quarta-feira, 23 de junho de 2010

VOO 1799 MAIS UMA ATERRAGEM.







António Dâmaso

SargºMor Paraqª

Odemira


Caro Camarada Victor, peço autorização para mais uma aterragem, vou-me fazer à pista.
Os meus cumprimentos para o Comando e para todos que têm paciência para me aturar.
Hoje vou responder ao apelo da Maria do Carmo, irmã dum camarada Pára que morreu em Combate na Guiné.
Aproveito para mandar mais um relato do que passei no Cantanhez, zona de alto risco.
Não vou ao almoço da Tabanca Grande porque ainda ando em mudanças.
Por favor gere o movimento da Base.



CAN
TANHEZ (3)


RETIRADA ESTRATÉGICA


No decorrer da Operação executada pela CCP121 em 10JAN73,perto de Cacine na zona do Cantanhez, a companhia foi colocada de Heli e depois de muito andar, paramos num determinado local em posição defensiva, era já à tardinha depois das 16H00.
Estávamos em silêncio e atentos havia algum tempo, quando de repente, comecei a ouvir ruído de passos na folhagem a aproximarem-se, vinham na minha direcção e eram mais de dez, vinham bem fardados com plainas com fivelas que brilhavam com os últimos raios solares que passavam através dos troncos das árvores, estava quase iminente o por do sol, fiz sinal aos militares que estavam junto de mim para terem calma para os deixarem aproximar mais, como vinham muito bem fardados, queria ter a certeza de que não era tropa nossa, mas o reluzir das fivelas dos plainas tiram-me todas as dúvidas, quando estavam à distância de entre dez e quinze metros, alguém com o dedo mais leve abriu fogo, sendo imitado pelos restantes, durante uns segundos foi um fogo cerrado sobre eles, depois silêncio, mas embora muitos tivessem ficado feridos devido aos rastos de sangue verificados, não ficou lá nenhum no local, também não dispusemos de tempo necessário para o indagar.
Quase de imediato ficamos debaixo de uma chuva de morteiradas, roquetadas e grande fuzilaria de armas automáticas, balas tracejantes passavam a zunir por cima das nossas cabeças, o tiroteio vinha da nossa direita de um ponto mais alto.
Em virtude do sol já se ter posto, o comandante ordenou uma retirada do local, estivemos a pouco mais de trezentos metros do local onde eles estavam, desaparecemos a correr por uma picada abaixo, desta vez com a mudança de rumo ficamos com a flagelação à esquerda, sempre debaixo de fogo eu que estava nos primeiros lugares, com a inversão do sentido da marcha, fiquei no antepenúltimo lugar da coluna, aquilo foi correr a bom correr, confesso que mantive a ligação a custo, até que, já de noite, entramos na mata e preparamo-nos para pernoitar.
Àquela hora, a meu ver, o comandante de Companhia tomou a decisão mais acertada, outra seria por em perigo a vida de muitos homens, se fosse mais cedo tinham-mos travado ali um combate.
Durante a noite, apercebemo-nos que nos estavam a montar uma emboscada mais à frente na direcção em tínhamos seguido, todo o pessoal foi avisado para não fazer barulho, ao amanhecer ainda mal se via, saímos rapidamente sem barulho em sentido contrário.Quando se aperceberam do sucedido, já de dia, mandaram umas morteiradas para o local onde julgaram que nos entravamos, mas caíram a mais de uma centena de metros.
Continuamos a progressão e fomos ter a um aquartelamento do Exercito, onde nos brindaram com uma sopa quentinha e uma cerveja fresquinha, foi um regalo depois de dois dias de fome e sede.
Posteriormente fomos recuperados por helis para Cadique, viemos a saber mais tarde que os guerrilheiros que emboscamos, eram fuzileiros e iam juntar -se ao bigrupo que nos flagelou, mas na minha modesta opinião, acho que sabiam que estávamos na zona e mandaram um grupo avançado à nossa procura.


Resposta à solicitação de Maria do Carmo

Voo 1793 Quem pode ajudar a Maria do Carmo?

