sexta-feira, 9 de julho de 2010

Voo1822 A PARTIDA E O REGRESSO(1) - CARLOS NÓBREGA.





Carlos Nóbrega

Esp.MARME
Estarreja



Caro Amigo Victor:
Respondendo ao teu pedido, vou tentar recordar a minha partida para a Guiné.
1970 - Embarque em Lisboa por via aérea em 23 de Janeiro com destino ao Ultramar. Desembarcou em 24 de Janeiro em Bissau ( B.A.12 ).
1972 - Embarcou para a Metrópole em 15 de Janeiro e colocado na B. A. 5.
Era mais ou menos assim que constava na caderneta militar, no entanto o que lá não ficou registado, foram as várias tentativas da partida, a paragem nas Ilhas Canárias e na Ilha do Sal e não por passeio turístico, mas por necessidades obrigatórias que só a sobrevoar território da Guiné contactámos ao ver óleo a sair de um dos motores e a paragem de mais outro, de um avião que não mais fez serviço.
Chegada há Guiné e esperava-me um grande amigo com um jipe que estava a cumprir serviço no Batalhão de Paraquedistas bem ao lado da nossa "casa".Aí fui VIP e não carreguei aquele enorme saco azul, mais uma mala com os meus pertences."Largadas" as coisas na caserna em que quase todos passaram enquanto não arranjámos quarto, lá fui para o hangar da manutenção, aonde na oficina de armamento me aguardavam um oficial, um sargento e outros mais
elementos.Apresentei-me a um tenente que me deu a primeira terapia de choque:
-Então nosso cabo diga lá o que percebe de armas. Mostre-me as suas mãos, que merda de farda é essa para trabalhar, vem para aqui passar férias,é?
Num tabuleiro estava uma browning de um Fiat, com gasóleo e óleo e há que começar a "chafurdar" naquilo.
Enfim.......... o tenente era um soldado da secção e o tenente era um homem já aparentando uma idadezita que veio a ser o MEU QUERIDO AMIGO TENENTE SERAFIM, que todos sabem o relacionamento. Jamais o vou esquecer.
Para vir embora, pedi a outro grande AMIGO, Aníbal Madeira que quando estivesse no puto(*) de férias(Janeiro de 72), telefonasse ao meu pai a dizer-lhe para me mandar um telegrama a dizer: Avô mal, regressa rápido.
Telegrama chegado, sou chamado há secretaria de comando e um Sargtº Ajudante, tenta dar-me a notícia da melhor forma possível. Eu começo num pranto, ao ponto do homem me perguntar quanto tempo tinha, quem era o meu chefe, etc, etc. Se eu conseguisse arranjar o desquite ele arranjava lugar num avião de Angola com evacuados que fazia escala ao outro dia lá .Corri ao meu Amigo, disse que tinha boleia para a Metrópole e que ele tratasse de arranjar o papel.Tratou-me mal, desapareceu na sua bicicleta e passado pouco tempo aí vinha ele com o dito cujo na mão.Foi uma correria ir a todas as secções obter as assinaturas......mas consegui. Há noite fui com uma garrafa de champanhe ao gabinete do Oficial de Dia, que era nem mais nem menos o Sr. Tenente e ficou combinado ele despedir-se de mim no Aeroporto.Sabe quem viu, que ele esteve lá, queimou um cigarro, limpou uma lágrima com as costas da mão, mas não estivemos juntos.Soube muito mais tarde que morreu.
Mais não digo até porque já são 01H25 e sei que não vou adormecer tão depressa.......mas Recordar é viver.
Um grande abraço meu amigo Victor.
Eu quero Viver esta noite.
(*) Continente

VB:

Solicitamos a todos os nossos companheiros desta "LINHA DA FRENTE"que, tal com o Carlos Nóbrega aqui o fez, nos descrevam a "Partida e o Regresso" para e da Guiné.
Aguardamos também outros escritos sobre temas como:"O dia/dia de um "Lobo Mau","As evacuações à zona contadas pelos nossos Pilotos, Mecânicos e Enfermeiras" "Relato dos pilotos dos Fiat sobres as diversas missões que executaram" "Quem prestou socorros em partos a bordo",etc..
Certamente que iremos ter situações que recordaram momentos das nossas vidas na guerra que
nunca esqueceremos e assim transmitiremos na primeira pessoa aos nossos vindouros.