terça-feira, 18 de maio de 2010

VOO 1716 TÉCNICAS AERONAUTICAS. VI

A era dos jactos comerciais de passageiros começou na década de 1950, quando uma grande encomenda da Pan Am para 20 Boeing 707 e 25 Douglas DC-8 forçou as empresas concorrentes a substituir rapidamente seus prematuramente velhos Douglas DC-7 e Lockheed Super Constellation por aeronaves a jacto.
A transição da aviação comercial a pistão para a aviação a jacto não foi gradual, os jactos substituíram rapidamente os velhos e lentos aviões a hélice. Mas a era do jacto trouxe novos problemas para a sociedade. O principal desses problemas foi o enorme ruído produzido pelos motores a jacto.

Os primeiros motores turbojactos tinham dois problemas principais: consumo altíssimo de combustível e um elevado nível de ruído, resultante da aceleração de uma relativamente pequena massa de ar a grandes velocidades. O consumo alto era até tolerado em vista dos baixos preços do petróleo antes do boicote dos árabes em 1973, o chamado "Choque do Petróleo". O alto ruído foi sendo gradualmente menos tolerado, especialmente pelas populações vizinhas aos grandes aeroportos.

No início da década de 1970, o ruído dos aviões equipados com motores turbojactos forçou quase que a sua imediata substituição por motores mais silenciosos. Até mesmo o revolucionário Concorde teve sua introdução nos Estados Unidos atrasada por motivos ambientais.

Já na década de 1960, os fabricantes de motores aeronáuticos conceberam motores do tipo turbofan, nos quais uma parte do ar admitida pelo motor não entra na área quente (combustores, turbinas e duto de escapamento), mas é derivada ao redor da mesma, em menor velocidade. A razão de derivação inicialmente era muito pequena, mas foi aumentando gradualmente até o desenvolvimento do motor militar GE TF-39, o primeiro motor de alta razão de derivação (bypass), desenhado para equipar o enorme Lockheed Galaxy C-5. A partir do TF-39, a GE desenvolveu o CF-6 civil, que até hoje é utilizado em aeronaves como o Boeing 747, Boeing 767, Airbus A300, A310 e A330.

Devido à rápida introdução das aeronaves a jacto na aviação comercial, um grande número de aeronaves, como os Boeing 707, 720, 727 e 737-200 e Douglas DC-8 e DC-9, foi colocado em serviço. Essas aeronaves eram muito eficientes, permanecendo em produção durante muito tempo, e muitas permanecem em serviço ainda hoje.

As restrições relativas ao ruído produzido chegaram ao nível da ICAO - International Civil Aviation Organization, e criaram um sério problema para as antigas aeronaves produzidas nas décadas de 1960 e 1970, equipadas com os barulhentos motores turbofan de baixa razão de derivação. Essas aeronaves tinham um longo tempo de serviço potencial pela frente e eram muito úteis, justificando propostas que reduzissem seu ruído, sendo as principais a remotorização, por motores mais modernos e silenciosos, ou a instalação de redutores de ruído nos motores antigos.

A remotorização mostrou ser uma solução muito cara, especialmente em aeronaves quadrimotoras, mas foi utilizada em alguns casos, como as aeronaves Douglas DC-8 série 60 alongados, nas quais os motores originais Pratt & Whitney JT-8D foram substituídos por CFM-56 de alta razão de derivação.

A melhor solução para manter os velhos 707, DC-8, 727, 737-200 e DC-9 em serviço foi mesmo a instalação de equipamentos redutores de ruído, os chamados hushkits*. Um hushkit nada mais é que um silenciador, que transforma o ruído de baixa frequência do escapamento dos jactos em um ruído de alta frequência, que se dissipa em um espaço físico muito menor.

Para se conseguir esse efeito, em uma das soluções o escape foi modificado com a forma de vários tubos pequenos, que fazem o som aumentar a frequência. A energia total do ruído não pode ser reduzida sem afectar o desempenho do motor, mas o ruído de alta frequência (mais agudo), tem um alcance muito menor, dissipando mais rapidamente que os ruídos graves. Modificações adicionais incluem alterações nas IGV (inlet guide vanes) e OGV (outlet guide vanes), que orientam respectivamente a entrada e a saída de ar nos fans e compressores. Nos motores mais modernos, houve a supressão completa das barulhetas IGV.

Quase todos os hushkits incluem algum dispositivo que divide um grande fluxo de ar em alta velocidade, que produz um ruído de baixa frequência de longo alcance, em vários fluxos menores, que produzem som com a mesma energia, mas em frequências mais altas e que se dissipam mais rapidamente.

Os hushkits também se mostraram especialmente úteis para pequenos jactos executivos, nos quais o pequeno tamanho da aeronave impossibilitava a instalação de motores turbofans de alta razão de derivação.

A evolução dos hushkits acompanhou a evolução da legislação, especialmente a da FAA - Federal Aviation Administration, que estabeleceu fases nas quais a redução de ruído seria gradualmente implantada. Essas fases ficaram conhecidas como Stagge I, II, III e IV, esse último actualmente em fase de implantação nos Estados Unidos. Admite-se que, ao final do Stagge IV, as aeronaves equipadas com turbofans de baixa razão de derivação já chegarão ao final de sua vida útil e podem ser substituídas por aeronaves equipadas com motores mais avançados e silenciosos, os turbofans de grande razão de derivação, que prescindem dos hushkits mas que absorveram a sua tecnologia.

Em 1999, o uso de hushkits em aeronaves americanas criou uma crise com a União Européia, que tentou proibir o uso de aeronaves com motores modificados na Europa. Os Estados Unidos responderam com uma proibição aos voos do Concorde aos Estados Unidos, o que significaria a inviabilidade de se manter o supersónico em operação. A União Européia acabou cedendo, mas o Concorde acabaria virtualmente condenado depois do acidente ocorrido em 2000, em Gonesse, na França.

* Tubo silencioso para reduzir o barulho do motor.