Conheci o irmão, FURRIEL/Mil/PARA, Aníbal dos Santos Martins mas não tive muita lidação com ele em virtude de eu ter chegado em Novembro de 72 e pertencer à CCP 121.
Tal como ele estive no Cantanhez naquele dia mas em locais diferentes, onde me mantive no primeiro período até 19 de Janeiro de 1973, sei que a missão mais difícil e arriscada naquela operação, coube à CCP 122.
Pela descrição fiquei com a impressão que o Furriel foi ferido no dia 12 de Dezembro, vindo a falecer no dia 16 e acerca disso encontrei duas versões, sendo uma que terá sido numa emboscada e a outra num ataque a uma Base de cerca de cem Guerrilheiros do PAIGC.
Estou mais inclinado que tenha sido na segunda, vou transcrever a primeira.


Legenda: O Fur.Mil.Paraqª.Anibal Martins em primeiro plano.
Foto.Maria do Carmo (direitos reservados)

Pag. 214 do Livro H BCP 12

…/…A constante movimentação dos homens da CCP 122 na zona de acção atribuída ao COP 4 provocou vários contactos com o inimigo; no dia 12 de Dezembro de 1972, durante a acção «Búfalo Zangado», as nossas tropas caíram numa emboscada, tendo sofrido 4 feridos, um dos quais o capitão Valente dos Santos, comandante da CCP 122; …/…”

A segunda versão, não a tenho comigo neste momento mas já a li em vários lados sendo em último na biografia do General Spínola, que saiu juntamente com um jornal e todas dizem mais ou menos o seguinte:
No dia 12 de Dezembro, na Operação «Grande Empresa» que a CCP 122 com um bigrupo de 50 homens foi atacar uma Base com cerca de100 Guerrilheiros do PAIGC no Cantanhez, estando os últimos fortemente armados e abrigados.
Houve bombardeamento prévio a que se seguiu o primeiro assalto por parte dos paras, sem êxito tendo sofrido cinco feridos entre eles o Cap. Valente dos Santos, os assaltantes tinham dois helis com canhão a apoiá-los.
Também dizem que os feridos foram evacuados e que o Cap. Valente dos Santos se recusou a ser evacuado apesar de ter perdido muito sangue.
Houve um segundo assalto mas sem êxito, tendo recorrido a mais bombardeamento aéreo tendo a força atacante sido reforçada com mais 25 homens que tinham sido heli-transportados de Cufar onde se encontravam em reserva.
Houve um terceiro assalto já comandado pelo capitão Terras Marques com êxito.
Aqui apetece-me fazer um reparo:
Vai-se atacar uma Base do In com 100 elementos apenas com 50?
Depois do primeiro assalto fracassado, os 5 feridos precisam ser tratados e evacuados, ficando a força atacante ainda mais reduzida e mesmo assim força-se um segundo assalto?
Isto foi só um pensamento, pois não sou estratega, quanto a dúvidas só podem ser esclarecidas através do Relatório da Operação.
Também não consegui saber se o corpo veio para cá ou se foi sepultado no Talhão do Cemitério de Bissau.
Aconselho a Maria do Carmo a preservar a memória de seu irmão tal como ele era, é o que eu tento fazer em relação a ele e aos outros camaradas que com ele partiram numa guerra estúpida como tantas outras.
Naquela Guerra assisti a mortos em emboscadas, em ataques, em itinerários, dentro de valas e abrigos nos Aquartelamentos, pura e simplesmente morria-se em qualquer lado, era uma espécie de lotaria, eu só não fiquei lá porque não tinha chegado a minha hora de partir.
Peço-lhe que não deixe que o nome do seu irmão caia no esquecimento, se o presidente da Câmara do seu Concelho ainda não erigiu um monumento em honra dos militares que morreram no Ultramar, deve ser pressionado para o fazer à semelhança de muitas dezenas que já o fizeram.
Daqui presto a minha homenagem ao meu camarada Aníbal dos Santos Martins, PAZ À SUA ALMA e cumprimento a Menina ou Senhora sua irmã.
Quando encontrar um camarada da CCP 122, que lá tenha estado naquele dia, procurarei tentar saber mais sobre o assunto.
Saudações Aeronáuticas

A. Dâmaso

VB:Olá Dâmaso,espero que já tenhas mudado de unidade e que disponhas de mais tempo para poderes retomar os teus voos.
Mais umas emotivas histórias nos trazes das tuas passagens por terras da nossa saudosa Guiné,recordando o que foi a guerra para ti.
Obrigado pelo que nos falas do Martins,já enviei este teu depoimento à Maria do Carmo,irmã dele,e espero que já tenhamos contribuído em alguma coisa para satisfazer o seu pedido.