sábado, 5 de junho de 2010

VOO 1761 CANTANHÊS (2)





António Dâmaso

Sargº.Mor Paraqª (Refº)
Odemira




CANTANHÊS (2)

CABOXANQUE

A CCP 121, na Operação Tigre Poderoso 4.º período que foi de 19FEV a 24MAR73, foi colocada em Caboxanque onde estava a CCAÇ 4541 que estava empenhada na construção de um tabancal feito com telhado de chapa de zinco, tudo na aplicação da “psico-social” para cativar as populações.
Já lá tinha estado por dois ou três dias em 12 de Dezembro, onde tinha aberto valas e construíndo abrigos em Sargento Xanque, integrado no 2.º bigrupo da Companhia, desta vez o meu Pelotão ficou instalado junto da encosta que dava para o rio Bixanque, donde se avistava a outra margem para os lados de Cadique Iala.
A actuação da Companhia era ao nível de bigrupo, praticamente estava quase sempre um bigrupo em patrulhamento, com direito a dormir na mata onde tínhamos por companhia os macacos, estes ao anoitecer quando estavam a procurar cama para dormir, faziam um grande alarido, de quando em vez, actuávamos em operações ao nível de Companhia, actuamos nas zonas de Cafal, Jemberem, Cadique e Bedanda.
Em Caboxanque havia um terreiro que servia de Heliporto e de campo de futebol, sendo a prática de futebol uma ajuda para passar o tempo quando estávamos no aquartelamento, também aqui saltou a Equipa de Queda livre do BCP 12.


Legenda:Equipa de Queda livre do BCP12, após um salto em Caboxanque
Foto:António Dâmaso(direitos reservados)

Legenda:Foto (H BCP12)
Foto:António Damaso(direitios reservados)

Fez-se um campeonato entre os pelotões da CCP 121 e da CCAÇ 4541 depois foi a final entreos finalistas duas companhias, não me lembro quem ganhou.Eu como não sou craque, chuto para onde estou virado, não participei como jogador mas ainda apitei um jogo entre velhinhos e piras.

Legenda:Foto (H BCP 12)Nesta foto fui “apanhado” em patrulhamento na passagem pela Tabanca de Flaque Injã
Foto:
António Dâmaso(direitos reservados)

