quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Voo 2095 COMPLICAÇÕES FISICAS





Fernando Moutinho
Cap.Pil
Alhandra



Durante a minha actividade na Força Aérea, consegui manter um nível de prontidão sob o ponto de vista físico que, quase diria, invejável.

Contudo, nem sempre assim foi. Das “complicações” que tive gostaria de relatar três situações diferentes.

Durante o meu Curso de Pilotagem apanhei um grande aperto.

A um mês do fim do Curso, sou atacado por uma “apendicite aguda”. O médico da Base manda passar-me uma Guia de Marcha para me apresentar no Hospital da Estrela para ser operado. Assim, nesse dia, utilizando o Autocarro da Base lá fui a caminho de Lisboa. Nessa época não havia os “mimos” de hoje – ambulância? INEM?

Apresentei-me no Hospital, colocaram-me num quarto com mais cerca de 20 camaradas (para não me sentir desacompanhado). Não me esqueço e para sempre fiquei grato ao meu companheiro do lado direito que com as pernas cortadas junto aos joelhos me foi de grande ajuda.

Fui visto pelo médico que, durante cerca dois dias tentou baixar a febre antes de me operar. Não conseguiu. Foi obrigado a operar-me bastante febril. A tal ponto que pós-operação, fiquei a delirar durante três dias sem dar acordo do que se passava. Foi aqui que o meu colega do lado direito me amparou e acorria quando necessário. Ao fim dos 3 dias acordei e sentia-me bem, mas enfraquecido. Ouvi o relato dos acontecimentos desse “companheirão” da cama ao lado. Evoluí satisfatoriamente a ponto do médico pretender-me dar-me alta 5 dias depois de operado antes do fim-de-semana. Aí perguntou-me quantos dias de baixa precisava.

Disse-lhe que estava no fim do curso (menos de um mês) e não o queria perder – seria o desabar das minhas aspirações. Conclusão, deu-me alta mas recomendou-me que, na Base, o médico fizesse o que fosse aconselhável.

Na Base o médico ficou aflito por não poder alterar as indicações do Hospital – “apto para o serviço”. Falou com o Director do Curso que resolveu poupar-me 3 dias mas assistindo às aulas teóricas.

10 dias depois de ser operado, já estava aos comandos dum Hurricane.

Descolei com medo porque não poderia fazer força com a perna direita para não reabrir a costura. Correu tudo bem.

O Curso acabou 10 dias depois e fui brevetado com muita honra.

Brevet original.


A narrativa que se segue, aconteceu quando voava em F-86F. Condições um pouco especiais levaram a uma situação muito difícil.

Antes de a relatar gostaria de chamar a atenção para as complicações que podem resultar para o sistema auditivo do pessoal navegante, de uma simples constipação.

O sistema auditivo está ligado à garganta pela “Trompa de Eustáquio” ou seja, um canal que permite o equilíbrio da pressão atmosférica, dentro do ouvido. Sempre que há variação de pressão atmosférica, sentimos, em especial a descer, um ensurdecimento ligeiro que desaparece utilizando a chamada “Manobra de Valsalva”.

Quem nunca experimentou, num automóvel, numa descida acentuada, essa leve pressão e ligeira surdez nos ouvidos? Para a resolver basta, normalmente, engolir em seco.

Num avião este fenómeno acentua-se como se compreenderá.

A Trompa de Eustáquio tem uma forma que facilita a saída do ar para restabelecer a pressão atmosférica no interior do ouvido mas é mais difícil a entrada para restabelecer esse mesmo equilíbrio se, a Trompa estiver afectada por infecção na garganta, como por exemplo, uma simples constipação.

Nos aviões comerciais a altitude de cabina é normalmente de 2.000 a 3.000 metros daqui se compreender que o problema é menos grave mas, nos aviões militares do meu tempo, naqueles que tinham sistemas de pressurização, a altitudes de cruzeiro elevadas (10.000 a 13.000 metros) a altitude de cabine rondaria os 7.000 metros com variações, é claro. Isto em voos normais. Mas o que pode suceder com falha na pressurização? Muito simplesmente, sem problemas se a garganta estiver normal mas, complicadíssimo em caso de afecção.

