segunda-feira, 1 de março de 2010

VOO 1519 "ZÉ ESPECIAL E POETA" (comissão na B.A.12 de final de 1967 a final de 1969) 2ª parte


Victor Sotero Cavaleiro
Esp.EABT
Damaia


Meu Comandante:
As minhas mais cordiais saudações Aeronáuticas a todos os "ZÉS ESPECIAIS" que se encontram colocados nesta Base.

...este pequeno interregno destinou-se a "aliviar" um pouco o nosso S.P.M.. Havia muito correio para distribuir pelos A.M.s.
Eu próprio me sinto tambem "aliviado" por sentir que a rapaziada fica feliz por receber noticias dos seus pais, das suas mulheres e filhos, das namoradas, das "madrinhas de guerra", também. Contribuí para que o STRESS seja "esquecido".
Agora, de regresso à Base e estacionado na linha da frente, se o meu Comandante me dá licença, vou também "aliviar" a minha sede ao Grupo Operacional.
Cá estou, meu Comandante, para continuar as boleias com o meu amigo "ZÉ ESPECIAL" Dantas.
O Dantas, éra marcado por um amor que nunca teve. Éra uma rapariga de Ponte de Lima que eu conheci e da qual guardo ainda algumas fotos.
Para quem o conheceu, éra um moço talvêz um pouco "vagabundo". Admitia toda a espécie de brincadeiras fosse comigo ou com qualquer outro camarada. A única resposta que lhe conheci foi sempre: "Fiiiilllhhhaaasss das Puuuu.....
Já com algumas cartas recebidas, começamos então a responder, e por vêzes, até em algumas aulas. O tempo éra sempre aproveitado.
Algumas cartas vinham perfumadas e outras, algumas, até com dinheiro. De vêz em quando, lá se abria uma carta com uma "notita" de 20$00 dentro.
Os envelopes, naquele tempo éram forrados a papel de seda.
Mal acabavam as aulas e lá íamos nós à formação levantar a dispensa de recolher.
Durante a semana íamos quase sempre para Alenquer ou Vila Franca de Xira. Alguém tinha respondido ao nosso "desejo" e lá íamos nós, estrada fora.
As boleias a duas pessoas éra mais complicada. No regresso para a Base tornavam-se mais fáceis porque para além de andarmos fardados, quem dava boleia, mais ou menos, sabia para onde íamos.
De Alenquer para a Base, não havia qualquer problema. O Capitão Garção, com a sua esposa, saía todos os dias de Alenquer para a Ota no seu Austin 1100 branco. Ainda por cima dava-nos aulas sobre legislação. Já nos conhecia.
Quem tambem nos começou a ver à boleia, foi o Major Noronha.
...e não é que um dia parou o seu (da Força Aérea, claro) Oxford preto e nos mandou entrar para dentro do carro? O Dantas, foi para a frente. A pequena cadela, branca e preta, que sempre o acompanhava, saltou para o colo do Dantas, enquanto o Maj. Noronha perguntou o que andávamos por ali a fazer àquela hora.
Não me lembro ou não ouvi o que o Dantas disse mas lá fomos. Eu, sempre caladinho cá atrás e o Dantas fazendo festas por cima da cabeça da cadela.
Fiquei sempre à espera que nos pedisse o "algarismo", mas não. Naquele dia, o Maj. Noronha levou-nos até á entrada da camarata.
-se tiverem algum problema, venham ter comigo disse o maj. Noronha.
Pareceu-me que naquele dia ele levava outra "cadela" e que as relações com o Maj. Tomás não seriam as melhores.
Entre outras boleias, num fim de semana, fomos para Alcobaça, "solicitados por duas irmãs" que nos tinham respondido ao anúncio da Crónica Feminina
Sem esperarem por nós, lá fomos bater à porta onde nos apareceu um cavalheiro que ficámos a saber ser o pai. Perguntámos se era ali que morava a Ana Maria e a ........
Claro que era e mandou-nos esperar.
Passado algum tempo, lá apareceram duas raparigas todas "vaporosas" e bem bonitas.
Era o principio de uma tarde de sábado e lá fomos para uma pastelaria onde eu e o Dantas bebemos um café e comemos um bolo de arroz. (era o que enchia mais). Não me lembro o que elas comeram mas sei que cada um pagou a sua despesa. (um café custava 1$50).
Depois de "almoçados" lá fomos para o Mosteiro de Alcobaça onde acabamos por passar o resto da tarde.
Já de noite, levámos a Ana Maria e a ........ a casa e lá nos despedimos até ao próximo encontro.
Sabíamos que as "manas" tinham ficado contentes por nos terem conhecido.
Regressamos á boleia que em principio seria para a Ota.
Apareceu alguém que nos levou até S. Jorge. Já com as horas um pouco avançadas e por aqueles sítios quem é que nos dava boleia?
A fome parecia que não nos queria largar. Por detrás da bomba de gasolina, havia uma horta e fomos ver o que poderia haver por lá. Algumas árvores de fruta, mas nada que se pudesse comer. Avançamos um pouco mais e descobrimos uma nespereira. Na escuridão da noite, não dava para escolher e verdes ou maduras, entravam e sabiam bem. Muita nêspera comemos nessa noite!
Regressamos à bomba de gasolina de S. Jorge e ainda tentamos a boleia, mas nada. Que fazer?
Como o movimento era pouco, fomos dormir para dentro das casas de banho da estação de serviço.
O Dantas ainda tentou "arredondar" um poema que o perseguia mas o sono era muito. Toalha pela cabeça, um sentado numa sanita e outro no bidé, por lá ficamos muito instáveis até de manhã.
Já de manhã, para onde ir? Para a Ota ou para Lisboa?
Não. Como o dia anterior nos tinha "corrido bem", voltámos para Alcobaça não sem antes voltarmos à mesma pastelaria onde para alem do café, comemos umas sandes. Ficámos bem.
Passado algum tempo batemos à porta das nossas amigas e voltou a aparecer o pai muito surpreendido por nos voltar a ver.
Contamos o que se tinha passado e desta vez mandou-nos entrar. Mandou-nos sentar, enquanto ia avisar as filhas de que nós tínhamos voltado.
No meio da nossa conversa, passado algum tempo, estávamos todos dentro de um Opel KAPITAN e a irmos dar um passeio pelas redondezas. Fomos até à Nazaré onde nos "deliciou" com a oferta do almoço.
Já de noite, despedimo-nos.
Uma família impecável e muito respeitosa.
Neste Domingo, se bem me recordo, de Alcobaça para a Ota para lá chegarmos, apanhámos creio que cinco boleias.
....mas lá que chegámos, lá isso chegámos.

Nota.:- O Dantas fazia-se sempre acompanhar por umas capas em couro, formato A4 com folhas em branco ou "rabiscadas" e um pequeno livro de significados de português.
O Dantas era muito descontraído.
O Dantas é o meu padrinho do Crisma.
O nosso curso aproximava-se do fim.

Meu Comandante.
Renovo as minhas mais cordiais saudações aeronáuticas prometendo que voltarei.

Sotero

VB. Companheiros,entendo que qualquer tipo de comentários que possa fazer a este excelente trabalho do Sotero,despropositado.