quarta-feira, 14 de julho de 2010

Voo1835 O FEITICEIRO E A CURA.



Victor Sotero
Sargº.Mor EABT (Refº)
Damaia



Meu Comandante:

As minhas habituais saudações ao “Comando”, à “Linha da Frente” e a todos os “Zés” que nos visitam.
Permita-me meu Comandante que hoje traga à lembrança, uma situação que me tem “marcado” e que nunca esquecerei.
Há “coisas” que dão que pensar!...e, quer se queira, quer não, pelo menos temos que ter respeito.
Passados poucos dias do nosso regresso de férias pelo Sul de Angola, a “mulher” do Pinto, adoeceu.
Definhava de dia para dia.
Em pouco tempo ficou mesmo “escrava “ da sua cama.
A doença da Rosa não era para brincadeiras.
O Pinto, já tinha levado da enfermaria alguns comprimidos, mas nada de melhorar.
Na senzala, as amigas diziam que alguém lhe tinha armado “feitiço” por ciúmes.
O nosso amigo não sabia que fazer. Gostava da Rosa e estava preocupado.
Foi aconselhar-se com uma “velhota”, a tia Alice, que o mandou para o “soba”. A tia Alice não podia fazer nada mas sabia que numa aldeia próximo de Camabatela, morava por lá um “feiticeiro”. O “soba” saberia onde era.
Rapidamente o Pinto foi ao encontro do “soba” e lhe contou o que se estava a passar com a Rosa.
Numa manifestação de boa vontade, o “soba” disse logo que sim, iria ao encontro do “feiticeiro” . Já há muito que não o via!
Por empréstimo, o Pinto arranjou na cidade um jeep e pediu-me para o levar.
Comprou alguns maços de tabaco barato, uns bocados de carne de corsa, e tripas da mesma que, bem me lembro, cheiravam muito mal. Era para pagar ao “feiticeiro”.
A Rosa, deitada numa esteira na pequena caixa aberta do jeep, eu a conduzir, o “soba” a meu lado, o Pinto junto à porta.
Lá vamos pela estrada de alcatrão que nos levaria a Camabatela se não tivéssemos que virar à direita para uma picada que nos levou até à aldeia.
A picada era muito estreita. O capim estava alto e de vez em quando, lá se levava com alguns “caniços” pela cara.
Os olhos do “soba” dominavam a paisagem. Ia atento!
Após alguns quilómetros, chegámos a uma clareira. Era uma pequena aldeia onde rapidamente percebi que as pessoas viviam alguns anos atrás em relação ao N´gage.
O “soba” saiu do jeep e foi ter com o “feiticeiro” que estava sentado ao lado do que seria a “porta” de entrada da sua palhota.
Um grande cumprimento numa enorme satisfação de se terem encontrado.
Feitas as saudações sem quase falarmos, a Rosa entrou para dentro da palhota apenas acompanhada pelo “soba”.
Eu e o Pinto, ficámos cá fora e começamos a ouvir cânticos e rituais que quanto a mim, seriam, penso eu, para afugentar os “espíritos”
Algum tempo depois, silêncio.
Apenas se ouviam as crianças que brincavam nas terras avermelhadas que rodeavam a aldeia.

As mulheres começavam a regressar de suas lavras com alguma lenha à cabeça.
O dia começava a escurecer.
Lá vem a Rosa amparada ao “soba” vindo atrás, o “feiticeiro” com toda a quinquilharia envolta ao corpo.
Despedimo-nos e pela mesma picada, já de noite, regressámos ao N´gage.
Durante a viagem, a única coisa que o “soba” disse, foi: A Rosa vai ficar bem.
Já na Senzala, o Pinto ficou com a “mulher”, enquanto que eu ia entregar o jeep ao dono e regressava à base a tempo de ainda jantar na messe.
No outro dia pela manhã, o Pinto já no serviço, conta-me o que aconteceu.
O “feiticeiro”, tinha feito três incisões na barriga da Rosa de onde retirou de cada um, um pedaço de vidro, um bocado de algodão e uma pequena pedra.
Perplexo, foi como fiquei.
Será possível?
Sim, o Pinto disse que foi verdade.
Rapidamente a Rosa começa a melhorar e um dia eu “vi claramente” as marcas das incisões feitas pelo “feiticeiro”.
Nunca me esquecerei!
Meu Comandante:
As minhas saudações “acaloradas” ao Comando, à Linha da Frente e a todos os Zés que nos visitam.

Até breve

Sotero

Nota.:- De seu nome completo, Mário Sarmento PINTO 1º Cabo EABST 177/66 (sobrinho do antigo jogador do Sporting, HUGO Sarmento)após algum tempo baptizou-se na capela do A.B.3-Negage sendo eu o padrinho.