Eis o que se passou comigo.

Uma esquadrilha (4 aviões) saímos de Monte Real para uma viagem de treino para o estrangeiro. Tudo bem. Mas, a quando do regresso, já em Chateauroux, senti-me constipado e fomos, eu e o Cte da Esquadrilha, ao médico para as devidas medidas. Analisou-me e deu-me umas gotas para utilizar. Fiquei com medo de regressar porque sabia que seria complicado. Mas, uma não proibição do médico fez com executássemos o regresso. Descolamos com rumo a Monte Real.

A subir, como expliquei antes, nada de especial se passou mas, de acordo com um ditado popular – um mal nunca vem só, tive uma avaria eléctrica.

Consequências directas. Fiquei sem radiocomunicações (comunicávamos por sinais), fiquei sem controlo automático de aquecimento e, sem pressurização.Sem pressurização e a voar 12.000 metros. Fiquei preocupadíssimo.

O tempo estava bastante nublado e até tempestuoso. Voávamos dentro de nuvens. Já perto de Monte Real iniciamos a descida. Nos primeiros metros ainda restabeleci o equilíbrio auditivo mas depois as coisas complicaram-se. Comecei a ter perturbações e deformações de imagens. Como voávamos em formação cerrada, dentro de nuvens, teria de manter a posição a todo o custo porque ainda tinha outro piloto a meu lado. Ao aproximar-nos dos 4000 metros (já não é necessário oxigénio), em desespero, arranco a máscara e pressionando as narinas faço a dita Manobra de Valsalva que resultou. Os ouvidos restabeleceram a pressão. Foi um alívio extraordinário mas momentâneo pois continuávamos a descer. Não mais consegui restabelecer a pressão no canal auditivo. Mesmo com mau tempo, consegui aterrar mas, vinha num estado lastimoso.

No estacionamento, após parar o avião, ainda consigo descer as escadas mas, no solo, encostei-me ao avião e desmaiei. Por pouco tempo mas fui-me abaixo das “canetas”. Estava em estado de choque. Enfermaria, médico, outra Valsalva na Enfermaria que atenuou um pouco a minha situação. De seguida Hospital da Estrela, seguindo-se mais um mês até recuperar a normalidade

Foi um dos meus pesadelos.

Volto a repetir. Só foi difícil por estar constipado porque, como conto noutro local, já voei durante algum tempo a 14.000 metros sem pressurização, com um rombo na cabine e desci sem problemas só porque estava bem de saúde.

O problema garganta/ouvidos para o pessoal navegante é essencial.

Agora, para aligeirar, vou referir a nossa “panaceia”, em Angola, para fazer frente ou atenuar aquele problema.

Durante o período que estive em Angola a voar no Nord-Atlas,por vezes,saíamos por vários dias.


Como não éramos imunes às afecções na garganta, sucedia que ligeiras anomalias nos complicavam a vida. Por ter lido algures, comecei a utilizar uma técnica “caseira” – aspirava uma a duas gotas de limão por cada narina até chegarem à garganta e aí poderem actuar como desinfectante. Não me curavam plenamente mas, atenuava os efeitos da afecção.

Esta panaceia começou a ser adaptada por os outros pilotos e ainda hoje a utilizo com algum sucesso.

Aqui termino o meu historial quanto a saúde. Foi quase irrelevante. Felizmente.

VB: Bom-Dia Fernando.
Depois de te conhecer pessoalmente, não fico nada surpreendido com o que nos contas, pois a compleição e o desenvolvimento físico que demonstras-te à uns dias, quando do nosso encontro, é bem demonstrativo de um HOMEM de fibra.
São de facto, estas passagens e outras iguais (poucas)que fizeram a história da nossa FAP, épocas em que as condições laborais eram de grande carência mas tudo se fazia e bem.
Desejo-te umas boas entradas, extensivas à família, com muitos voos para esta base em óptimas condições.