Jorge Narciso
Esp.MMA "Esqª.Canibais" Guiné
Caro Vitor
Na passada 2ª feira emiti um comentário ao Post que a seguir transcrevo, inserto na Tabanca Grande, que versava sobre os helis, o Hospital Militar de Bissau e a captura do Capitão (cubano) Peralta.
Aquela janela... virada para o Heliporto (*)
Pois foi daquela janela, melhor dizendo, do varandim do Hospital Militar de Bissau - primeiro quarto, primeiro andar, frente, direito, onde me encontrava em gozo de merecidas férias, ofertadas (leia-se, impostas) por um alferes médico que partiu de Lisboa, no mesmo barco (Niassa), no mesmo ano, no mesmo dia (1.05.1968) que eu, ele incluído num Batalhão que saiu de Chaves, se a memória não me faz dizer asneiras. E que me quis evacuar para a Metrópole. Só que eu mandei mais do que ele e não esperei pelos 35 dias de internamento e aos 30 exigi alta. Aluguei a seguir um meio de locomoção aéreo e fui para o meu posto, em Catió, onde cheguei a 4 de Dezembro de 1969, dia da Artilharia. Que é também o de Santa Bárbara, que nos proteja, amén.
Pelo caminho apanhei uns frescos pois o pessoal estava nas últimas. Aquela CCS não aprendeu nada comigo, mas enfim. O dinheiro podia mais que os interesses estomacais do pessoal menor. Mas para o caso não interessa nada. São estórias para outras conversas. Pois, é isso, lá do Hospital, primeiramente era necessário esconder dos meus "velhotes" o novo local de férias. O amigo e camarada Quintino (o do Bando) deu-me o seu SPM para onde a correspondência deveria ser enviada, bem como os vales postais com os escudos (a vida em Bissau era cara... e os desenfianços do Hospital também) que nos chegavam às mãos transformados em pesos, logo deduzidos do imposto de transferencia de capitais.
Por isso, de vez enquando eram precisas fotos para comprovar o bem estar cá do rapaz. Esta, lá acima é um dos exemplos. Só que os olhos dos meus velhos com mais ou menos miopia, logo descobriram na minha tromba, que até era linda, uns sinais esquisitos. Eram uns restos de uma maleita que apanhei nos dormitórios adoque do Quartel General, que puseram esta carinha laroca em carne viva. Mesmo assim cheguei a ser abordado por uma patrulha da PM, toda arrogante - quase afirmo que era o secretário geral do actual PCP quem a comandava - porque não trazia a barba feita. Troca de palavras, etc e tal, mais posição de sentido que para estas ocasiões as douradas e a velhice ainda tinham força e significado em Bissau.
No meio disto tudo perdi-me, porque era para contar a estória da foto abaixo e já fui para outros caminhos.
Legenda:Heliporto do Hospital Militar de Bissau.
Foto:Jorge Teixeira
Então é assim, como agora se diz. Estava lá eu na tal janela virada... no primeiro quarto, do primeiro andar, frente, direito, do HMB e ouvi chegar um Heli. Logo os habitantes vinham ver do que se tratava, pois além de ser um passatempo a contabilização dos que chegavam por este meio transportados, queríamos sempre saber de quem se tratava. Porque até poderia ser um dos nossos mais íntimos. Neste dia quem chegou foi um barbudo (fiz uma foto, que veio para os amigos da metrópole, mas como tantas outras, desapareceu...). Pensamos, pelo seu aspecto, olha um Fuza. Fodeu-se. Mas não era, soube à noite quando fiz a ronda do costume para passar o tempo, estranhando ver Comandos de sentinela à porta, que era um cubano, de nome Peralta. Não me dizia nada. Depois disse. Por isso a tal foto para a rapaziada da metrópole... Mais tarde, anos depois, soube da sua libertação.
Mas a conclusão é: Será que o Jorge Félix se recorda ou até terá dado a sua colaboração a esta operação?
Por casualidade o Cancela também estava hospedado, na mesma altura, no mesmo Hotel Militar de Bissau. Mas no terceiro apartamento. Só o soubemos há dias quando entreguei esta foto - entre outras - para o Carmelita digitalizar e ele viu. Estórias de vida...
Cancela, eu era aquele que andava com uns chinelos de cada cor. Parece que se chamam agora havanesas. Um deles preso com um agrafe, daqueles dos papeis. Com umas calças de pijama com um grande rasgão no sítio dos ditos cujos e que saltavam para o ar livre a cada passada sim passada não. O casaco não tinha botões. Eu não tinha 100 pesos para mandar comprar aos libaneses aqueles pijamas dos chineses. Andava sempre com um livro, pois a minha vida diurna era na Biblioteca do Hotel, cuja responsável era uma bibliotecária lindaaaaaaaaaaa. Grandes conversas...
Mas porque será que uma foto vem buscar tantas lembranças?
Portojo
25 de Janeiro de 2010
(*) Publicado na Tabanca Grande em 01.02.2010
De Jorge para Jorge
Caro:
Ao passar hoje pelo blogue, de imediato me chamou a atenção a foto do heli aterrado no HMB [, HM 241, Bissau], contida no teu Post.
E como a ti, também ela me suscitou um tal corropio de lembranças, que, acredita-me, quase me atordoam.
Tentando alinhar ideias:
Como mecânico dos helis, foi exactamente no Hospital Militar que (excepção feita, naturalmente, à BA12) mais vezes aterrei na Guiné. E também a mim as recordações que suscita, serão tudo menos agradáveis. Seja a da lembrança das condições (fisicas e ou psicológicas) infra-humanasde homens que para ali transportei, seja a indescritível visão da sala de horrores, chamada triagem, onde eles eram colocados; de cada vez que ali tinha que ir recuperar macas. São imagens que jamais se esquecem.
