurado por alguns meses..Quando depois do 25 de Abril são conhecidos mais pormenores do atentado, fica a saber-se que um dos maiores cuidados tidos ma elaboração do golpe foi o de evitar a todo o custo fazer vitimas.As bombas em Tancos abalaram o Regime. Os militares lá colocados na altura, ficaram marcados para sempre na sua carreira militar, sendo quase todos transferidos de unidade.O Zé é transferido para a Base Aérea 11 em Beja e quando em Dezembro, a dois dias do Natal, é informado que tinha chegado um rádio para si, enche-se de felicidade. Só podia ser a sua transferência para a Base Aérea de S.Jacinto, perto de casa, que à tanto tempo tinha requerido. Mas surpresa das surpresas. Foi como se tivesse desabado o mundo em cima de si. Estava mobilizado para a 3ª Região Aérea- Moçambique, com embarque marcado para uma semana depois. Como era possível isto, com tanta gente mais nova que ele para mobilizar primeiro? Eram as bombas de Tancos a fazer efeito…Embarque para Moçambique, chegada à Beira, colocado em Tete. A guerra estava a atingir o ponto mais alto no distrito de Tete, por via da construção da Barragem de Cabora-Bassa.Zé e o seu amigo Pascoal resolvem ir conhecer a “cidade” de Tete.Era necessário atravessar o rio Zambeze, com 1 Km de largura, feito numa pequena canoa. Estava a iniciar-se uma ponte sobre o rio, de grande arquitectura, mais tarde inaugurada com o nome de Marcelo Caetano.Depois de um pequeno reconhecimento, voltam para junto ao rio, onde apanharão o ferry para a outra margem. Tinha que se descer para um local onde se encontravam grandes camiões e máquinas das obras da ponte. No breu da noite, começam a ouvir-se rajadas de metralhadora e apercebem-se que as balas estão na sua direcção. Reconhecem que são balas de G3,mas mesmo assim, a solução é atirarem-se para debaixo dos camiões e esperar que passem os tiros. Havia outros militares junto a eles a sofrem o mesmo susto, mas pelos vistos já estavam habituados. Saltam de baixo dos camiões e começam a gritar:-Madeirense, filho da puta, acaba com isso, somos militares…Já mais refeitos deste baptismo de fogo, Zé e o amigo acompanham os outros na direcção da barcaça que os transportaria rio fora. Aqui apercebem-se do autor dos disparos agente da PSP, natural da Madeira, de serviço de vigilância às obras da ponte. Era certo que não batia muito bem e sempre que estava de serviço repetia a proeza. Ao ouvir alguém, disparava de rajada, até acabar o carregador…Os seus superiores conheciam a situação, mas o madeirense nunca foi afastado da escala de serviço…Agora que foi um grande susto que o Zé apanhou no primeiro dia que foi à cidade,lá isso foi...
Zé, com 18 anos, sai do Liceu e em Junho de 70 está nas Caldas da Rainha para iniciar a sua carreira militar.Está na 5ª Companhia, um grupo especial, e no seu pelotão tem como camarada Néne,jovem internacional de futebol, acabado de chegar de Inglaterra coma Selecção. Jogador da Académica de Coimbra, assina três semanas depois pelo Sporting. Era uma das maiores esperanças do futebol português e quis o destino que nunca jogasse pelo seu novo clube. Depois de assinar o contrato, vai passar o fim-de-semana a casa e perde a vida no despiste do seu mini, numa estrada que liga a Coimbra à Figueira da Foz. Foi um rude golpe para os seus camaradas militares.Também fazia parte do pelotão Tito, jovem locutor de rádio açoriano, que se tornou dos melhores amigos do Zé. Todos os dias saiam até à meia-noite,palmilhando todos os locais limítrofes das Caldas.Óbidos,Peniche,S.Pedro de Moel,S.Matinho do Porto,foram percorridos pelos dois em grandes noitadas de divertimento.Numa sexta-feira,na carreira de tiro da Torrada, localizada a cerca de 10 Km das Caldas da Rainha,Tito surpreende Zé, de chofre, com uma proposta surpreendente:-Vens comigo para Lisboa e segunda estamos na Suécia.Zé, apesar da situação, não fica surpreso, pois conhece o modo de pensar de Tito em relação à guerra colonial:-Sabes que é o que me apetece fazer…daqui por 6 meses estou na guerra…ma não te posso acompanhar…sorte para ti amigo…
Na quarta-feira seguinte,Zé recebe um postal ilustrado de Estocolmo, enviado pelo Tito.Três meses nas Caldas da Rainha e mais três na Escola Prática de Cavalaria de Santarém, onde o regime militar era levado até ás últimas consequências. São três meses de militarismo em último grau, duros na instrução, em que o Saraiva, jovem de Castelo Branco, amigo do Zé, fica pelo caminho num acidente estúpido durante uma patrulha nocturna, entre a Serra dos Candeeiros e Santarém.O destino seguinte é a Base Aérea 3 de Tancos. Ali a vida é mais calma. A Força Aérea era outra loiça sobre todos os aspectos. A Base de Tancos era das mais importantes, pois tinha como missão principal a formação de pilotos e com a situação da guerra no terreno, formar rapidamente muitos pilotos tornava-se indispensável.