Os géneros eram transportados por via aérea nos Dakota e Noratlas até Cufar onde nós com os Zebros os íamos buscar.
Um dia calhou-me ir com uma secção a Cufar buscar víveres, dentro dos botes, armados e equipados, íamos atentos a ambas as margens, ainda me passou pela cabeça que em caso de tiroteio, que um bote fosse furado, as nossas esperanças de sobrevivência eram muito fracas, vestidos, calçados e com o peso do equipamento, dificilmente nos manteríamos à tona e com a agravante dos jacarés nos puxarem para o fundo, missão era missão, com mais ou menos riscos, era para se cumprir com a esperança de que não acontecesse o pior.
Antes disso já o meu Bigrupo tinha feito um patrulhamento de ir Rio acima nos citados botes, depois regressando a pé pela mata com pernoita, na ida tinha mesmo visto muitos “alfaiates” nome dado aos jacarés.
Chegados a Cufar, tinham ido de avião uns frangos vivos(1), descarregaram-nos enjaulados e ficaram ao sol e sem água, quando os vi a maioria já não estavam vivos, apareceu por lá o Comandante do Batalhão, ainda o ouvi prometer uma “porrada” ao Sargento que os tinha levado, não sei se concretizou a promessa ou não.
Para não comermos sempre o celebre arroz (bianda) com tainha frita, havia um Sargento que levava dois botes e um cunhete de granadas de mão, ia rio acima e trazia-nos bom peixe de 1.ª, com aquele peixe até o arroz sabia melhor e ao pequeno-almoço, duas ou três postinhas daquele peixe com pão e uma cervejinha, ficávamos regalados.
Outro Sargento arranjou uma rede de pesca e ia para a Bolanha onde tinham descascado o arroz, e apanhava pardais às centenas, havia sempre petisco, uma vez conseguiu dar uma refeição à Companhia toda.
À noite havia uns graduados que gostavam de ficar na conversa, debaixo de uma palhota improvisada com petromax aceso, local onde já tinham acertado com um foguetão de 122 mm quando lá estava a outra Companhia, eu como não gosto de facilitar, arranjei uma lata de cerveja que enchi de gasóleo e com uma torcida tinha uma lamparina que apesar da fumarada, dava-me para ler dentro do buraco até adormecer, claro que depois tinha de soprar para a apagar.
O acto da sopradela para apagar a luz, ficou-me arreigado tal modo como aquele reflexo de rapidez de se atirar ao solo sempre que ouvia algum estrondo, pois da rapidez com que se atiravam ao solo, podemos contar com muitos sobreviventes daquela guerra.
Finda a guerra além de outras as sequelas da mesma, lembro que quando estava deitado, por vezes a minha mulher me dizer para apagar a luz, deva uma sopradela antes de carregar no interruptor, aquilo serviu de chacota durante algum tempo até eu perder o “maneirismo”.
O Comandante da CCAÇ 4541, era um Cap. Já com alguns anos e por ser mais antigo, era o Comandante do Destacamento que englobava as duas Companhias, neste posto, achou-se no direito de ter um sargento às ordens e de ter uma praça ordenança que lhe engraxava as botas entre outras coisas.
Aquilo deu confusão entre as praças Pára-quedistas ao ponto de não querem ir para lá fazer serviço, não estavam habitadas aquelas nuances, nos Páras, desde o Comandante ao soldado raso, cada um tratava de si.
Lá tivemos de os convencer que no Exército, utilizavam aquela tradição que já vinha de longe, claro que contrariados, lá se iam sujeitado aquilo.
Outra mania do Sr. Cap. em questão, era exigir que os Páras sempre que saíam para ou chegavam do mato, se fossem em formatura apresentar, para os que estavam aboletados em Caboxanque, como ficava em caminho não havia problema, já para o bigrupo que estava em Sargento Xanque, que distava a mais de 500 metros aquilo era pior que mau, como o Comandante da Companhia se sujeitava, contrariados mas disciplinados aguentaram, mas não foi só o pessoal da minha Companhia que se insurgiu com a prática militarista do Cap.
Os que estiveram na Guiné, devem lembrar-se que na mata nas noites sem luar, a visibilidade era quase nula, no entanto nas noites de luar via-se muito bem, numa noite de luar saímos fomos emboscar entre Sargento Xanque e Flaque Injã onde ficámos debaixo de uns cajoeiros, aquele luar inspirou-me de tal modo que tirei uma folha de papel do bolso e passei o tempo a escrever uns versos.
De Cufar a Caboxanque em linha recta era pertinho, mas por via fluvial devido às grandes curvas do rio, ainda demorava algum tempo, um dia uns militares da CCAÇ 4541, foram flagelados com algumas rajadas vindas de uma das margens sem consequências, mas originou que o meu pelotão tivesse de atravessar o Rio e fazer uma batida no Tarrafo, atascados em lodo até ao joelho, foi mesmo muito custoso.

(1) O BCP 12 tinha um aviário onde criava os frangos para consumo.

Legenda:Foto (H BCP 12) Ilustra as dificuldades, alguns têm de se apoiar com as mãos desatolar uma bota
Foto:António Dâmaso(direitos reservados)

A nossa missão em Caboxanque terminou em 24MAR73, tivemos a sorte de não ter havido contacto com o IN nem de sofrer nenhum ataque ou flagelação.

Saudações Aeronáuticas

A Dâmaso

VB: Caro Dâmaso,estávamos a ficar preocupados com a tua ausência,pois já algum tempo que não entravas nesta base,mas afinal acabamos de verificar que estiveste em mais uma das tuas "gloriosas"operações em Caboxanque,e pelo que nos descreves,mais uma vez com sucesso.