Mas outra lembrança conseguiste, com o teu Post, desenterrar do fundo do meu subconsciente, a da evacuação do Capitão Peralta, a qual passo a transmitir, a quente, tal como a memória me debita.
Antes porém e à falta de outros registos, resolvi ir ao Google e digitar: Capitão Peralta.
Resultados:
- Ferido e capturado em 18 Nov 69 durante a operação JOVE, realizada pelo Páras entre os dias 16 e 19, no corredor de Guileje.
- A base dessa operação, a partir de onde os Paras foram heli-transportados, foi Aldeia Formosa.
Vamos agora à minha memória, que espero não me esteja a atraiçoar, sequer a iludir, e na qual (apesar da evidente redução de neurónios) quero ainda confiar.
Coloco os resultados dessa pesquisa em dois planos:
- O das quase certeza (ou com menor grau de falibilidade) e o das incertezas associadas, que evidencio entre parêntesis.
Assim:
(1) Só não estava no voo em que viste o Capitão Peralta aterrar no HM, pelas condições extra-ordimárias e que decorreu essa evacuação, cujos contornos passo a descrever.
(2) Em operações como esta, em que, independemente da Tropa participante, a base se situava num aquatalamentos longe de Bissau, para aí se deslocavam normalmente: 5 helis + 1 heli-canhão, transportando uma equipa de manutenção e uma Enfermeira.
Dali partiam, então, fazendo as viagens necessárias para, transportando 5 ou 6 militares por heli, os colocar, protegidos pelo canhão, na ZOPS.
Se a operação se resumia a um dia, permaneciam os helis nessa base em alerta, para: evacuações, eventuais transportes das Tropas para outras posições na mesma ZOPS e finalmente para a sua recuperação no final da Operação.
Nos casos em que a Operação fosse por mais de um dia, ficaria em todos os dias em que esse decorresse e na base da mesma, no minimo um heli de alerta (com Piloto, Mecânico e Enfermeira) para eventuais evacuações e o heli-canhão para protecção destas e para intervenções de tiro, se solicitadas.
(3) Nesta Operação em particular, é seguro que estive presente, desde logo porque recordo perfeitamente o objectivo apontado para a mesma (nos helis e durante os voos, mesmo que não quisessemos, ouvíamos muita informação dita classificada): captura do NINO.
(4) No dia 18 (Precisei a data na citada consulta na Net), portanto no 3º dia da Operaçãp, voei (seguramemte de Aldeia Formosa) para essa ZOPS onde aterrei, no helicóptero que fez a evacuação do Capitão Peralta, não continuando no voo para o HM de Bissau,
PORQUÊ?
(4) Os Alouette III têm capacidade para transportar 6 passageiros, para além do piloto (este e mais dois à frente) e até 4 no banco traseiro.
Em evacuações com feridos em maca, essa capacidade ficava reduzida, pois para além dos 3 lugares à frente, normalmente ocupados pela tripulação (Piloto, Mecânico e Enfermeira, na maioria dos casos), apenas é possivel alojar 1 ou 2 macas na rectaguarda, que, por transportadas transversalemente, impedem (ou dificultam, algumas vezes me tocou vir meio sentado meio em pé, nas abas da maca) utilizar os lugares traseiros.
No caso desta evacuação (Cap Peralta), tendo sido determinado, no terreno, que o capturado devia ser acompanhado no voo por escolta armada, foi necessário ocupar, por quem a fez, um dos lugares destinados à tripulação.
Para resolver o problema e - repito - se a memória não me atraiçoa, registou-se um caso que me lembre único:
O helicanhão, que fazia a protecção à evacuação, ATERROU NA ZOPS, nele embarcado o mecânico (eu prÓprio) e voado (junto ao apontador) para Aldeia Formosa, donde posteriormente regressei a Bissau (outra nebulosa é que não me recordo como - noutro heli ? de DO ? ), pois no canhão não foi concerteza.
Como remate a estes factos, este voo no canhão foi para mim perturbante, pois que uns meses antes (Julho/meu 3º mès de Guiné) estive também para voar (nesse caso por experiência passiva que, para sorte minha, não concretizei) no retorno duma outra Operação em Galomaro, voo esse com um fim trágico, traduzido no despenhmento do heli (a que assisti) ocorrido em Bafatá, com a morte do meu comandante: Maj Rodrigues (Piloto) e dum camarada de todos os dias, o Machadinho - como lhe chamávamos - , Mecânico Armamento/Apontador.
Um dia destes tentarei fazer o relato que me for possivel desta outra dramática ocorrência.
Voltando ao Post e à tua solicitação ao Jorge Félix (tantos Jorges), quase seguramente ele ainda estava nessa data na Guiné.
Como atrás referi, não me lembro se terá sido inclusivE participante nos factos, em qualquer caso terá certamente presente memórias relacionadas e, quem sabe, como tem a sorte (que a FAP me coartou) de ter os seus registos de voo, pode buscar nos mesmos confirmações
Amanhã envio-lhe uma mensagem a chamar a atenção para o Post.
E como este já vai longo, por aqui me fico.
Recebe um abraço
Jorge Narciso
VB.Pois bem Jorge,como estas, terás muitas mais para nos contar.Na realidade a malta da linha dos Hélis tinha uma actividade que não era invejável,mas MISSÂO CUMPRIDA!