quarta-feira, 17 de março de 2010

VOO 1551 EM JEITO DE HOMENAGEM


Victor Sotero Cavaleiro
Esp.EABT
Damaia

Meu Comandante:
Cá estou para saudar o Comando bem como toda a linha da frente desta Unidade.

Na passagem pela secretaria da Unidade, foi-me atribuido o numero de ordem 176/66. Ao Pinto, meu companheiro de curso e de viagem, foi atribuido o 177/66. Ficava para trás o 1020/66.

...a minha apresentação na Esquadrilha de Abastecimento, foi como não podia deixar de ser, em forma de "praxe". Os nossos "ZÉS", com as divisas dos sargentos, arranjaram dois carrinhos com quatro rodas e uma bateria em cima de cada um. Eu e o Pinto, com uma guia de fornecimento, lá andamos pelos diversos serviços a tentar entregar as baterias mas ninguem as queria, claro.
Como ninguem quis as baterias, regressamos ao Abastecimento e por lá ficamos com a "malta" da Esquadrilha muito contente porque tínhamos colaborado com a brincadeira. Sabíamos que tínhamos andado a dar "gozo" mas aguentámos até ao fim e "visto" esta "praxe" à distância a que estamos, serviu perfeitamente para nos dar a conhecer os "cantos" do A.B.3.

Instalado na "célebre camarata 6", havia que "mobilar" o melhor possivel o meu "quarto", tendo-me "socorrido" do próprio Abastecimento.
Serviu para candeeiro uma granada rocket desactivada. Ficava muito bem em cima da mesa de cabeceira de chapa, pintada a verde.
Para dentro do armário, instalei uma lâmpada que se destinava a evitar a humidade da roupa.

Tinha levado de Lisboa um cristal "galena" e um auscultador que tinha "roubado" de uma cabine telefónica. Com algum material que arranjei no Abastecimento, começo a montar um "rádio" junto da minha cama. O arame que servia para pendurar a roupa, no exterior, servia tambem de antena. Fiz passar o fio junto do tecto para que não desse nas vistas. Assim fiz tambem com a antena terra que fui buscar a uma torneira da casa de banho.
Montada a bobine, o condensador variável, as duas antenas, o auscultador e o cristal, eis-me a ouvir a rádio. Ouvia-se até muito bem. Foi uma novidade para a camarata! Com tão pouco material e tão rudimentar, eu tinha música sem prejudicar ninguem.
Para o meu companheiro do lado era uma admiração! Tive que arranjar outro auscultador para o Maciel, um rapaz Açoreano da Ilha Terceira. Era mecânico de material aéreo.
Este moço, tinha uma espécie de lenga-lenga que a principio eu não percebia mas que a pouco e pouco decorei. Sempre que o Maciel acabava de ler um
livro, normalmente de banda desenhada, ajeitava-se na cama, colocava as mãos em prece e dizia:
" A vida decorria plácidamente para os irmãos Teddy e Pegy Cart no seu pequeno rancho de Nevada. Sómente eram incomodados pelos seus vizinhos, os aguerridos Pés Negros. Ouviram o primeiro folhetim do romance, O Forasteiro que trazia a morte. Taaammm....Taaammm....Taaammm."
O Maciel, puxava então pelo lençol e pelo cobertor para cima da cabeça e por lá ficava até de manhã.
Tinha vaidade no que fazia. Mal nascia o Sol, era dos primeiros a chegar à linha da frente para fazer ponto fixo ao "seu" T6. Só depois é que ia à messe tomar o pequeno almoço.
Um dia de 1969, o Maciel regressa ao "puto", acabada a sua comissão.
O espólio que ficou dentro do armário, era constituido por livros de banda desenhada e ficou para mim. Juntei-os aos meus. Só dei ou troquei os que tinha repetidos.
Numa noite, começo a ler um livro da colecção Falcão. O seu começo era assim: "A vida decorria plácidamente para os irmãos...."
Fiquei "parvo". Não podia ser! Então a oração do Maciel era o inicio de uma história banal de um livro de banda desenhada?
Tinha tambem uma frase que muitas vezes lhe ouvi mas que nunca consegui saber qual o significado. "branca solha dos cae tembes da mama rosa dos outros".

Em 1987, de visita aos Açores, Ilha Terceira, de passagem pelo Clube de Sargentos, pergunto pelo amigo Maciel. -Está ali sentado naquela mesa, -dizem-me. Pelas costas, em surdina, começo: "A vida decorria plácidamente...." O Maciel, como que impulsionado, em voz alta, diz: É Negage!
Abraçámo-nos e recordámos um pouco da nossa juventude passada naquela unidade.
Vimo-nos mais tarde em 1992.
Hoje, é com muita emoção que recordo o Albano Manuel Ferreira Maciel, porque já foi chamado por Deus à Sua Divina Presença em 02 de Setembro de 2008.
Descansa em paz, Maciel.
Nota.:- JARDINAGEM: Frente da "camarata 6".
Na foto, da esquerda para a direita: Pereira (Janica) ABST, Medeiros ABST, Sotero ABST e Maciel MMA.
Foto: Víctor Sotero Cavaleiro (direitos reservados).

Meu Comandante:
Com as minhas saudações Aeronauticas ao Comando e a toda a linha da frente.
Até breve
Sotero