9 de Março de 71.4 da madrugada.Zé acaba de chegar à Base, no Triumph azul desportivo do Teixeira, depois de um fim de semana em casa.Está a deitar-se e é sobressaltado por um estrondo impressionante. Vem-lhe de imediato à memória a tremor de terra sentido dois anos antes e que ainda o traumatiza. Reage como um tiro e corre para a porta dos quartos. Aquilo a que assiste inquieto-o ainda mais. No hangar em frente, sobem grandes labaredas pelo telhado, associadas a outros rebentamentos mais fracos que o inicial. No meio de grande agitação, acaba por concluir que foram colocadas bombas no hangar, levando à destruição de 20 aviões e helicópteros.A manhã que chega 3 horas depois, enxameia a base de agentes da Pide. Quem estava na Base é interrogado até à exaustão.O Ângelo, companheiro habitual de umas jogatanas de lerpa, não se apresenta ao serviço. Tinha acabado o curso de piloto de helicópteros e embarcava dois dias depois para a Guiné.Em lugar do embarque, tem a sua fotografia nos jornais diários, pedindo a sua captura, por co-autor do atentado bombista. Sabe-se mais tarde que Ângelo está na Checoslováquia e que é elemento da ARA-Acção Revelocionária Armada-braço armado do Partido Comunista Português. Ângelo tinha introduzido na Base especialistas em armadilhas, com a finalidade de colocar bombas. Spínola, Comandante militar da Guiné, que tinha pedido desesperadamente helicópteros e aviões para a guerra, ficou pendurado por alguns meses..Quando depois do 25 de Abril são conhecidos mais pormenores do atentado, fica a saber-se que um dos maiores cuidados tidos ma elaboração do golpe foi o de evitar a todo o custo fazer vitimas.As bombas em Tancos abalaram o Regime. Os militares lá colocados na altura, ficaram marcados para sempre na sua carreira militar, sendo quase todos transferidos de unidade.O Zé é transferido para a Base Aérea 11 em Beja e quando em Dezembro, a dois dias do Natal, é informado que tinha chegado um rádio para si, enche-se de felicidade. Só podia ser a sua transferência para a Base Aérea de S.Jacinto, perto de casa, que à tanto tempo tinha requerido. Mas surpresa das surpresas. Foi como se tivesse desabado o mundo em cima de si. Estava mobilizado para a 3ª Região Aérea- Moçambique, com embarque marcado para uma semana depois. Como era possível isto, com tanta gente mais nova que ele para mobilizar primeiro? Eram as bombas de Tancos a fazer efeito…Embarque para Moçambique, chegada à Beira, colocado em Tete. A guerra estava a atingir o ponto mais alto no distrito de Tete, por via da construção da Barragem de Cabora-Bassa.Zé e o seu amigo Pascoal resolvem ir conhecer a “cidade” de Tete.Era necessário atravessar o rio Zambeze, com 1 Km de largura, feito numa pequena canoa. Estava a iniciar-se uma ponte sobre o rio, de grande arquitectura, mais tarde inaugurada com o nome de Marcelo Caetano.Depois de um pequeno reconhecimento, voltam para junto ao rio, onde apanharão o ferry para a outra margem. Tinha que se descer para um local onde se encontravam grandes camiões e máquinas das obras da ponte. No breu da noite, começam a ouvir-se rajadas de metralhadora e apercebem-se que as balas estão na sua direcção. Reconhecem que são balas de G3,mas mesmo assim, a solução é atirarem-se para debaixo dos camiões e esperar que passem os tiros. Havia outros militares junto a eles a sofrem o mesmo susto, mas pelos vistos já estavam habituados. Saltam de baixo dos camiões e começam a gritar:-Madeirense, filho da puta, acaba com isso, somos militares…Já mais refeitos deste baptismo de fogo, Zé e o amigo acompanham os outros na direcção da barcaça que os transportaria rio fora. Aqui apercebem-se do autor dos disparos agente da PSP, natural da Madeira, de serviço de vigilância às obras da ponte. Era certo que não batia muito bem e sempre que estava de serviço repetia a proeza. Ao ouvir alguém, disparava de rajada, até acabar o carregador…Os seus superiores conheciam a situação, mas o madeirense nunca foi afastado da escala de serviço…Agora que foi um grande susto que o Zé apanhou no primeiro dia que foi à cidade,lá isso foi...
Legenda:Prefácio da obra.
VB:Quando da minha visita ao Zé Leal,ele fez o favor de me ofertar um exemplar da sua excelente obra "Crónicas soltas de uma guerra em África",onde relata alguns episódios vividos na vida militar.
Um deles é transcrito neste voo.É uma obra em que o Zé consegue conciliar a humor com a emoção.